30 abril 2011


um dos melhores discos dos anos noventa, e daqueles que têm entrada directa no meu altar pessoal, "deserter's songs", dos, por vezes sublimes, mercury rev, vai ser tocado na íntegra, daqui a um mês ou dois, num dos festivais de música que fazem casa em barcelona (essa minha outra cidade, por assim dizer). anyone wanna join me para um concerto que, aposto, será para lá de bom? como eles cantam, numa canção de um outro também inspirado disco.. dreams ;).



pavement :)

29 abril 2011

it's a wonderful life

claro que não é natal, dir-me-ão os mais atentos. claro que não é sempre assim e que há no título deste ultraclássico filme um exagero vitalista, próprio do new deal norte-americano, essa década prodigiosa em que uma nação inteira se reergueu das cinzas capitalistas, para se reinventar. sabemos isso. mas sigam-nos, um bocadinho..

dizia alguém, ou algum livro ou algum filme, que nunca sabemos os contornos que um determinado dia assume. isso é, para o bem e para o mal, um dos irresolúveis mistérios da nossa vida. esse carácter transitório de tudo, mas que pode ser lido de duas maneiras (como quase tudo, sim, como quase tudo). hoje, optamos pelo lado luminoso, for a change.

que raio de dia é este que começa e se prolonga, dia fora, numa espécie de 'modo funcionário' (trabalho, responsabilidades, reuniões, paredes cinzentas, um longo e fastidioso e desinteressante etc.), para, num golpe de rins, nos agarrar pelos colarinhos e nos meter na paris de 1965, guiados pelo génio iconoclasta de jean-luc godard (JLG) e pela fúria comovente de jean-pierre léaud ("masculino feminino" é o nome do filme)?

e ali estamos, há mais de 40 anos, antes de nós, mas tão próximos - sempre tão próximos de tudo. algures, a meio da película, num dos muitos e célebres inserts que é comum encontrarmos nos filmes de JLG, aparece a frase: "a pureza não é deste mundo". por isso, talvez por isso, a personagem habitada por jean-pierre léaud termine mal, num acidente estúpido. não há lugar para a pureza, parece dizer-nos JLG, mas, de facto, o que vemos à nossa frente é cinema em estado puro. e, quando saímos da sala, o que trazemos em nós? um suplemento de paredes brancas, prontinhas a serem grafitadas. pureza é acção e acção é liberdade. liberdade + igualdade na(s) possibilidade(s) = fraternidade. convenhamos que já vimos utopias piores ;). e muito menos bem filmadas ;).

depois, depois é um atropelo de pequenas coisas. conversas que começam mal e acabam bem, num maravilhoso exercício entre irmãos. um taxista que conhece por dentro o sítio onde nos dirigimos e nos conta uma pequena parte da grande história da imprensa portuguesa do século XX. que nos deseja boa sorte e que nos entende perfeitamente - o olhar, mesmo pelo retrovisor, diz tudo - quando lhe atiramos que precisamos de reinventar países interiores.

depois, depois há um hiato. algures, entra uma pista de dança ligeiramente improvável, bolas de sabão (soooo retro-chic!), bits and pieces cor-de-laranja, hits musicais de gosto, digamos, discutível [doctor beat? pump up the jam? woodpecker from space? wtf?! ;)], mas bastante adequados ao momento, e aquela ideia suave de que, nas metafóricas galerias, haveria decerto quem pensasse que 'para a próxima venho de calções', ou 'com uma camisa de alças como aquela' ou talvez 'de camisa preta'.

it's a wonderful life? almost. sometimes.

e é isto que vos queria dizer.
antonioni
tarkovsky
herman melville criou essa extraordinária personagem, o escrivão bartleby, cuja psicologia visionária tão bem ficou definida pela expressão 'i would rather not to'. perante as coisas do mundo (que os nossos mais prosaicos heróis do mar avisavam 'só se poderem ver ao longe'..), bartleby tem sempre a mesma resposta, ensaiada anos a fio, perante espelhos, janelas, qualquer superfície capaz da mais mínima reflexão: 'preferia não'.
- bartleby?, pergunta-nos o espelho circunstancialmente emprestado.
- i would rather not to, respondemos nós.

28 abril 2011

o pequeno mundo (ou a arte da fuga)

nunca gostou demasiado deste mundo.
não admira pois que, ao contrário do poeta,
aos reais sempre tenha preferido
mundos furtivamente inventados.

um mestre do understatement delicado,
o nosso rapaz.


já sabem que, para nós, os The Go-Betweens foram uma das (a?) mais perfeitas bandas da história da música popular. ao seu mais excelso disco, deram o nome de "16 Lovers Lane". como dizer? talvez assim: 1 disco; 10 canções; 9 obras-primas absolutamente absolutas. de uma beleza devastadora, é comoção em estado puro. para sempre, no topo do (nosso) mundo, estes rapazes australianos.

esta noite, no lisboeta lux, uma marca de cerveja internacional patrocina mais uma edição das suas "green ray sessions". muito moderno, muito urbano, muito muito. se a rapaziada que inventa estas coisas soubesse mais das coisas do mundo, talvez pensasse duas vezes sobre usar a expressão "green ray". quem é visita regular, ao longo dos anos, do "flores de inverno", saberá que "green ray" = "rayon vert" = "raio verde". por favor, catalogar sob o nome eric rohmer (e quem quiser que investigue). não se brinca com coisas sérias. esta gente deve achar so amusing estes jogos de palavras. ou giro, sei lá. eu cá não acho nada. sinto, isso sim, que é quase uma heresia. afinal, como é que é possível dançar, ao som de um evento cujo nome é quase sinónimo de uma, ainda que privada, religião?


i got a girl in the war.

27 abril 2011


sabemos à légua que a língua inglesa tem essa propriedade verdadeiramente exquisite de poder ser simples - straight to the point, better said - e, ao mesmo tempo, polissémica. por exemplo, tomemos em mãos o título deste filme: "last night". pode querer dizer, num cortante tom neutro, "a última noite" (no future, therefore), como pode querer dizer, num tom desta feita mais doce, "a noite passada". dirão: que importância tem isto? respondo-vos: toda. porque este filme, modesto, é todo um programa psico-sociológico que começa exactamente na indecisão do seu título. não há nada como os americanos mais ou menos independentes para captaram os tons de chumbo destes nossos dias, ainda confortáveis, esteticamente quase belos, e, no entanto, impiedosamente desalegres, profundamente melancólicos, incontornavelmente tristes. entre "a noite passada" e "a última noite" vai a distância exacta que, tantas vezes, molda as nossas vidas. por isso mesmo, quando ontem saí do cinema, ia também eu ambivalente quanto ao que senti, ao ver o filme. por um lado, rendido à  sua qualidade, ao seu tom contido, ao acting justo e credível dos seus quatro actores, todos às voltas com aquele tipo de dúvidas que, entre a moral e a ética amorosas, nos deixam sózinhos e entregues aos nossos dilacerantes dilemas interiores. por outro lado, com arrepios, por perceber tão bem tudo aquilo que tinha acabado de ver representado na película. sabemos todos que a ficção é pura invenção humana. mas também devemos reconhecer que a inventividade humana advém da grande experiência colectiva e individual de quem cria. portanto, mesmo nas fantasias mais delirantes, é sempre possível descortinar um lado realista, mesmo que num sub-nível interpretativo, quanto mais, nos filmes que mais parecem enxutas radiografias da nossa triste condição - nem alegres, nem tristes, nem doentes, nem saudáveis, nem amados, nem desamados, nem nem. não admira que tantos de nós procurem "a cura", pelo excesso ou pelo despojamento mais radical. "last night" ou "last night"? se soubessem como eu detesto estas coisas e ainda mais delas ter esta irreprimível consciência.. el bandido, siempre el bandido.

26 abril 2011

25 abril 2011

(para alguém)


era um rapaz que guardava um tesouro,
(era uma rapariga que guardava um tesouro)
uma espécie de constância, se quisermos,
(uma espécie de constância, se quisermos)
e não sabia a quem o confiar. a vítima ideal,
(e não sabia a quem o confiar. a vítima ideal,)
dir-se-ia, de todos os piratas. mas não,
(dir-se-ia, de todos os piratas. mas não,)
não era esse o caso. no epicentro da constância
(não era esse o caso. no epicentro da constância)
o que ferve é amor, e este era um rapaz
(o que ferve é amor, e esta era uma rapariga)
conduzido pela voz de seu pai. havia nele
(conduzida pela voz de seu pai. havia nela)
o dom da fidelidade. nós, que facilmente nos
(o dom da fidelidade. nós, que facilmente nos)
vergamos a potências de melaço e sentimentos
(vergamos a potências de melaço e sentimentos)
indolores, não sabemos nada disso.
(indolores, não sabemos nada disso.)
ele sabia. e assim, quando o lobo, de olhos
(ela sabia. e assim, quando o lobo, de olhos)
lacrimosos, foi rondar a sua porta, o rapaz
(lacrimosos, foi rondar a sua porta, a rapariga)
fez o que Cristo faria: deixou a sua casa
(fez o que Cristo faria: deixou a sua casa)
e fugiu por cima de água, ao encontro
(e fugiu por cima da água, ao encontro)
de uma cruz de carne e osso. onde pôde,
(de uma cruz de carne e osso. onde pôde,)
finalmente, repousar. e o mal, mesmo
(finalmente, repousar. e o mal, mesmo)
viajando noite e dia, nunca soube dar com ele.
(viajando noite e dia, nunca soube dar com ela.)
foi sorte, dizei vós. não foi. simplesmente,
(foi sorte, dizei vós. não foi. simplesmente,)
era um rapaz que possuía um tesouro
(era uma rapariga que possuía um tesouro)
a que se agarrar, e também a necessidade
(a que se agarrar, e também a necessidade)
de o entregar a quem, de não ser como os demais.
(de o entregar a quem, de não ser como as demais.)

josé miguel silva

aqueles de vós que porventura viajam com alguma regularidade de carro, sózinhos, devem conhecer o efeito narcótico dos nossos próprios pensamentos, embalados pela estrada e exponenciados pelo lado telúrico dos elementos que connosco vão fazendo a jornada (terra, árvores, sol, nuvens, rios, céus, animais, etc.). hoje, encafuado 4 horas num carro, metade do tempo a 10 ou 20 à hora, escutei, mais uma vez, o brilhante disco dos junior boys, chamado "begone dull care". quando terminou, e depois de repetir uma ou duas canções do mesmo disco, olhei para os cds que estavam espalhados pelos porta-luvas do carro e descobri uma compilação dos pavement - banda de indie-rock norte-americana, cujo zénite ocorreu nos anos noventa e que tem devotos quase fanáticos. eu, pelo meu lado, sempre adorei dois ou três hits (enfim, se hit se pode chamar a algo que apenas passa em certos circuitos alternativos), canções que podem salvar vidas, se escutadas nos momentos certos. contudo, nunca lhe tinha dedicado total atenção, digamos assim. pois bem: 24 ou 25 canções depois, posso dizer-vos que estes rapazes têm uma dúzia de obras-primas do pop-rock no seu repertório criativo. quem gosta muito destas coisas da música (ou das artes, mais em geral), sabe reconhecer esta sensação única que nos assola e deslumbra, quando esbarramos, pela primeira vez, com algo que nos deixa.. de rastos, por razões estéticas e/ou de afinidade emocional. eu, que sou conhecido por gostar de crooners obscuros, de singersongwriters ensimesmados, de bandas do passado, de electrónicas hiper-açúcaradas, também gosto da energia muito própria de algum rock e de algum pop-rock. vem daqui, desta minha faceta, o meu gosto pelas guitarras abrasivas dos pixies, pela lírica seca e de anca a baloiçar dos strokes, pelo som dos galaxie 500, pelo negrume ritmado e intenso dos interpol, etc. agora, sei mais uma coisa - os pavement entraram directamente para aquele país secreto a que chamo "my own private idaho". é logo ali, junto ao coração.


um dia, conto-vos a história destes dois. por ora, deixo-vos com algo que, na minha modesta opinião, dispensa quaisquer palavras. apenas vos digo que ele é o vocalista dos "the horrors"; que ela é uma meio-soprano; e que são namorados. criaram o projecto "cat's eyes", sobre o qual talvez se possa dizer com propriedade ser um verdadeiro "labour of love". o video ali de cima foi gravado no vaticano, sem truques de edição. creio que é também uma boa forma, alternativa q.b., de celebrar a páscoa. e nunca se esqueçam do que nos diz agustina: "o final de uma coisa encerra sempre o príncipio feliz de algo". (sim, é uma espécie de oração.)
mesmo na curva antes do famoso ano de 1968, Jean-Luc Godard realizou dois filmes, acabadinhos de chegar a dvd. ao mesmo tempo, em mais uma iniciativa louvável (e penso para comigo em como uma mesma pessoa, que não vem ao caso, pode suscitar so mixed feelings - falo de um conhecido produtor, distribuidor e exibidor de cinema), ambos os filmes passarão, em sessões especiais, num pequeno cinema de bairro, em lisboa. uma cidade civilizada não necessitaria deste tipo de escritos, tão natural deveria ser isto de que falamos: mostrar cinema, todo o cinema, em sala, com regularidade. mas isto conduzir-nos-ia a um outro tipo de crónica, que não cabe nestes pequenos parágrafos. dizíamos: esta semana, algures em lisboa (cinema nimas, eu sou bonzinho!), teremos oportunidade de rever ou de descobrir os filmes "masculino e feminino" e "duas ou três coisas sobre ela". atenção: nunca se regressa igual de certo tipo de cinema..

24 abril 2011

não é preciso muito para ser feliz,
disse-me, uma vez, um professor da escola primária.
lembro-me dele, todos os dias,
agora que, dobrados os trinta há tempo bastante,
percebi a arquitectura de mies van der rohe:
less can be more, stupid boy.
so much more.

por isso, alimento-me frugalmente,
não venero deuses materiais,
poupo bastante energia,
habituei-me a viver com pouco:
pão ázimo,
café de saco,
palavras,
alguns discos,
não muitos filmes,
uns fatos de corte fino e antigo.
(só abuso das memórias e dos sonhos.)

vivo a quaresma que escolhi,
mas
acredito
na vida eterna
e nas estrelas
e na possibilidade de as flores poderem tomar o mundo.

algures entra aqui
a pele de uma rapariga
e o rosto,
e o rasto de resto.

tem que terminar o poema?
não pode..
e lavro aqui o meu protesto!

23 abril 2011

22 abril 2011



21 abril 2011



finalmente, em lisboa, os meus mui amados "junior boys". os mestres da electrónica romântica, so to speak. lindos.
lindo!

contra o esquecimento, marchar, marchar. desculpem o eventual "mau-jeito"..

se nunca ouviram falar de shaun tan, este é um bom momento para repararem neste rapaz australiano, de origens asiáticas, que, ainda com menos de quarenta anos, anda para aí a espalhar aos sete ventos livros que têm tanto de indefinível - na técnica, no público-alvo, etc. - como de maravilhoso e de singular.
acima, a capa da belíssima e mais do que oportuna estreia em língua portuguesa.
recomendado a todas as crianças que habitam em vós - sejam vocês crianças em sentido literal ou em sentido metafórico.

20 abril 2011


no meio de milhões de palavras impressas e seguramente de uns bons milhares de livros - em casa, portanto -, tropeçamos sempre entre pedaços de luz. como este, achado - como nos tempos de antanho, os nossos navegadores achavam o que existia há muito..-, por entre as prateleiras de uma livraria de ocasião, onde mato a minha fome, uma vez por outra, de mundo:

"entre as flores, cara a cara com o céu."

disse-o Rainer Maria Rilke.

(e pensa a gente, em dias decerto auto-indulgentes, que sabemos escrevinhar uma coisas. nada como um banho de humildade, essa qualidade tão fora de moda, para nos devolver à nossa micro escala, quando comparada com a escala macro do cosmos..)

cine(poe)ma breve

quem se lembra, hoje em dia,
da poesia visual, do cinema austero e metafísico,
de tarkovsky?

eu lembro-me, andrei.

era só isto que te queria dizer,
e desculparás a brevidade.

mas olha que "só isto" é já tanto,
de certa maneira.

19 abril 2011



johnny 4 ever.

18 abril 2011



porque nunca estamos verdadeiramente sózinhos, mesmo quando nos sentimos sufocar em seco, à conta das mais indizíveis palavras - pobres significantes desbotados que nem sequer remotamente se aproximam dos mais íntimos significados que guardamos sob a pele.

esta noite, pouco antes da meia-noite, a rtp2 mostra-nos "as praias de agnès", um filme quase doméstico realizado por agnès varda, e que é também um tratado autobiográfico sobre os afectos, a memória, a alegria solar que herdámos de tudo o que fomos, como se ainda fôssemos tudo isso (todos esses) - que ainda somos, de facto. é um filme precioso, comovente, de uma espantosa autenticidade, ao mesmo tempo que connosco partilha uma criatividade plástica luminosa. lá está, é a lenga-lenga de sempre: quando a ética (positiva) e a estética andam de mãos dadas, às vezes, o resultado é sentirmo-nos gratos por poder testemunhar coisas assim. acreditem: vale a pena ficarmos acordados, um bocadinho até mais tarde. não é todos os dias que da televisão nascem flores.

gosto da ideia daquele cronista brasileiro que diz, mais coisa menos coisa, que "um poeta é alguém que, com palavras, desarruma a cama". talvez seja uma boa frase para meter conversa com miúdas. ver se me lembro disto, in my times of need. (ou pensam porventura que a poesia chega? please, don't.)

17 abril 2011


(a todas aquelas e a todos aqueles que esperam)


quando cai a noite e é sexta-feira, os lobos, em alcateia,
sobem aos bairros - no singular -, à procura de um alvo
abstracto, de uma ideia de caça, da função instintiva que
sabem correr-lhes no sangue, desde que abriram os olhos.

como em tudo na natureza, há lobos solitários, afastados
pelos seus pares (ou que simplesmente se afastaram) desse
modo de vida ancestral, competitivo, talvez até banal,
no seu cortejo de tiques e rituais de quem treina o dente.

lembrei-me de ti, que provavelmente nem existes, quando
escrevia aquelas palavras ali de cima. lobos e homens são,
se pensarmos bem, uma e a mesma coisa - seres solitários
deitados à vida, sem clemência, orientação, guias práticos.

isto aplica-se, claro, também às raparigas. por isso, dizia,
me lembrei de ti. enfrascada em enciclopédias, enfiada decerto
em cinematecas reais ou inventadas, protegendo-te das coisas
do mundo, lutando impiedosamente contra o comando do destino.

há na resistência uma ética muito própria. um grito que perturba
os lobos, os homens, as mulheres, todos aqueles que preferiram(?)
deixar de lutar contra o sangue. estão no seu direito e talvez
venham a ser declarados vencedores, aos pontos, no ringue-mor.

admito que sim. contudo, concede-me a dúvida. deixa-me dizer-te
que prefiro, desde tenra idade, a solidão habitada por pontos
luminosos que é a tua. essa constelação de animais e de homens
e de raparigas solitárias que acendem cigarros frios contra os

céus nocturnos. estão em toda a parte: nas ruas por onde passo,
ao volante do carro; nas mesas das casas de pasto que subsistem;
nas últimas filas das salas de cinema; nalguns jardins matinais;
até sentados à mesma mesa que nós, escondidos do mundo e, creio,

de si próprios. eu também nunca li a balada do café triste, mas,
uma coisa eu sei: há constelações invisíveis que nos fulminam,

tão extrema é a sua - a tua - a nossa

imperial beleza.


claro que de beck só poderia adorar o disco "sea change", esse regresso às origens musicais da grande américa, enquanto se espantam os fantasmas privados do autor. nada de electrónicas, nada de um lado mais hedonista. aqui é tudo rente ao osso, descarnado, como as suas palavras esculpidas a melancolia, tristeza. música bela e lenta e planante, para palavras em cinza. de resto, as imagens mostram a ásia. a ásia que aprendemos a amar, através dos filmes independentes, dos livros de viagens de europeus como nós, de uma ou outra digressão pessoal por lá. a ásia a onde regressaremos, um dia, cumprindo talvez um destino, tal o sentimento de "casa" que, de vez em quando, nos assola, ao nela pensarmos. estará tudo isto (apenas) na nossa cabeça? talvez. especialmente se por cabeça quisermos dizer um conjunto mais vasto de coisas. "my own private idaho", como no filme de gus van-sant, é expressão que uso amiúde para descrever certos cosmos interiores. de que falamos, então, quando falamos de nós, mr. carver? de "sea change", como nos diz, mr. beck? "partamos, de flor ao peito", como diz um amigo nosso. deixemos as hermenêuticas sofisticadas, as teorias interpretativas, a heurística, a exegese. às vezes, só queríamos mesmo uma coisa: "live a little". nem mais. nem menos. "a little".
como no quadro de joseph beuys: "flower was the first word she said".

16 abril 2011



talvez ele seja o maior actor francês vivo. não sei, mas sei que vi quase todos os seus filmes, nesta última década. talvez este video, esta canção, a feliz conjugação infeliz de ambas, nos falem de um homem mutilado, defeituoso - de um homem avariado. talvez tenha sido uma poeta portuguesa que disse que "ninguém morre de desejo, mas nunca se regressa igual". talvez seja do calor estival desta tarde de sábado, do carro cruzando o ribatejo, da cabeça a 200 à hora (da pele já não sabemos dizer - melhor nem pensar nisso, se calhar..). talvez seja de tudo isto ou de nada disto ou a propósito disto. talvez haja uma irredutibilidade ilógica qualquer. uma alquimia própria dos que acreditam que a sorte governa o mundo e que a sorte está sempre noutro lado. chet baker dizia que estava ali uma estrela a brilhar, mas não para ele. quem sabe de que nos falava chet, o actor lá de cima, o stuart dos tindersticks, a tal poeta portuguesa, o chilrear dos passarinhos esta tarde, as melodias próprias da amizade que hoje me deu mais do que porventura mereço. talvez. ninguém sabe. por isso, na dúvida, brindemos à certeza mais louca: hei-de escrever sobre a tua pele. e não há-de ser um tratado sobre dermatologia, antes uma especiosa experiência botânica. este sol mata-me o juízo, está visto. (vivesse eu como escrevo, ao menos..)


speechless.
de ir às lágrimas.


podia fazer vida da garimpagem. descobrir pérolas escondidas, minérios esquecidos pelo tempo, propriedades curativas em plantas que ninguém recorda, procurar canções nos despojos de editoras falidas, palmilhar o mundo à procura de poetas obscuros.
seria conhecido nos meandros da velha havana, nas cidades oblíquas da estepe russa, seria amigo de feiticeiros africanos, tomaria uns copos valentes com os deserdados do mundo que gostam destas coisas da garimpagem.
e de todos os cantos do mundo, trazer-te-ia sempre as flores selvagens que, religiosamente, depositaria sobre a tua pele.
rezar também é isto, sabes?

15 abril 2011



"dirty dancing" bem poderia ser o sub-título, em certos dias, desta coisa a que alguns chamam "a vida".

ou então escrever um livro numa qualquer língua morta e chamar-lhe "the black dressed girl - poems for a piano (and some flowers)".

blá, blá, blá.

modern times suck. so much.


pede-me a pele um matinal poema?
rasgo o teclado emprestado, cismando
nos teus olhos debruados a negro.

não me importa se cismo porque sim,
ou se tudo isto é apenas um erro.

14 abril 2011


agora que algumas salas de cinema exibem o magnífico filme "road to nowhere", de monte hellman, recordamos aqui essa sua seminal obra do cinema norte-americano de setenta: "two-lane blacktop". em 1971, monte hellman vai, literalmente, para a estrada, filmar essa história(?) de quatro personagens + 2 carros que percorrem a mítica paisagem americana definida pelo tracejado das estradas. entre competições, mais ou menos legais, mas sempre amadoras, onde se fazem pequenas apostas de circunstância, o caminho vai-se fazendo ao sabor do acaso, um pouco como o discurso - mitificado, errante, pointless - da personagem desempenhada por warren oates (que vemos em primeiro plano, na foto ali de cima). há neste filme uma sobreposição de planos interpretativos que convém assinalar. na aparência, é apenas um filme sobre rapazes e homens, carros e estradas, a por vezes desolada paisagem estadunidense. no entanto, é um filme muito mais rico, que nos mostra esses mesmos americanos, numa jornada movida a gasolina e pneu queimado, a caminho de qualquer coisa, gastando talvez os últimos cartuchos da juventude, lutando desenfreadamente contra a ideia de "assentamento", conotado com uma perda de liberdade. de certa forma, o movimento é o próprio sentido, e não tanto um meio para. mas há ainda um terceiro, pelo menos, plano de leitura, de raíz mais sociológica: é a própria américa, a braços com o tumultuoso final da década de sessenta (relembramos o vietname, os movimentos anti-segregação racial, os tumultos nos campus universitários, a militância gay a começar a afirmar-se, a longa tragédia presidencial, etc.) quem está dentro destes carros, percorrendo as suas próprias escaras e cicatrizes, sempre em movimento de fuga em frente - como se o sonho, tal e qual o arco-irís, estivesse sempre no extremo onde não estamos e que parecemos nunca conseguir alcançar, apesar de nos dar ideia de que o vemos, ali mesmo à nossa frente. é esta américa, profundamente marcada e dividida por dentro (os planos daqueles lugarejos de beira de estrada, onde reina uma certa desolação (como se fosse sempre fim-de-semana, com quase tudo fechado, quase sem pessoas nas ruas), não nos falam de outra coisa e estabelecem um contraste agudo com a sede de aventura(?) do quarteto de personagens principais do filme). poderíamos falar horas sobre o que esta obra de monte hellman nos diz. abordemos apenas mais dois ângulos possíveis. o final do filme - um dos mais célebres da história do cinema, estamos em crer -, no qual é a própria película que parece pegar fogo, ardendo à nossa frente, impregnada de vida e de energia que não sabem para onde se dirigir (auto-consomem-se, portanto). talvez o que vemos arder seja uma passagem de testemunho entre o filme (a ficção, do lado de lá) e nós espectadores (a realidade, do lado de cá). não sabemos bem se este argumento colheria, junto do próprio realizador, mas, para nós, faz todo o sentido - e a arte é sempre uma construção entre quem cria e quem usufrui da criação, não é verdade? finalmente, uma palavra final para a personagem da jovem rapariga que passa grande parte do filme com as três personagens masculinas, entre carros e quase entre afectos, caída não se sabe muito bem de onde, para, numa das últimas cenas, se afastar de todos, aceitando o convite mudo de um motard de ocasião. o que nos interessa aqui é expressar essa dúvida que permanece: quando confrontada com a rotina do movimento, ou com o excesso de movimento, esta rapariga foge ou vai ao encontro de algo diferente?, esta rapariga desvia o seu caminho, por excesso de aventura ou por a aventura - já adquirida - não lhe parecer ser já suficiente? pode parecer um detalhe, mas é um detalhe que rima com as angústias, nunca inteiramente assumidas, das personagens masculinas, que se limitam a estar ali, sem estados de espírito relevantes, como se estivessem connosco durante duas horas e depois seguissem viagem, deixando-nos na nossa própria vida, sem saber muito bem o que pensar. é este, talvez, o aspecto mais genial do filme. não passa nenhuma mensagem, possibilitando várias. não dá respostas, sugerindo perguntas. não se impôe, antes deixando em nós aquele travo de que, como diria godard, o melhor do cinema é a parte da vida. mesmo quando, como tantas vezes acontece, não sabemos bem se percebemos o que testemunhámos ou até o que nos aconteceu. "two-lane blacktop" é um filme matricial dos anos setenta, mostrando, em 1971, essa terra de ninguém que sempre são as transições entre décadas. ou entre etapas da vida. ou entre mitos sobre as etapas da vida. ou entre vidas.
palmas para mr. hellman.

13 abril 2011


no more flowers, please.. - he said.
(but did he actually mean it?)


blinded by the daisies in your yard

12 abril 2011

"road to nowhere" é um filme, magnífico!, de monte hellman

no canto do bolso, o livrinho vermelho gritando por london. no bolso do canto, o livrinho branco calando macau. e tu, águia real outrora, rondando a presa da circunstância, estruturando o ângulo pelo qual alguma coisa mudará para sempre. a música da multidão que é sábado ciranda em teu redor sem te poder, contudo, ouvir - a paga que te dá, bem merecida é, sentes. does not suffice pode querer dizer tanta coisa, tanta coisa. por exemplo: que desistes da presa de sábado à tarde, da ideia, do conceito, equação esdrúxula, binómio aplicado ao que mais interessa. jogas na antecipação, como essa gente que inunda o metro de londres e as ruas da macau outrora um bocadinho também tuas. essa gente que carrega aos ombros todos os corações de todos os sábados, e lembrar o rui e o seu memento por diana - tão morta agora quanto o nosso inferno amor. vícios de linguagem, pode-se aqui ver, que a metafísica pura anda arredia há muito, sabemos tão bem. does not suffice o frenesim agudo que te estremece, nem os olhos da menina da caixa em registo mecânico de simpatia profissional. e no entanto seus olhos são lindos e, como em london london, pensas em quem acolherá o seu corpo decerto cálido, pujante e pungente, como todos os corpos jovens que te passam rectas oblíquas (tangentes). deixas em paz e sossego o que remédio não tem, abandonas a centelha sentada num banco de jardim, à porta do centro comercial sem spleen possível, materialismo e nada mais, para diletantes sem ocupação. o teu coração - ou será outra coisa? - dispara em compasso estugado, coisa diversa do movimento certeiro que outrora a águia que eras lhe dedicaria com arte abstracta e ciência mais do que técnica. agora, partes dentro de ti, segues. stop stop. macau e london, lisboa é isso também, cidades dentro de uma cidade desmultiplicada. um dia, quando estiveres dentro de mim, naquele momento estelar, em que estarei dentro de ti, desferirás teu tiro febril e fatal, pequena sereia da caixa de supermercado - antes que faças, portanto, do cavalo de tróia uma estratégia infame e deja vu letal, arrumo-te eu a um canto, no mesmo banco que ficou lá atrás, nas linhas que falam desta lisboa, simulando londres, london, macau. pois é, donzela, esta vida está, como dizer-te, esta vida está está está mal - em português sem acordo ortográfico que nos salve etc. e tal. estamos nós, as cidades e a semântica, a falta de ar e de quântica - é como se em vez de natal nos servissem um arremedo estúpido de carnaval. e nós assobiamos. não achamos bem, convenhamos. mas também não achamos que esteja como está: m-a-l, soletrando portanto, dá qualquer coisa assim: estamos mal. mesmo mal. tal e qual.


- i rest my case, your honor.

- a mojito and a daiquiri, please.
- right now? both? - I mean, sir..
- yeah. one shot works better, life's gonna teach you that lesson soon.
- sure, sir.
- you'd better make it fast, strong, good, boy.
- of course, sir. 2 minutes!
- make it alive. make me alive.

"how strange, innocence", é um sacana de um disco de uns rapazes chamados explosions in the sky. e é também um disco que traz inteirinho um pedaço da minha vida. ontem, em conversa com amigos, lembrei-me dele - o que quer dizer que me lembrei de ti - o que quer dizer que me lembrei desse eu que fui.
how innocent, stranger.

11 abril 2011


the heart knows better.

10 abril 2011



não sei se sonhei ou se era matéria viva
mas sei que era decerto primavera nessa noite
onde desenhávamos tangentes e paralelas
nas nossas conversas de naufrágio
que tão bem sabemos reconhecer à légua.

lá dentro, e lá atrás, a música noise musculada
servia apropriadamente de banda sonora
para mais uma noite na nossa cidade emprestada
que calhou ser esta, mas bem poderia ser outra,
mesmo que não gostemos de o reconhecer.

pelo retrovisor e pelo oráculo, passado e futuro,
como moving walls nos filmes de aventura,
ameaçando esmagar este tempo presente (tudo o que temos).
butão, tailândia, a ilha, geografias precisas
(ou preciosas), por onde os nossos afectos vôam

quando nós, seus não donos e senhores, precisamos
de calor, de um ombro possível, de uma coisa qualquer
- de tudo o que nos afaste dos silogismos da amargura,
da tentação de tudo reduzirmos a um vale de lágrimas,
do abismo de nos situarmos num teatro do absurdo.

era noite, primaveril, doce, recordo-me bem
do seu abraço suave e dos seus lábios sobre os meus
e só por isso penso que não falo de um sonho
em que entrássemos nós, passado e futuro,
geografias próximas e longínquas, toda a geometria

dos afectos, quando a conseguimos articular.
longe ou perto, ontem ou depois de amanhã, não sei,
mas sei que dou graças por poder escrever isto,
principalmente a um domingo (dia em que me falta tudo),
dou graças pela tua amizade e presença

e é por tudo isto que te conto um segredo:
voei para o grande templo das pedras,
dominei, finalmente, a grande geometria humana,
encontrei coragem para deixar o sonho
e dizer-te que arqueologia futura sôa-me bem,

nem tu sabes quanto.

(it could still be a perfect world, i guess..)

08 abril 2011

dizem-me aqui ao ouvido insuspeitas fontes - pedigree intelectual, pois claro - que e.m. cioran e samuel beckett eram amigos. faz todo o sentido, pensando bem. afinal, se somarmos um dos expoentes máximos da filosofia pessimista e um dos ilustres mestres da dramaturgia existencial mais minimalista e silenciosa (atenção que o qualificativo minimalista aplica-se aqui à palavra existencial e não à palavra dramatugia, o que faz assinalável diferença) temos, como resultado, a redução do corpo teórico da obra de ambos a uma mesma raíz matricial comum: o manto silencioso e negro da falta sentido. um niilismo sem punch. um absurdo e exasperante vazio. a mim não me dá nenhuma satisfação, confesso, escrever estas coisas. o que nos vale é que há sempre uma centelha de esperança. por exemplo, a amizade, ainda assim possível, entre estes dois homens. e o facto de nenhum deles ter caído num estado de letargia misógena. ambos viveram. ambos ainda vivem, nestas minhas palavras e em muitas outras constelações seguramente ainda acesas. afinal, talvez o niilismo não possa ser declarado como o grande vencedor, apesar da grandiosidade argumentativa e da fina inteligência dos amigos emil e samuel. e isto, amigos meus, é uma grandessíssima vitória da vida sobre as trevas. porreiro, pá.

lars von trier era um homem com uma máquina de filmar.
depois passou-se. o que quer dizer: depois passou-lhe.

as coisas boas são assim, fugidias - a moving target.
já as outras abusam  daquela obscena propriedade da termo-dinâmica:

viscosidade é a palavra - e também a propriedade.
(agarram-se a nós, insidiosas. e permanecem.)

que sei eu do lars?, pensando bem.
mas aposto que ele sabe muita coisa sobre mim.

you're soooo raymond carver, sometimes..
- she said.
aooh
it's true
girl, i'm only doing this
to be closer
to you
uh uh

momus

07 abril 2011


há coisas que convém não misturar, sob pena de acabarmos com um cocktail molotov nas mãos.
por exemplo: charles bukowski, e. m. cioran e.. flores.

(nota: podem substituir qualquer um dos "termos" desta "equação" por franz kafka. funciona na mesma. é a chamada propriedade comutativa do absurdo. outros chamam-lhe lucidez. entre uma e outra aquela coisa abjecta e imoral, o desespero.)
em todas as vidas há, para citar orson welles, "rosebuds" vários. pequenos símbolos, espectros, fragmentos, pequenas memórias, cintilações, pequenos altares privados, que nos transportam para "grandes mundos". "peixe lua" é um filme semi-obscuro, assinado por josé álvaro morais - autor bissexto e que já não se encontra entre os vivos. fará agora dez anos, talvez mais, que me cruzei com este filme e, pela primeira vez, com a intensidade incendiária que a actriz beatriz batarda, por vezes, consegue imprimir às suas poderosas performances. é um filme que permanece em mim, misteriosamente. que nos fala de um país que não existe: um reino sulista e solar, unindo o alentejo e a andaluzia, irmanado por uma paleta de cores quentes, pela planície dominante, uma certa ideia de sul, onde a língua da pele e dos afectos é bem mais importante que a língua que serve a fala. talvez o filme que eu vi não exista. se hoje for até à cinemateca e voltar a olhar para o filme, admito perfeitamente que os meus olhos vejam agora toda uma coisa outra. por isso, prefiro manter a pureza resguardada do que foi, esse olhar virginal e tocado pela generosidade que nos permite receber, sem cálculos estéticos ou sofisticadas aritméticas racionais ou glaciais crivos de gosto. "peixe lua" é - foi? - um filme especial, um work in progress algo caótico, um daqueles filmes que parecem não saber para onde caminham. e que, no entanto, nos encantam e comovem.. como certas pessoas, em certas fases, de certas vidas. isso.
ide ver.


when there's a burning in your heart

"cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio.." 

raduan nassar

dizia alguém famoso que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. creio que se terá esquecido da especificidade portuguesa - é que falta aqui o modo tragicomédia. eu disse: traGIcomédia. e se disse, está dito. 'tamos feitos. como dizia o poeta: "olha a grande novidade".

06 abril 2011


no outro dia, o pedro mexia escreveu um magnífico texto sobre o filme "pierrot le fou" (de jean-luc godard) e sobre a, só agora para ele evidente, dupla lente de leitura que um filme destes proporciona: por um lado, a alegria solar e despreocupada de uma vida que é pura liberdade in motion (a poética do amor puro como combustível); por outro lado, a crónica sempre anunciada da erosão causada pela impossibilidade (a pureza é sempre passageira, pelo menos para seres humanos não tocados pela graça). o pedro mexia, ainda adolescente ou jovem adulto, apenas via a primeira, ao passo que o pedro mexia actual, a chegar aos quarenta, vê ambas, e magôa-se com o sopro gélido, mesmo que subtil, da segunda. "pierrot le fou" é um filme que nos fala sobre vários mitos que convém combater, dizem alguns. "pierrot le fou" é um filme que nos canta ao ouvido preciosas fórmulas alquímicas, sussurram-nos outros. talvez não haja escolha - e talvez seja esse o verdadeiro mito, afinal de contas. mas, que diabo, tanta lucidez serve para quê, exactamente? schopenhauer diria de pronto: "para afastar a dor". outros, porventura mais tontos, replicarão: "anestesiados? não obrigado." eu? eu quero um amor fresco todos os dias. ou seja: mente-me, vida desgraçada. mas com emotion and style, como diria o rapaz j.p.simões. e, já agora, demos três sonoros vivas ao jean-paul, à anna e ao jean-luc - capazes que foram de se transcenderem e de nos darem este filme que é um sopro de vida que ainda hoje nos emociona. o resto que se dane (o que te inclui a ti, vida desgraçada. querias o quê - flores?).

claro que as coisas têm sempre - ou quase sempre - uma origem. por exemplo, ver, noite dentro, numa velhinha televisão a preto e branco, um clássico do melodrama como este "um lugar ao sol" (de george stevens e com aquele fulminante par ali de cima), numa espécie de ritual formativo,  teria que ter consequências. era a província, eram então os anos oitenta, era essa vida mais lenta do que a actual, era ter-se tempo e uma natural born predisposição para mergulharmos nos dilacerantes psicodramas do cinema americano clássico.
depois, depois foi o que se sabe.

05 abril 2011



it could have been a perfect world.

04 abril 2011

homem ao mar, portanto

no ar, um cheiro persistente a enxofre,

no céu, um falso azul da cor do chumbo.
se japoneses, dir-se-ia "tsunami approaching";
em português, é um país inteiro ao fundo.
da astrogeometafísica existencial

nós:
crateras,
sob as marés da lua,
enquanto, lá fora,
a vida.

não é bem certo,
nem está propriamente errado.
- é apenas assim.

já Pessoa dizia
que no cansaço está
toda a metafísica.

(ou quase.)
der himmel über lissabon

ler-te, hoje,

foi como ter wim wenders
e a sua corte de anjos brandos
sob os céus brancos de lisboa.

(eu disse sob.)
hibisco

lê-se e não se acredita: como pode uma tão simples flor
saltar da página em frente e com enleante voz feminina
sussurrar-nos ao ouvido uma - mais do que bela, perfeita -
declinação floral da luminosa palavra que sabemos de cor?

03 abril 2011



estão acabados, claro. pop-rock de estádio, apenas levemente esquinada, para gáudio de videos mainstream, em slow motion açúcarado.

claro, estão acabados. nota-se à légua. por exemplo, nesta pequena canção, acabadinha de sair do forno da banda de athens, georgia, e.u.a.

claro. claro.

(that place is also the beat of my heart.)


sam beam, a.k.a. iron and wine, acaba de chegar a número 2, no top americano (seja lá que exacto top for aquele de que falamos..). neo-folk, americana 3.0, pop-rock pastoril e bucólico, old paisana blues rock. tem 5 filhas 5 e uma barba - como dizem muitos nos comentários do you tube - épica.

por aqui, gostamos de gente assim. gente que são pessoas. e cada uma delas diferente e única. malditos livros pelos quais aprendemos a ler e que nos transformaram nisto.

02 abril 2011

diz a miúda à mãe, depois do homem que as visitara sair e a costa ficar, outra vez, segura, por assim dizer: "estava impecável for fora, mas não por dentro. onde pára o brilho dos seus olhos?".
diz saramago, através de um circunstancial pacotinho de açúcar: "sempre chegamos ao sítio onde nos esperam", e diz-nos isto agarrado à sua pilar, olhando ambos o horizonte em frente.
toda a metafísica está na exacta intersecção entre o olhar de uma menina de dez anos e as palavras incandescentes de alguém que nunca apreciámos.
justiça poética, justiça divina - ou uma poética há muito devida.
crateras.


lídia jorge diz-nos que há uma cratera entre aquilo que somos e aquilo que gostaríamos de ser e que é a partir dessa cratera que ela (nos) escreve.

nós:
crateras,
sob as marés da lua,
enquanto, lá fora,
a vida.
não é bem certo 
nem está propriamente errado
- é apenas assim.

já Pessoa dizia
que no cansaço está 
toda a metafísica.

"rigorosa dieta!" - foi o veredicto daquele médico da alma.
e cumpri.