24 abril 2007

remembering another king..


elvis presley, 'summer kisses, winter tears'

'free hugs' of the world unite and take over

as musiquitas são o que são (fraquitas, no meu modesto entender), mas gosto da ideia..

lisboa, novembro de 2006

porto, março de 2007

23 abril 2007

omertà

anda por aí um livrito - com 61 páginas úteis - a fazer das suas. já tropecei nele mais do que uma vez, enquanto flanava por alguns dos jardins que frequento. encontrei citações deste livrito por aí, em jeito de flores de primavera. ainda não percebi se são, à maneira de baudelaire, flores do mal. mas sei que são flores 'exquisite', flores carnívoras - se, por acaso, por carne tomarmos também a alma em que habitamos (ou que em nós habita). que nenhum homem escolhe o inverno ou a primavera; são antes as estações que nos escolhem a nós.

este livrito, dizia, anda por aí e é um perigo público. pode fazer ver - o que é, consabidamente, um tenebrosa forma de subversão da ordem e da moral. este livrito, contava-vos, é de um rapaz com menos de 30 anos - mas daqueles que ainda não desistiram da sua geração, como canta o j.p.simões - e chama-se, singelamente, 'omertà'.

é um livro de poesia ? é um livro de ideias ? é um ensaio poético ? é tudo isto e nada disto. e mais do que isto.

deixo o trabalho sério para os críticos literários. lembro-me do changuito (da 'casa da mariquinhas') me ter dito muito bem do autor. fixemos-lhe o nome: vasco gato.

diz coisas assim:

ofereço-te a boca da minha juventude.

estão aqui 37 graus. é um corpo. e ninguém se aproxima senão para recuar. devorar. ou ficar.

sei como os eléctricos da noite parados me procuram. sei que me rege uma flor insensata.

esta praça é o meu amor em estado de sítio.

abres a boca para viver desesperadamente. e zero. dez comboios em partida simultânea. o som desse êxodo.

damos vertigens. se entramos uns nos outros, damos vertigens.

não devemos ser fortes quando está em causa a transfiguração. há uma espécie de força que é uma espécie de fraqueza, e uma espécie de fraqueza que é uma espécie de força. como distinguir? se no pescoço se nota o vinco da corda é porque não estamos a viver.

o teu corpo transpira o meu ópio. não te afastes.

no deserto sonha-se com os próprios dedos.

a poesia é o único tóxico que negoceia vida.

não se sai do abismo; aprende-se a sua linguagem.

(..) o amor está sujeito ao princípio da incerteza de heisenberg: quanto mais sabemos da sua velocidade, menos sabemos da sua posição, e vice-versa. o amor é, por isso, todas as graduações de velocidade e posição.

esta noite adormeci agarrado aos meus gritos.

tenho uma praça fora do sítio. tenho uma árvore fora do sítio. tenho um homem, dentro de mim, fora do sítio.



vasco gato, 'omertà', edições quasi, 2007

uma coisa simplesmente bonita..

´
mercury rev, 'the dark is rising'

3 x kings of leon (new old rock)


today, 'on call'


yesterday, 'the bucket'


the day before yesterday, 'molly's chambers'

22 abril 2007

palavras que ficam

um filme..
candeeiro.
just like the movies.
brightside.
arrábida.
passado e futuro.
arigato, arigato.
tróia.
um filme feliz!
nanar.
less words, more life.

20 abril 2007


peter, bjorn & john, 'young folks'

usually when things has gone this far
people tend to disappear
no one would surprise me unless you do

i can tell there's something goin' on
hours seem to disappear
everyone is leaving i'm still with you

it doesn't matter what we do
where we are going to
we can stick around and see this night through
era um país, como dizer, de espuma. era um país inventado todos os dias. um país que era só espaço; e que era só tempo. nos intervalos era outra coisa qualquer, mas uma coisa qualquer naquele sentido que é só puro sentido. e assim era sentido, do verbo sentir, sen-t-ir (tu, sem ter que ir a lado nenhum - tu, sem ter que sair de mim). era um país e uma casa, como dizer, de bruma. de bruma matinal que aparecia pela tarde, de nevoeiros tardios que apareciam cedo, de fumos de outro tempo que apareciam sempre a tempo. era, como dizer, a bruma de uma casa que era em si um país. na bruma desta casa deste país havia uma cama. uma cama, como dizer, de ternura. de ternura pela cama, pela casa, pelo país - e pela bruma. era uma ternura-bruma que se infiltrava por todos os espaços e por todos os tempos; era uma ternura sem geografia, meridiano ou equador. era só ternura a cama (que era uma casa (que era um país)). era uma ternura colorida, fragmentos de todas as cores inventadas por todas as crianças por inventar. uma ternura feérica, que é uma palavra que é uma cama. que é uma casa. que é um país. de bruma e ternura - e voltamos ao princípio, era só ternura. e nessa cama havia um corpo que eram três corpos. e esses três corpos - que eram uma bruma de ternura (ou uma casa; ou um país) - eram um homem, uma mulher e, a ordem não é o mais importante, um terceiro corpo etéreo. quer dizer, tinha as coisas que os outros dois corpos tinham, mas tinha mais uns pózinhos. há quem diga, e sempre assim foi, que esse terceiro corpo era só ternura. outros diziam que tinha a densidade da bruma, quando a bruma invade cada fresta da nossa cidade interior. havia também quem dissesse que era uma outra coisa - toda uma casa, um projecto de casa, reduzido à sua essência. todos os futuros numa coisa sem peso, quase imaterial. era um projecto poético, uma casa poema, um lar (palavra que já nos habituámos a não frequentar). mas havia quem fosse mais longe e visse ainda (e jurasse que via) todo um país (ou mesmo todo um universo) nesse terceiro corpo (que continha os outros dois mas, como já vos disse, era uma coisa outra). nesse projecto havia passáros pela manhã, havia café - sempre preto-preto, sempre forte-forte, sempre aromático-aromático -, havia música, muita música. livros de poesia espalhados pelo chão e sempre à mão, em cada recanto. havia ensaios visuais - esquissos, esbossos, tentativas, ensaios - espalhados pelas paredes. havia sempre fruta - laranjas, tangerinas, clementinas, essas frutas que são fruto das árvores que têm flores brancas (e que cheiram e sabem a futuro). e queijo no frigorífico. é altura de dizer que o frigorífico era dos poucos electrodomésticos dessa casa (que era um país, se bem se lembram) - era, portanto, um país de nova geração. um país sem desperdício, um país que dava de si, para que outros pudessem ter. um país utópico, como os colonos que demandaram as américas procuraram fazer, terra de sonho e de oportunidades. mas sem liberalismos desenfreados, que a política também é chamada para todos os países (que era uma casa, lembram-se?). neste país novo - diferente, único - as portas estavam sempre abertas, não se sabia o que era televisão (quer dizer, sabia-se, mas não se fazia dessa consciência de se saber uma necessidade de se ter). nesta casa, havia mil - juravam as visitas - candeeiros. escolas de design de todo o mundo procuravam, em vão, organizar excursões de jovens estudantes, havia anos. nesta casa, para além de candeeiros, havia também muitas cadeiras - a última das quais trazida do butão, esse longínquo reino dos himalaias. e vinho, vinho do mundo, vinho de todo o mundo, vinho que alimentava serões frugais - pão fresco caseiro, umas fatias de queijo, um bolo daqueles que sabem às nossas avós, café, pouco mais. de vez em quando, uma sopa e uma salada, uma peça de fruta. era uma casa-país, que tinha nela 3 corpos-projecto. uma casa de bruma e ternura, se bem estão lembrados. era uma casa, como dizer, interior. e era também uma casa gémea. gémea porque, embora situada no interior, era uma casa com vista para o mar. não muito longe dali, mas suficientemente longe dali, havia uma outra casa, gémea ou réplica da nossa casa interior. uma casa com o mesmo projecto de arquitectura, com os mesmos objectos, com a mesma ternura, apenas deslocada no espaço e no tempo, em função dos três corpos (que eram uma mulher, um homem e um terceiro corpo que era tudo o que eles eram e mais - estou certo de que estão recordados). estas duas casas, ambas interiores, eram o espaço de variação, a latitude e a longitude suficientes para que as camas fossem afinal a mesma cama; a casa afinal a mesma casa; o país afinal o mesmo país. era, como dizer, física e química em estado puro - uma obra de arte total, um pedaço de humanidade total, um projecto total. plural no singular, singular nesse plural-ele-mesmo-singular. era, como dizer, um sonho total. e eram as estações do ano, os risos das crianças dos amigos que os visitavam enchendo esse sonho. era a coragem, um monumento íntimo à coragem de se abdicar do passado para se apostar na elevação, na ascensão pela redução ao essencial - menos como mais, finalmente vivido. era, como dizer, um mundo feito de portas e janelas, um mundo que não mais se preocupava com a felicidade, quando podia escolher a alegria. um mundo-país-casa-cama-bruma-sonho, naquela curva que há muito procuramos em que as palavras deixam de ser o mais importante.

e onde as palavras que até vós levam este mundo nascido de uma gota de água que me abraçou esta manhã são uma tosca, inábil, imperfeita, impotente forma de dizer o indizível: um país por dizer, este país que trago dentro de mim; estas casas que me correm nas veias; estas camas em que respiro; estes corpos em que me projecto. um mergulho a pique no 'coração do sonho' de que falava o al berto, por entre auto-estradas que rasgam o peito, despojos avulsos da ternura em que me afundo e partículas da poesia de que me inundo.

chegar ao único sítio que importa.
o resto é a espuma dos dias.

19 abril 2007

untitled & uncommented

true love will find you in the end
you'll find out just who was your friend
don’t be sad, I know you will,
but don’t give up until
true love finds you in the end.

this is a promise with a catch
only if you're looking will it find you
‘cause true love is searching too
but how can it recognize you
unless you step out into the light?
but don’t give up until
true love finds you in the end.


daniel johnston

ferro 6

do guarda-fatos retira, todas as semanas, o impecável cachecol verde e branco. passado a ferro e perfumado - dressed; undressed; unaddressed. a sua equipa entra em campo, mas os jogadores não sabem o que é 'pressing alto', 'marcação à zona' e afins figuras de estilo. os seus homens, de impecável brilhantina e equipamento impoluto, são os últimos idealistas. no tempo do show business e dos resultados, têm uma ética desportiva que os impede de magoar, de abusar do tackle, de simular. jogam como aprenderam. mas não aprenderam a ganhar - e queixam-se do público, do árbitro, do jogo. de tudo e de todos, menos da sua teimosia galante. são dignos, mas patéticos.

18 abril 2007

a gift

here's to (my) absent friends!


the divine comedy, 'absent friends'
(britishness at its best)

ferro 5

como quem entra em todos os casinos e se senta na mesa-raínha - e só nessa -, ignorando as regras. tentar ganhar sem saber como, por mera intuição. ou então por amor - uma forma de amor não articulável.

17 abril 2007

all time favorites #2


caetano veloso, 'qualquer coisa'

short story (a ghost story)

nunca como nos últimos tempos, tinha tido tanta dificuldade em ter uma ideia. um esboço de uma ideia. um início de uma ideia. para quem vive das ideias - ou da transformação das ideias numa coisa a que chamam script no seu jargão profissional -, as coisas não estavam a correr bem. definitivamente.

tinha tentado de tudo. escrever de madrugada, escrever durante o dia, escrever ao desvanecer do dia. escrever à mão, escrever no computador, ditar para o pequeno gravador de voz que recuperou do fundo de uma das suas muitas gavetas. tentou escrever enquanto via televisão, tentou escrever enquanto escutava as sonatas de bach, tentou escrever enquanto lia poesia em doses industriais. tentou escrever deitado no sofá, sentado na cama. em casa, na praia, no alpendre. mas nada parecia funcionar. não acreditava no famoso e tão glosado 'bloqueio do escritor'. talvez porque não se visse a si próprio como escritor, tão-só um assalariado das letras, uma espécie de mercenário bem pago, como são todos os mercenários, sempre impecavelmente vestido nos seus cinzentos-preto - que mudavam para pretos-cinzento, quando queria estar mesmo 'au point'.

andava nesta tentativa de colocar a criatividade ao serviço da criatividade, desconhecendo porventura o sentido matemático da dupla negação, fazia semanas. a par deste seu esforço, procurava não esquecer o bê-à-bá do bom guionista.. ter sempre à mão papel e lápis. ou qualquer outra coisa que sirva para registar um pensamento, uma pista, uma especulação racional ou uma centelha emocional, normalmente as fontes de onde jorra o caprichoso fio da escrita de ficção.

nessa noite, como de costume, pousou o caderninho de apontamentos e o lápis de ocasião na mesinha de cabeceira. puxou do livrinho mais à mão - uma tentativa de tradução recente para a sua língua de um dos obscuros poetas portugueses que aprendera recentemente a apreciar - e, em menos de um fósforo, adormeceu.

não se lembrava muito bem, horas depois, enquanto acordava, de todos os sonhos que tivera. enquanto rapaz, passava dias acordado a sonhar (isto é, desperto da 'vida sem graça'); agora, já mais velho, dava por si a sonhar noites a fio. sorrira mais do que uma vez com esta espécie de troca (- a idade é tramada..). trocara-lhe, no fundo, os seus sonhos solares (sonhos de futuro) por sonhos nocturnos (sonhos já só especulativos). e tinha uma certa piada pensar que era esta mesma pessoa, este mesmo homem, que passava os dias a tentar criar sonhos para os outros. vidas cheias de pedigree, aventuras existenciais, amigos para sempre, mulheres fatais, efeitos especiais que adornavam existências de outra forma pouco mais do que banais. e nada há de pior do que a banalidade. era assim - e por isso - que se tinha tornado o mestre das personagens impossíveis; só ele, o alquimista do alfabeto, detinha o segredo dos diálogos que varrem uma plateia, das metáforas linguísticas que entontecem de emoção o chefe-de-família cinquentão por entre as frestas do jornal, espreitando a televisão. só ele possuía o dom de encantar, criando artifícios poderosos, argumentos imbatíveis, vidas literalmente de sonho (para melhor servirem os seus metafóricos propósitos).

não se lembrava particularmente bem dos sonhos dessa noite. lembrava-se, contudo, de que, algures durante o estado de vigília, se ter quase levantado e, mesmo sem ver, rabiscado qualquer coisa no caderninho. enquanto tomava progressiva consciência deste facto (?), as suas mãos procuraram ávidamente o papel, na esperança de que, finalmente, as palavras rabiscadas fossem, enfim, a tão procurada inspiração.

não sem uma ponta de emoção - que sempre o acompanhava quando escrevia algo que lhe parecia mesmo bom; ou tão-só quando lhe ocorria uma pista mental para uma ideia que o tempo viria a demonstrar estar à altura dele próprio e da lenda viva em que se havia tornado no meio em que vivia -, dirigiu os seus olhos para as marcas impressas dessa madrugada. e, sem esperar, de um frémito, leu o que antevia ser, sem dúvida, a sua próxima grande ideia. o velho instinto tardara, mas, como um fiel amigo, não falhava:

boy meets girl
boy loses girl
boy gets girl back


(ele há coisas que fazem espécie).

so they say

- now what? what are you going to do?
- eeh, i suppose i am gonna tell her i love her..
- no! what you feel only matters to you. the world is full of fools that keep saying they love someone. it's actually what you do to the people you love. that's what matters. that's the only thing that counts.

citando de memória um diálogo em 'the last kiss', de tony goldwyn, 2006

ferro 4

nunca pôs os pés numa montanha-russa, quanto mais num comboio-fantasma. a ironia da vida é que esta o mergulha num 'rollercoaster', num comboio de fantasmas. até perceber que o fantasma é ele. nas paredes fugidias espelhos devolvem-lhe, uma vez mais, a cortesia. um gentleman na derrota, um aristocrata ridículo e falido que todos fingem respeitar, em memória de alguém que já não se lembra que nele próprio existiu.

16 abril 2007

pétalas negras ardem nos teus olhos

eu tinha meus pés naquela parte da vida
onde não se pode ir com intenção de regressar


dante allighieri, in 'vita nuova'


ocupei o dia com pequenas tarefas
para silenciar um pedido uma súplica
(..)
esperando que um vento frio
dispa de folhas todos os ramos

um dia hei-de pensar no teu rosto
com um dedo que feche pálpebras
e direi
extinguiu-se a minha adoração
e nunca mais procurarei
os vestígios dos teus passos no mundo

percebo demasiado tarde
que a vida é apenas isto
um lugar de abandono
com ciprestes na beira da estrada

nunca foi diferente, por meu, tenho apenas
o vento de outono, as tílias destruídas
e a dolorosa certeza de em tudo ter falhado

quando te afastas
uma fina poeira de gelo
cobre os ramos de todas as árvores
e delicadamente
atravessas os destroços
em que deixas tudo o que amaste

não te demores no meu rosto
habita-o uma despedida
um mundo de onde Deus se ausentou

não sei dizer de onde chegam as tuas mãos
mas essa luz não pertence a este mundo
só dedos assim tão finos
poderiam penetrar a espessura da noite
trazendo ainda frescas umas gotas da manhã

sentir o cair das folhas
como uma advertência íntima
o primeiro passo para um encontro
um regresso ao coração

a primavera prossegue
com outras palavras
o discurso ruinoso do inverno

estávamos juntos
mas o meu coração afastava-se em silêncio
como se esperasse a chegada da neve ou de Deus

fizeste da tua vida
uma catedral abandonada
horas esquecidas
em adoração nocturna
pedindo silêncio
a tudo o que perdeste

(..)
o mundo inteiro irreconhecível
o amor a arder por entre as rosas

a chuva no teu rosto é um milagre de cristais
não conheço um relâmpago que não nasça nos teus olhos

a minha vida
caindo
como neve na escuridão

(..)
caminhamos para o silêncio
e para a escuridão indefinível dos bosques


luis falcão, in 'pétalas negras ardem nos teus olhos'
editora assírio & alvim, 2007

o meu beck


beck, 'it's all in your mind'


beck, 'lost cause'

your sorry eyes cut through the bone
make it hard to leave you alone
leave you here wearing your wounds
waving your guns at somebody new

baby you're a lost, baby you're a lost
baby you're a lost cause


there's too many people you used to know
they see you coming, they see you go
they know your secrets, and you know theirs
this town is crazy, nobody cares

baby you're a lost, baby you're a lost
baby you're a lost cause


i'm tired of fighting, i'm tired of fighting
fighting for a lost cause
there's a place you are going
you ain't never been before
no one laughing at your back now
no on's standing at your door
that's what you thought love was for

baby you're a lost, baby you're a lost
baby you're a lost cause


i'm tired of fighting, i'm tired of fighting
fighting for a lost cause

do amor kamikaze

este fim-de-semana fui ao cinema. apetecia-me muito ir ver um filme recém-estreado, chamado 'climas', vindo da, cinematograficamente quase desconhecida, turquia.

que se passa neste filme? acompanhamos uma história muito simples - uma narrativa exterior em progressão linear, diríamos - que nos mostra, do exterior, a evolução dessa outra história ('o plano interior'): a relação amorosa entre um homem e uma mulher.

não é injustificado, como faz parte da crítica, associar este cinema a nomes sagrados como antonioni (o exterior que simboliza o interior das personagens) ou bergman (na dureza-justeza da máquina cinematográfica, seca e sem contemplações por aquele homem e aquela mulher).

a narrativa mostra-nos 3 estações de uma relação - que nos remetem para 5, uma vez que entramos de rompante numa cena que 'vem de trás' (há um passado) e saímos para um futuro. é, pois, um cinema de passagem o que nos é dado ver. como, se por momentos, quais deuses ou demiurgos, pudéssemos dar corpo a à expressão 'gostava de ver como as coisas acontecem'.

os 3 'actos' mostrados no filme revelam-nos:

a) umas férias de verão, algures no litoral turco, subitamente interrompidas pela 'consciência da perda' (algo que não funciona, os diálogos que não fluem, os silêncios que ganham expressividade);

b) o outono chuvoso em istambul. agora sózinho, o protagonista deambula pela sua (nova) vida. acompanhamos as suas rotinas - episódica amizade com um um colega-professor na mesma faculdade onde dá aulas de arquitectura; a preparação das aulas; a visita às livrarias da cidade e esse sintomático retomar de uma (antiga, percebemos) relação carnal com uma outra mulher (vinda do passado, portanto); é tempo de chuva, que cai sem parar e de céus cinzentos;

c) o terceiro andamento passa-se numa cidadezinha do interior, sob um manto de neve e um frio que enregela os ossos (e a alma). neste retiro emocional, talvez numa expectativa de que o frio congele o coração, para melhor o preservar das agruras, a ex-namorada do nosso homem vai trabalhando, há longos meses, na rodagem de uma série de televisão. o protagonista, no que parece ser um impulso, vai ao seu encontro, de forma desajeitada mas que nos parece urgente, em busca de uma reconciliação, um recomeço ('sou um homem novo', 'mudei muito nestes últimos tempos' - diz-lhe ele).

assim descrito, nada vemos de especial. quantas vezes foi filmada esta história ? quantas vezes nos foi mostrada este linha narrativa ? e no entanto..

e no entanto é um filme que nos mostra uma coisa como se a víssemos pela primeira vez. há uma secura em todo o filme, uma quase ode à banalidade insuportável - para nós que a vemos em progressão - com que se decompôe uma coisa que raia simplesmente o milagre: o amor entre um homem e uma mulher, o 'plot' simples e mais complexo de toda a história do cinema (como da arte):

alguns elementos superlativos do filme:

a) os rostos. aqui estamos no domínio de bergman em estado puro. diálogos banais (realistas, logo) são acompanhados por uma expressividade em estado de graça. a protagonista mostra-nos os seus estados de alma (ou de coração) através de transições faciais que, mais do que virtuosas, nos comovem. da alegria simples ao desalento mais profundo, em grandes planos que nos interpelam. lágrimas que caem porque só as lágrimas podem falar, quando o resto se cala;

b) as ruínas. o protagonista aproveita a vida para ir fotografando elementos para as suas aulas e para a sua nunca acabada tese. que fotografa ele ? ruínas (logo a abrir), um templo antigo (a fechar). enquanto fotografa ruínas que outros homens deixaram (e outro tempo), faz da sua vida uma outra espécie de ruína. para que outros homens - nós, espectadores? - a possamos ver. é uma espécie de jogo de espelhos, e nós somos, então, uma espécie de espectadores futuros daquela ruína, enquanto vivemos e, porventura, construímos as ruínas que outros hão-de, por sua vez, observar;

c) o absurdo. quase no final do segmento inicial, já em silêncio, e depois das 'palavras que matam' terem sido pronunciadas, os dois voltam da praia ao hotel à beira-mar, numa lambreta. no meio do silêncio e dos ziguezagues, ela poê-lhe as suas mãos a tapar os olhos dele, precipitando-os numa queda. o sentido de que amor e morte são irmãos-siameses ocorre-nos, tal como nos ocorre que a morte do amor só pode ser interrompida pela morte (metafórica) dos amantes. o absurdo ainda, numa cena fantástica passada já no segmento final: ela procura-o, de madrugada, num hotelzeco onde ele está hospedado. sem grandes palavras, deita-se na sua cama. passamos para o que percebemos ser já manhã, ele sentado numa mesinha de ocasião, olhando o céu glauco lá fora. ela acorda, levanta-se. trocam palavras de circunstância (como se fosse possível haver palavras de circunstância, naquela circunstância..). ela conta um sonho, em que voava, em que pairava sobre um cemitério, de onde a mãe lhe acenava ('afinal está viva' - o amor?). vê-se, e ela diz-lhe explicitamente, que o sonho a fez sorrir. ele escuta-a e responde simplesmente: 'a que horas tens que começar a trabalhar? é melhor irmos andando. vou pagar-te um belo pequeno-almoço e depois vou para o aeroporto. que te parece?'). o rosto dela passa de uma alegria quase infantil para as trevas mais negras. parece-nos que vêmos uma lágrima. ela diz 'está bem' (e queria dizer: 'vai-te embora, mantém os teus planos sem mim, aceita o que te disse ontem (passado), quando recusei a tua re-aproximação e ignora os sonhos e o meu-teu sonho (presente) - isso, sê literal..'). sabemos que há um fosso de gelo entre o dito e o não-dito; há uma pulsão de morte que faz o seu caminho, como se existisse nela e nele uma formidável e imparável máquina de guerra.

não vamos falar muito da elegância visual do filme. da justeza de todos os seus planos. no facto de pressentirmos que há aqui quem queira dizer, quem saiba o que dizer e como o dizer exactamente. chama-se a isto cinema a sério, dizem-nos.

vamos só lembrar esse plano final - assombroso plano final - e citar de memória as palavras do crítico do jornal 'público' que, rendido como nós, escreveu: 'um avião cruza o céu cortando a neve. lá em cima, ele; cá em baixo, olhando para cima, ela. cai a neve, que se mistura no rosto dela com as lágrimas que restam. um homem e uma mulher apagam-se - dissolvem-se - e fica só a neve'.

ou do amor-kamikaze.

ferro 3

o toque de midas, mas ao contrário. o toque de sadim, escreveu um dia. o seu toque. por cima da mesa, o disco passa de 'cansei de ser sexy' a 'cansei de ser seca'. nada a fazer, até aos objectos irredutíveis o seu toque chega.

13 abril 2007

bom fim-de-semana

levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?

..
sê tu a palavra,
branca rosa brava.
..
poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.
..
morre
de ter ousado
na água amar o fogo.
..
que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?


eugénio de andrade

untitled #15

ferro 2

iwo jima é coisa lá de casa. tal como o comandante nipónico, ele também sabe que a batalha está perdida. sabe que não precisa de começar. sabe que o seu rígido código samurai lhe impõe um peculiar sentido de dever. não é uma questão de perder ou não perder - apenas pode (e pouco) influenciar o 'como' perder e o 'quando' perder - que são, no fundo, duas faces da mesma moeda. viver com a ampulheta dentro de nós, de certa maneira.

4

parabéns, ri.ma!!
parafraseando alguém com alma, diria que 'four is a magic number, yes it is, is the magic number!'.
um abraço especial.

untitled #14


shout out louds, 'the comeback'

12 abril 2007

capra e o seu heroísmo do homem comum, kusturica e alegria que interrompe o cinzento, os fantasmas de lynch, os medos de cronenberg, a angústia elegante em hitchcock, a serenidade de ford, os planos rasos em ozu, a soberba triste e genialmente humorada de césar monteiro, a ternura amorosa e a permanente hesitação das personagens de rohmer, gosto dos olhos de james stewart que me emocionam por dentro, gosto do pathos e da gravitas de bergman, gosto dos olhos tristes de henry fonda, gosto do charme de cary grant, gosto do daniel auteill, gosto do bill murray, gosto de filmes delicados, gosto do hal hartley e do seu henry fool (como um dia me chamaram), gosto do romantismo inebriante de wong kar way, gosto da plasticidade impossível de zhang yimou, gosto de truffaut e das suas personagens de carne e osso, gosto das novas vagas e das velhas, de cinema novo e de clássicos, de obscuros e luminosos (todos por igual), gosto de breaking the waves - o único trier que me tocou -, gosto de film noir e dos seus anti-heróis e mulheres fatais, gosto de animação-japonesa-a-sério, gosto de edward norton, gosto de algum spike lee, gosto da verve frágil - da fraqueza se faz força - de woody allen, gosto de cinema complexo e de cinema simples, gosto da força das ideias, gosto do deslumbre estético e gosto do deslumbramento ético, gosto dos melodramas clássicos - douglas sirk e companhia -, gosto das cinematecas e das memórias de outrora, gosto de westerns morais, gosto de filmes independentes feitos de carolice e muita vontade de dizer (chama-se urgência, uma palavra que, a par de intensidade, me poderia definir), gosto de actores que o tempo esqueceu e de actrizes que o tempo desprezou, gosto de has been, de loosers, de personagens que nos pegam pelos colarinhos interiores, gosto de histórias de redenção - porque é o milagre possível -, gosto do buñuel mexicano e do seu calor e fealdade viscerais, gosto dos garbosos e ultra-românticos italianos (visconti), gosto da miséria sem freio de 'feios, porcos e maus' (etore scolla), gosto de filmes feitos com 500 dólares, gosto de cinema-poesia, gosto de cineastas humanistas que nos mostram um mundo que doutra forma não existiria para nós, gosto de cinema oriental moderno, gosto dos primeiros kurosawas, gosto do tempo em que via 25 filmes no verão, gosto de tom cruise em certas alturas (oh, suprema vergonha), gosto da beleza não óbvia da jeanne moreau, gosto do joão benárd da costa e da sua-nossa cinemateca, gosto de filmes à meia-noite no quarteto,
gosto de mil e uma coisas.
e gosto outro tanto de outras tantas que não conheço.

ferro 1

o general em seu labirinto. olhando o horizonte - branco, imaculado, futuro -, mas preso na jaula que a si próprio impôs. jaula invisível para os outros, jaula fulminante para si.

eu já suspeitava..

http://cicio.blogspot.com/2007/04/poesia-abismal.html

:: poesia abismal ::

'A poesia começa com a nossa percepção, não de uma queda, mas de que estamos em queda. O poeta é o nosso eleito, e a consciência da sua eleição vem como uma maldição; de novo, «I am a fallen man» mas «I am Man, anda I am falling» - ou antes, «Eu era Deus, eu era Homem (porque para um poeta são o mesmo), e eu estou em queda de mim mesmo». Quando esta consciência de si se eleva a um extremo absoluto, então o poeta toca no chão do inferno ou, antes, chega ao fundo do abismo e, através do seu impacto, cria aí o inferno. Diz: «Parece que deixei de cair; agora sou caído e, portanto, estou aqui no Inferno»'.

Harold Bloom

(com a devida vénia para a salomé, autora deste lúcido sussurro)

untitled #13

acordar e hesitar.
hesitar entre sonho e sonhos.
hesitar no sonho.
análise da análise da análise.
parálise.
acordar, repetir.
acender a luz fria da manhã.
puxar do poema, como quem fuma o primeiro café;
puxar da palavra, como quem bebe o primeiro cigarro.
ler a génese do amor.
apreender
aprender
reaprender
a perder.
fechar o livro e sair dia dentro.
mas não de dentro.
bola ao centro.

10 abril 2007

untitled #12

falo de coisas assim,
coisas do coração.

que me suspendem no sim
e que me suspendem no não.

a banda sonora da minha páscoa, em repeat


suede, 'new generation'

i wake up every day to see her back again
screaming my name through the astral plane
and in this catalogue town she takes me down
down through the platinum spires
down through the telephone wires
and we shake it around in the underground
and like a new generation rise

and like all the boys in all the cities
i take the poison, take the pity
but she and i, we soon discovered
we'd take the pills to find each other

oh but when she is calling here in my head
can you hear her calling
and what she has said?
oh but when she is calling here in my head
it's like a new generation calling
can you hear it call?
and I'm losing myself, losing myself to you

i wake up every day, to find her back again
breeding disease on her hands and knees
while the styles turn and the books still burn
yes it's there in the platinum spires
it's there in the telephone wires
and we spread it around to a techno sound
but like a new generation rise

cos like all the boys in all the cities
i take the poison, take the pity
but she and I we soon discover
we take the pills to find each other

oh but when she is calling here in my head
can you hear her calling?
and what she has said?
oh but when she is calling here in my head
it's like a new generation calling

can you hear her call?

and I'm losing myself, losing myself to you

old school classics #3


lloyd cole & the commotions, 'forest fire'

lloyd cole, 'no blue skies'

old school classics #2


morrissey, 'everyday is like sunday'

new school classics #2 1/2


micah p hinson and the gospel of progress, 'beneath the rose'

07 abril 2007

new school classics #2


micah p hinson and the gospel of progress

(o disco mais poderoso, mais tocante, mais frágil, mais intenso, mais desesperado, mais sombrio, mais arrebatador, mais humano.. que escutei em 2006)

(o filmezinho que ilustra a canção é, para mim, lindíssimo. talvez não tenha valores estéticos superlativos, talvez seja quase naif, talvez seja impróprio para ser colocado 'em linha'.. mas é 'só coração'. que é o que (me) importa, ainda que não consiga perceber plenamente o que isto quer dizer).

(lágrimas e luz)

mindless spot of the eternal sunshine


just because.

05 abril 2007

um céu e nada mais (páscoa feliz)

um céu e nada mais - que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
e o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
ímplodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais - que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. um céu e nada mais.


ana luísa amaral
in 'às vezes o paraíso'

new school classics #1

(suspiro)


perry blake, 'little boys & little girls'


perry blake, 'ordinary day'

(suspiro)

in a theatre/cabaret near you (maxime, lx, 23h)

não vou, mas recomendo vivamente a quem possa e queira descobrir um dos príncipes negros da 'weird america'.
ladies & gentlemen, mr. will oldham (aka bonnie 'prince' billy):

04 abril 2007

all time favorites #1 (lady day)


billie holiday, 'lover man'

old school classics #1


mazzy star, 'fade into you'

my head revisited

the dream:
last night i have been dreaming of an earthquake. i was in the center of it. eventually, i survived, with a help of someone and also to some extent i survived by myself. in the end i was only carrying my own clothes and a few basic tools. i noticed particularly the feelings such as fear, lack of control, suprise; the dust covering everything; the structure never seen before of the house i actually live in. i remember almost everything of this dream.

words like night:
Darkness. Mystery. Unconscious contents. There is a mystery that you want to penetrate.
words like dreaming:
Creating stage. Walking to inner reality. Impossible desires. Emotional sorrow.
words like earthquake:
Soul shaking. Deep levels of change. Difficulties must be overcome.
words like tools:
Work. Occupation. Concern about productivity in your life.
words like fear:
Unexpressed love. Self-doubts. Courage.
words like dust:
Aridity. Potential for growth. Attempting to hide wrongdoing.
words like house:
Financial security. Happiness within the family. Honor and dignity. Being.

the band of holy joy (eram os 80's)


(dedicado aos 'últimos românticos' - um dia triunfarão!)

03 abril 2007

untitled #11

(..)
plus rien n’éclaire l’abîme
rassemble tes cheveux flous
apôtre de courtoisie
frêle gosier, chante-nous
avant puis arrière
oh voilà le chemin
ô dieu des poussières
voilà donc le destin
mais le désert avance..

jean louis murat, 'le désert avance'
disco 'moscou / mockba'

untitled #10



da física dos materiais

tenho andado nos últimos meses num processo de reconstrução. normalmente, uma intervenção deste género não se faz sobre o que existe já; requer um desmantelamento, mais ou menos intenso, das estruturas de origem. digamos que é preciso dar consistência e harmonia e que isso só se consegue se olharmos para o objecto da intervenção com 'olhos de primeira vez'.

esta noite tive um sonho.

mas não um sonho qualquer. sonhei que estava no centro de um terramoto - físico, material. lembro-me bem dos detalhes e das sensações que se cruzam - dificilmente transportáveis para palavras -: vertigem, impotência, medo, angústia, num cocktail verdadeiramente radical.

o interessante do sonho é o seu poder metafórico e o seu sentido de oportunidade. por entre escombros e desolação - conheço agora as entranhas do meu prédio de uma perspectiva, como dizer, nunca antes racionalizada -, consegui escapar.

como não tenho feitio de herói e não vi nenhuma equipa de filmagens por ali, parece-me que escapei porque calhou ou porque tinha de ser. razões nos antípodas uma da outra, mas que, no fundo, conduziriam a um mesmo desfecho.

lembro-me, mas lembro-me mesmo, de pensar por onde andava tanta terra na cidade anterior; lembro-me, mas lembro-me mesmo, que não estava sózinho e que houve uma pessoa que me ajudou; lembro-me, mas lembro-me mesmo, que tudo o que tinha agora - nesse depois que se transformou num incontornável agora - era a roupa do corpo, uns quantos instrumentos básicos (sendo um uma lanterna) e.. um sentido de sobrevivência, uma absoluta focalização no presente-futuro (o passado sumira-se, por entre os edifícios descendentes).

foi só um sonho. e eu o sonhador. ou a coisa sonhada.

ou, se calhar, ambos.

02 abril 2007

untitled #9

'é por tudo ter de acabar que tudo é tão belo' ? (charles ramuz)
ou é por tudo ser tão belo que tudo tem que acabar ?

vislumbres do reino animal

je ne cesse de penser que je ne pense plus à toi
sacha guitry

olha-se para aquele corpo e não parece
que esteja preso por arames. o corpo
fará análises e exames. valores normais, nada
de especial, não há razão para alarme. mas, se
se olhar bem, ver-se-ão os arames
que o prendem. a quê ? prendem-no
ao amor, porra, ao amor, é preciso gritar ?

uma palavra que te dou, mais
inquieto, uns olhos fechados
que te entrego, tão sincero.
fontes de luz, rajadas de alegria ?
no fim nada de nada, coisa
pouca. que não cabe na mão
e sobretudo não cabe no coração.

trovoa na minha cabeça, mas o médico
diz que não é nada. ecoam vibrações
nos meus pulsos, linhas trocadas no pescoço.
só pode ser por tua causa, ser desconhecido,
que me invades carro, casa e coração.
comboio, táxi, local de trabalho.
quarto, sala, cozinha, televisão.

quando deixaste de fumar os cigarros
manuais, numa decisão de um dia
para o outro, foi bom, acalmaste
o coração, já não bate da mesma maneira
que batia. é claro que eu preferia
o teu outro coração, mas tu é que sabes.

[isto do dizer não é abrigo.]

pequeno 'patchwork', tecido com fios delicadamente retirados de
'segredos do reino animal', de helder moura pereira
editora assírio & alvim, 2007