29 dezembro 2006

shadows of past & future ghosts

desistir: abdicar de; deixar para trás; baixar os braços (fig.).

desistir é um acto terrível, desesperado, anti-natural?
- pois sim..
resolvi desistir,
desistir de insistir,
resistir a insistir.
assim mesmo, com 2+7 letras: e-u- -d-e-s-i-s-t-o.
2006 desistiu de mim?
- pois bem..
desisto eu já de 2007! arruma-se o novo ano em menos de um fósforo e manda-se para o arquivo-morto enquanto o diabo esfrega um olho!
'desta é que é' ?
'agora é que vai ser' ?
- pois claro..
nunca foi 'dessa', nunca será 'desta'.

o resto:
fireworks para encher olho e matar tempo.
pirotecnia de feira,
magia barata,
uns truques de efeito fácil
- sub-rendimento-de-sobra.

ai que saudades, ai, ai.
de quando tudo era possível.
de quando tudo parecia simples.
daquele tempo em que o azul era azul.
não era azul-azul.
não era simples.
não era tudo possível.
mas não tinha saudades.

uma maneira diferente de dizer 'Feliz 2007!'

'every red heart shines toward the red sun'

é o título de um disco de uma banda chamada 'red sparowes' (que, confesso, não conheço).
e é também a minha forma de dizer que 'o que tem que ser tem muita força'.
viva o futuro!
viva 2007!

um abraço amigo para todos.

p.s. em vez de 'red', 'blue' também funciona ;-).

fala com ela: fala ele, outra vez

este sábado, 12h00 (repete domingo, 19h00), em jeito de 'best of' do ano, inês meneses 'fala outra vez' com j.p. simões.
quem não ouviu da primeira vez, tem nova oportunidade.
se me permitem: olhem que é coisa para valer a pena.

joãomafaldacarolinamariafranciscosaraandré

ontem, jantar(es) de natal com o núcleo de ex-colegas (hoje amigos) que marcaram a primeira metade da minha vida profissional.
à volta da(s) mesa(s), a alegria efusiva e contagiante da pequenada.
gostei do que vi; ainda mais do que senti.
entre todos, estavam representadas experiências de vida (mais ou menos longas) em inglaterra, itália, holanda, dubai, brasil, cabo verde, etc. dou por mim a pensar que estas crianças farão do mundo um lugar mais bonito, habituadas que estão a conceitos como 'diversidade', 'diferença', 'tolerância', 'adaptação', 'relativismo', 'abertura', 'viagem'.
palpita-me que haverá por aí muitos caciques de pacotilha cujas mensagens não encontrarão eco nestas meninas e meninos; muitas ideologias estúpidas que não recolherão simpatia alguma; muitos votos que não serão desperdiçados em programas populistas, demagógicos, reaccionários, musculados, obtusos, delirantes, ensandecidos, instrumentalizados, embrutecidos, perigosos.

adormeci um bocadinho mais feliz.

27 dezembro 2006

balanço

o single perfeito, o tom exacto, a expressão fiel, as palavras certas.
o nome da canção e o nome da banda: tudo é justo.
a banda sonora tailor-made.

'another one goes by'
by
the walkmen

transforme-se 'os men' num só homenzinho portátil
e, voilá,

'another one goes by'
by
the walkman

a trilha sonora mais que perfeita para este meu 2006.

is your skin your skeletons
splinters my daydreams
under surface see is it any seed
shadows fly across the wall
i walk outside and try to see you right in front of me
silhouette of something sweet and so bright
don't know what to offer you
i'm only broke and lonely
and another one goes, and another goes by
sometimes when i step outside i see you standing right in front of me
and another one goes, and another one goes by
don't know what to offer you
i'm only broke and lonely
and another one goes, and another one goes by
sometimes when i walk outside i see it right in front of me and so
bright
and another one goes
and another one goes
and another one goes
by

em 2006 eu aprendi (vol.I)

que as metáforas são um perigo. podemos viver de metáforas em sentido literal, mas sem alegria literal. ou melhor, podemos ser felizes metafóricamente - o que é uma forma literal de se ser 'a-feliz'.

que a 'salvação' raramente nos bate à porta, por interposta pessoa. a via-sacra é nossa e o caminho só nós o podemos percorrer. os amigos são os pontos de apoio, as boxes, as áreas de serviço do nosso contentamento.. mas o piloto somos nós, haja ou não co-piloto, roadmap ou gps (normalmente não há).

que a grandeza se vê muito mais nas coisas pequenas do que através de gestas heróicas e actos de bravura.

que o amor (em sentido estrito) continuará a ser o segundo maior mistério. e que o primeiro é o AMOR (em sentido amplo).

que quem cita outrém frequentemente, está a precisar de saltar para o palco mais vezes. não obstante serem bons conversadores e sujeitos com perspectiva, urge saberem que há mais vida para além da citação grandiloquente. - estou-me a citar.

que o vencedor nunca é óbvio. a bola é mesmo redonda, são mesmo onze de cada lado, o jogo termina mesmo só no fim. (e que para o ano há mais.)

que nem sempre estamos à altura da nossa biografia; e que nem sempre a nossa biografia está à nossa altura.

que continua a ser possível fazer diferença. e isso faz a diferença.

que o azul é a cor dos deuses e a poesia a sua voz.

que a música salva. salvo erro.

que as saudades são aquilo que não devemos desejar nem ao nosso mais fiel inimigo.

que os detalhes são, em regra, aquilo que nos permite perceber, antecipar, intuir. em geral, claro está.. não vou agora entrar em detalhes ;-).

6 livros de 2006 para os primeiros 6 meses de 2007:

(sem qualquer ordem relevante)

- ana teresa pereira, 'a neve', ficção, relógio d'água
- helga moreira, 'agora que falamos de morrer', poesia, & etc.
- j.d. salinger, 'carpinteiros, levantem alto o pau de fileira e seymour', contos, difel
- philip roth, 'animal moribundo', romance, dom quixote
- rui cardoso martins, 'e se eu gostasse muito de morrer', romance, dom quixote
- flannery o'connor, 'um bom homem é difícil de encontrar', contos, cavalo de ferro

boas descobertas; boas leituras. que a vida é também arriscar!
além do mais, esta casa tem livro de reclamações..

portugal por almada (sem comentários adicionais)

'o povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades.'

almada negreiros, in 'manifestos e conferências', assírio & alvim, 2006, página 32.

um homem inteiro.

jornal público:
'joão, o que te falta?'
j.p. simões:
'falta-me o que sempre me faltou - alegria.'

este curto diálogo, quase à queima-roupa, serve de mote à notícia sobre os primeiros concertos de apresentação do novo disco a solo de j.p.simões (ex-belle chase hotel; ex-quinteto tati; etc.). j.p. simões é um mestre da palavra certa e do sentimento certeiro. um homem lúcido e, como quase todos os homens lúcidos, um rapaz desencantado. um trovador moderno, alguém disse dele. a verve de rui reininho, sem o ácido sulfúrico e o surrealismo; a articulação de um antónio lobo antunes oral, sem aquele manto metafísico; o cinzel sempre pronto a esculpir em palavras a ideia exacta da forma exacta.

alegria. exactamente.

22 dezembro 2006

natal à beira-rio

é o braço do abeto a bater na vidraça?
e o ponteiro pequeno a caminho da meta!
cala-te, vento velho! é o Natal que passa,
a trazer-me da água a infância ressurrecta.
da casa onde nasci via-se perto o rio.
tão novos os meus pais, tão novos no passado!
e o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado...
ó noite de natal, que travo a maresia!
depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
e quanto mais na terra a terra me envolvia
e quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
vem tu, poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia...
serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de mar, ou de poesia?

david mourão-ferreira

21 dezembro 2006

uma questão de justiça

hoje, às 13h10, encerrou-se (mais) um capítulo da minha vida profissional.
obrigado, javier, muito obrigado.
foi um prazer ser o teu director de recursos humanos.
é um grande prazer ser teu amigo.

buena suerte, tio!

..lady day and john coltrane for X'mas.

ever feel kinda of down and out and don't know just what to do?
livin' all of days in darkness, let the sun shine through
ever fell that somehow, somewhere you lost your way?
and if you don't get help you won't make it through the day
you could call on lady day!
you could call on john coltrane!
they'll wash your troubles, your troubles away
plastic people with plastic minds on their way to plastic homes
there's no beginning, there ain't no ending
just on and on and on and on and...
it's all because we're so afraid to say that we're alone
until our hero rides in, rides in on his saxophone
you could call on lady day!
you could call on john coltrane!
they'll wash your troubles, your troubles away

gil scott-heron (born april, 1949) is an american poet and musician known primarily for his late 1960s and early 1970s work as a spoken word performer. he is associated with African american militant activism, and is best known for his poem and song 'the revolution will not be televised'.
in wikipedia

gil scott-heron é o pai fundador de grande parte da música urbana negra que surgiu nos estados unidos na transição de 70 para 80 - de modo simples: rap e hip-hop beberam aqui muitos princípios musicais e parte importante da sua arquitectura expressiva.

gil scott-heron escreveu a canção 'lady day and john coltrane' (cuja letra acima reproduzo) e que, mais do que um tributo a dois gigantes do século XX - a divina billie holiday e o imenso john coltrane -, é uma ode ao poder da música (e da palavra combinada com música) como bálsamo para todos nós.

como alguém disse, a matemática e a música são provas da existência de Deus.

se tiverem a sorte de encontrar esta canção, gravem-na numa k7, num cd, num mp3. saiam porta fora e caminhem cidade dentro (ou de carro, de janelas bem abertas e volume bem alto), escutando-a 'en repeat contínuo'.

entenderão, então, melhor aquilo que quero dizer.

esta é também a minha forma de desejar a todos os poucos que fazem a gentileza de ir passando as mãos por estas flores de inverno um

NATAL-MUITO-FELIZ-MUITO-NATAL

fragmentos

preâmbulo:
em cima da mesa da sala de estar descansa um disco de um senhor chamado jack ziah. o disco não é grande coisa; ouvi-o por causa de um empréstimo de ocasião (e eu ouço tudo o que me pareça pertencer aos géneros 'americana', 'new weird rock', 'alternativa country', 'folk pop' - não há nada a fazer..). o disco é, dizia, fraquito, há que reconhecer. mas no cd está escrito uma coisa que me tem ajudado a atravessar os dias: 'these times do you no justice'. a mim, talvez; mas seguramente a tanta gente boa que eu conheço.

prólogo:
a inteligência sem bondade é um espectáculo deprimente. com os anos, aprendemos que a bondade é uma virtude, ao passo que a inteligência apenas uma qualidade.

epílogo:
'a sabedoria aposta sempre na inteligência e no longo prazo'.
nunca imaginei que viria a citar um colunista oriundo, ideologicamente, de uma certa direita, neste vosso jardim de inverno. mas também nunca imaginei tantas outras coisas..
o que interessa é essa clarividente frase com que luis queiró encerra o seu artigo de ontem, no jornal 'público'.
a lucidez não tem ideologia - isto também aprendemos com os anos.

19 dezembro 2006

:sinto-me-assim: sinto-ma-sim: sinto-má-tico:

há coisas curiosas.
sempre olhei um pouco de lado para os 'strokes'. quando os vi ao vivo, em pleno verão passado (como diria tenessee williams), dei por mim a adorar aquela música, aquele som, aquela atitude (reciclada, repetida, mimetizada - tudo isso, eu sei, mas também muito mais). as palavras que me ocorrem são energia, intensidade, urgência, ímpeto, ferocidade, fragilidade, electricidade, projecção, entranhas (vísceras?), ânsia, atropelo, catarse, potência.
reparo que por estes dias é muito possível encontrarem-me a cantarolar uma cançãozita destes bons rapazes: 'hard to explain'. porquê? - pergunto a mim próprio. respondo-me à letra: não sei, é assim como se fosse.. 'hard to explain'..

i missed the last bus i'll take the next train i try, but you see it's hard to explain i said the right things but act the wrong way i like it right here but i cannot stay

(you don't see it that way but i DO see it that way)

18 dezembro 2006

vigília

paralelamente sigo dois caminhos
abstracto na visão de um céu profundo.
nem um nem outro me serve, nem aquele
destino que se insinua
com voz semelhante à minha. o melhor mundo
está por descobrir. não segue a lua
nem o perfil da proa. vai direito
ao vago, incerto, misterioso
bater das velas sinalado de oculto
quero-me mais dentro de mim, mais desumano
em comunhão suprema, surto e alado
nas aragens nocturnas que desdobram as vagas,
chamam dorsos de peixe à tona de água
e precipitam asas na esteira de luz.
da vida nada senão a melhoria
de um paraíso sonhado e procurado
com ternura, coragem e espírito sereno.
doçura luminosa de um olhar. ameno
brincar de almas verticais em pleno
sol de alvorada que descerra as pálpebras.

ruy cinatti

sobre a ocupação do mundo pelas rosas

creio nos anjos que andam pelo mundo,
creio na deusa com olhos de diamantes,
creio em amores lunares com piano ao fundo,
creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

creio num engenho que falta mais fecundo
de harmonizar as partes dissonantes,
creio que tudo é eterno num segundo,
creio num céu futuro que houve dantes,

creio nos deuses de um astral mais puro,
na flor humilde que se encosta ao muro,
creio na carne que enfeitiça o além,

creio no incrível, nas coisas assombrosas,
na ocupação do mundo pelas rosas,
creio que o amor tem asas de ouro. amém.

natália correia

15 dezembro 2006

since feeling is first..

(silêncio)

since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;

wholly to be a fool
while spring is in the world

my blood approves,
and kisses are a better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. don't cry
- the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says

we are for each other; then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph

and death i think is no parenthesis.


e.e. cummings

(silêncio)

14 dezembro 2006

4 andamentos escritos a vermelho:

i) 'um dos capítulos'

ainda te falta
dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. que há
na brancura
do papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. e
que esse
é apenas
um dos capítulos do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito.

ii) 'pequenas coisas'

falar do trigo e não dizer
o joio. percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

iii) 'paleta'

tens uma paleta
a que faltam
algumas cores. talvez
porque há substâncias
a que não soubeste
dar expressão. ou porque elas
são incolores. ou porque
em toda a realidade
há fendas
que nem pela palavra
nem pela cor
alguma vez
saberás preencher.

iv) 'cedo ou tarde'

devias saber
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. e devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.

albano martins, in 'escrito a vermelho'

13 dezembro 2006

hai-ku adolescente

chorus:
confusion in his eyes that says it all - he's lost control.

solo:
..in fear every day, every evening it calls here aloud from above carefully watched for a reason mistaking devotion and love surrendered to self-preservation from others who care for themselves a blindness that touches perfection appears just like anything else - isolation - mother i tried, please believe me i'm doing the best that i can, i'm ashamed of the things i've been put through; i'm ashamed of the person i am but if you could just see the beauty, these things i could never describe this is my one consolation this is my wonderful prize..

chorus:
he's got the spirit, lose the feeling, (let it out somehow).

[os devidos créditos: palavras retiradas, e ligeiramente manipuladas, de 3 canções dos joy division, respectivamente 'she's lost control', 'isolation', 'disorder']

12 disquitos que vale a pena escutar..

2006 fica arquivado na minha memória musical como um ano de canções, muito mais do que um ano de discos.
chegados à recta final, consultadas as listas já disponíveis de discos editados (e, nalguns casos, com as escolhas dos melhores já efectuadas), não consigo encontrar um único disco do qual possa dizer 'entrada directa para os 10 ou 20 discos da minha vida' (o que costuma acontecer, com maior ou menor generosidade).
não me recordo, de facto, de um ano assim, em que o impulso para comprar um qualquer disco tenha sido tão reduzido. valeram, portanto, as canções; a revisitação dos clássicos; a descoberta de uma ou outra coisa menos canónica; a procura das margens (que nem na radar têm lugar - apenas em 'sites' ou 'blogs' na internet podemos aceder a esse mundo feito de 'singer-songwritting' despojado, de electrónicas marginais, de 'one-man-show ou one-girl-band underground', de minimalismo pop, de exorcismos mais ou menos incatalogáveis).
ainda assim, há uma mão-cheia de registos que vale a pena escutar. na minha modesta opinião, não há por aqui uma única obra-prima; mas há várias canções que levantam vôo..
descubram-nas, caros amigos - eis o desafio.

joan as police woman - "real life"
the strokes - "first impressions of earth"
she wants revenge - "she wants revenge"
cat power - "the greatest"
yeah, yeah, yeahs - "show your bones"
junior boys - "so this is goodbye"
stuart a. staples - "leaving songs"
ed harcourt - "the beautiful lie"
the knife - "silent shout"
the walkmen - "a hundred miles off"
joseph arthur - "nuclear daydream"
grant lee phillips - "nineteeneighties"

11 dezembro 2006

serendipity

serendipity:
is the effect by which one accidentally discovers something fortunate, especially while looking for something else entirely (in wikipedia).

movie plot:
on a bustling shopping day in winter, jonathan meets sara when both try to buy the same pair of gloves. two strangers amid the masses in new york city, their paths collide in the mad holiday rush as they feel a mutual attraction. despite the fact that each is involved in another relationship, jonathan and sara spend the evening travelling manhattan. but when the night reaches its inevitable end, the two are forced into determining some kind of next step. when the smitten jonathan suggests an exchange of phone numbers, sara balks and proposes an idea that will allow fate to take control of their future. if they are meant to be together, she tells him, they will find their way back into one another's life.
the majority of the film takes place seven years later, and consists largely of repeated "almost coincidences" where the two romantic leads almost, but not quite, meet.

ontem, em final de dia, passava os olhos pela televisão que temos, quando reconheci o início de um filmezinho que vi há anos, no cinema são jorge - 'serendipity'. gosto muito do actor (john cusack), mas o que verdadeiramente me prende a este filme é o tema. digamos que é algo que me causa muita.. angústia (é a palavra certa, infelizmente, à falta de melhor - ou pior, no caso). e mais não digo.

uma breve nota: um filmezinho só competente termina com um plano mágico - 'northern sky', canção de nick drake.

northern sky

i never felt magic crazy as this
i never saw moons knew the meaning of the sea
i never held emotion in the palm of my hand
or felt sweet breezes in the top of a tree
but now you’re here
brighten my northern sky
i’ve been a long time that I’m waiting
been a long time that I’m blown
i’ve been a long time that I’ve wandered
through the people I have known
oh, if you would and you could
straighten my new mind’s eye
would you love me for my money
would you love me for my head
would you love me through the winter
would you love me ‘til I’m dead
oh, if you would and you could
come blow your horn on high
i never felt magic crazy as this
i never saw moons knew the meaning of the sea
i never held emotion in the palm of my hand
or felt sweet breezes in the top of a tree
but now you’re here
brighten my northern sky

dreaming & drinking (coração de sábado à noite)

os 'mammas and pappas' cantavam, há 40 anos atrás, um verso que ainda hoje nos embala os sonhos ('som polimórfico' à la 'beach boys', com recurso a 'wall of sound vocal' - estereofonia sem tecnologia, tudo dentro da nossa cabeça, num 'surround' impossível para a época): 'california dreaming'.
há 30 anos atrás, o preto e branco da nossa infância-televisão era clareado pelos sons coloridos de anúncios-ternos como o dos chocolates regina: 'fantasias de natal, chocolate de leite' ('não, não! - o coelhinho foi com o pai natal e o palhaço no comboio ao circo!!' - dizia a pequena menina do alto dos seus olhos claros).
há 20 anos, 'erámos' 1986 - e o mundo continuava a existir (o apocalipse nuclear, as profecias de nostradamus, etc., haviam ficado por parte incerta). muitos sonhos também.
há 10 anos, pelo menos, que em napa valley (estados unidos) se produz um muito razoável vinho de nova geração.
este fim-de-semana - portanto hoje -, expressões como 'camisas impecavelmente brancas sob finas gravatas impecavelmente negras' saíram à rua e transformaram-se em palavras simples. novos sinónimos tomaram o seu lugar nos dicionários, sem pedir licença a linguistas ou filólogos. 'mel', por exemplo, passou a querer dizer aquilo que queiramos que queira dizer. passou a ser uma palavra incandescente - como o ferro em brasa -, uma palavra moldável se o tempo for certo e o modo justo. (tudo substituível por um coração puro).

este fim-de-semana - portanto hoje - todos estes universos se cruzaram (o tempo fez um flik-flak à rectaguarda e sintetizou 4 décadas num jantar de sábado à noite).

o tempo não existe; tal como 'o fmi nunca aterrou na portela'.
o tempo é uma invenção nossa, para nos esquecermos do que fomos e nos ausentarmos do que podíamos (ainda) ser.
assim ou ao contrário.

07 dezembro 2006

espelho

ela escreveu:

há dias assim
em que a maior saudade que sinto
é a saudade de mim.
(jeanete ruaro)

ele respondeu:

há dias assim
em que sinto mais essa saudade
do que me sinto a mim.

fractais XI

'o difícil não é dar, é não dar tudo.'

sidonie gabrielle colette
frança, [1873-1954], autora/novelista

ora aqui está uma citação com a qual não posso estar mais de acordo. claro que, como muitas vezes nos acontece, 'a verdade' não é auto-evidente. por isso gosto de citações - memória da humanidade, à maneira de boris vian: interessa-me menos a memória do género humano do que a 'memória vivida' de cada indivíduo. e se tiver um twistzinho à mistura, como diriam os anglófonos, tanto melhor..

06 dezembro 2006

salsa & coentros

2 empadinhas de galinha
pão
1 água natural
1 cortes de cima, 075l, tinto 2002
1 alheira de fiolhais
1 perdiz de escabeche
1 pudim de ovos
1 pudim de laranja
2 cafés
= a:
ai, esta aritmética, ai, ai..
= a, dizia:
um belo almocito - essa é que é essa.

e quase se pode dizer que foi em trabalho - que a missão (avaliar o restaurante) exigia profissionalismo, rigor, dedicação, esforço e capacidade de decisão!

05 dezembro 2006

bússola: 'bloc party' em lisboa

dia 18 de Maio, no coliseu de lisboa.
uma notícia simpática, para encerrar a tarde.

post-punk revival ? indie rock ? art rock ?
ou talvez 'só bom' ?

http://www.blocparty.com

gostos não se discutem

e eu gosto,
imenso, muitíssimo, desmesuradamente,
da expressão:
'(a) labour of love'.

quando leio os lol ('laughing out loud') que pululam pelos sms & emails desta vida,
penso antes em 'labour of love'.

gostos, é como vos disse.

04 dezembro 2006

extractos de 'a neve' (ana teresa pereira, relógio d'água, 2006)

'estou deitada na erva, a humidade atravessa-me a roupa, os ramos das camélias desenham teias por cima de mim, e há cores, luz, vento, nuvens que passam entre as folhas (...). e há no meu corpo um abandono que apenas conhecem os que são amados. e quando a solidão se tornava insuportável, ele apareceu. na verdade fui eu que o procurei, sem saber o que fazia, no nevoeiro e na chuva, perto do mar. há muito tempo, quando o inverno começava.'

'não estava longe do mar. o seu corpo conhecia a proximidade do mar, tinha o sentido da neve. aos onze ou doze anos acreditava que era capaz de fazer nevar. (...) mas ao fim de duas ou três semanas deixava-se ficar no quarto, encostada à janela, a olhar a paisagem branca, e sentia no mais íntimo de si um desejo de primavera.'

'e havia qualquer coisa no silêncio. rose gostava do silêncio e de alguma música, de sons de animais, do som da água. estava perto do mar, e perguntou a si mesma se aquele caminho terminaria no mar, todos os caminhos acabam no mar, ou pelo menos o meu acaba, sempre o soube, como um barco ou uma gaivota.'

'era uma dessas ideias estranhas que tinha às vezes, a de que existia desde sempre (...) e que no fundo quer dizer que ela escrevia livros, e só pode escrever livros quem existe há muito tempo e ainda se lembra, pelo menos vagamente.'

'teve a impressão de ver uma cabana ao fundo, o telhado branco de neve; um pássaro cruzou o céu deixando-a quase assustada. desejou com muita força que o pássaro tivesse um ninho debaixo dos telhados, um lugar seguro e quente, como é que ele podia sobreviver com aquele frio, porque ficara quando os outros tinham partido. talvez porque é como eu, eu que vou embora quando os outros ficam, e depois me encontro gelada e com fome.'

'e depois a história formara-se naturalmente, como se devem formar as histórias, quando são feitas da matéria de que é feito o mundo e dão a impressão de já existirem há muito tempo, de serem parecidas com todas as histórias excepto no facto de serem parecidas com todas as histórias. ele deixara um leitor de cassetes na cozinha e ela ouvia paganini, violino e guitarra, aquela música alucinada tinha a ver com as suas histórias e com o seu abandono, quando fechava os cadernos cansada quase não sabia o que escrevera, era depois ao ler as páginas que as coisas se revelavam, as que pensara e as que de algum modo haviam passado através dela, e tinham sempre o gosto de um milagre.'

'(...) teve consciência do silêncio, o silêncio estava concentrado naquele lugar, era um lugar denso, onde não se sentia qualquer presença, só o vazio que talvez seja a presença de Deus.'

'era uma história de amor, era um conto de fadas, ela sempre achara que nada é tão bom como escrever um conto de fadas, ou, next best thing, uma história de fantasmas. o texto era feito da matéria do mundo, e daquilo que existe e fala no silêncio, o som do vento e da água, o vôo dos pássaros. e a ligação entre as coisas: o mar, as casas, os quadros da national gallery, a neve, e o desejo, e fazer amor.'

'e sonhava com noites de tempestade, com passagens entre as rochas que as plantas transformavam em túneis, e com uma casa em ruínas que tinha as paredes e os tectos cobertos de roseiras, que às vezes estavam em flor, rosas brancas. e havia uma torre de pedra com uma escada em espiral, lá em cima a vista era de tirar o fôlego, as rochas escarpadas e o mar muito azul, as gaivotas.'

'ele perguntou com um sorriso:
-tem personagens?
sim, mas não são mais importantes do que o resto, para mim as pessoas nunca foram o mais importante.'

'rose sentiu-se quase comovida, aquele corpo nu ou vestido com roupas de marca, aquela beleza toda, aquela solidão toda, devia doer ter uma beleza daquelas, e não saber o que fazer com ela, isso fazia pensar na morte.'

'o homem passou-lhe o braço pela cintura e puxou-a para si, perguntou-lhe se tinha alguma coisa contra o amor; rose disse que não e ele disse vamos para a cama.'

'queria tempestades e naufrágios, nos seus livros e na sua vida, e a crueldade dos piratas, que levavam as jóias a mulheres adormecidas em quartos sujos, e depois entravam nelas com a mesma violência quase inconsciente com que viviam; um mundo de piratas e princesas que podiam ser prostitutas em bares dos portos (dormir com homens diferentes todas as noites e amá-los da mesma forma, e depois sentar-me no quarto em silêncio, ao amanhecer, e tocar com os dedos trémulos as jóias, as pedras preciosas e as pérolas ainda sujas de sangue).'

'agora tinha a impressão de ver peixes nas águas escuras dos tanques. os tanques estavam cheios de vida (...). perguntava a si mesma onde teriam ficado durante o inverno, quando a água se encontrava coberta por uma fina camada de gelo. deviam ter estado tão fundo.'

'gostavam de passear no nevoeiro, nas noites de nevoeiro. vestiam as gabardines e ele punha-lhe ao pescoço uma echarpe azul do tempo da universidade. colocava uma echarpe cinzenta com um ar ainda mais velho, e saíam para a rua, de mãos dadas. o nevoeiro rodeava-os logo, arrefecendo-os por dentro. andavam pelas ruas e pelos jardins, de vez em quando passava alguém por eles e sentiam-se mais juntos, mais isolados no seu mundo.'

'(...) era o seu desejo de envolver tudo, de abraçar tudo, e abraçava-o a ele e era quase tão bom.'

'eu estava perdida quando cheguei aqui.
eu sei.
(...)
esta novela é minha e mistura-se contigo nos meus sonhos de ti.'

'mas na manhã seguinte quando releu as últimas páginas que escrevera sentiu uma alegria enorme, o seu desejo passara para o livro, encontrava-o em todas as palavras, nas que estavam escritas e nas que não estavam escritas. o seu livro estava cheio de deuses.'

'e quando a solidão se tornava insuportável, ele apareceu. na verdade fui eu que o procurei, sem saber o que fazia, no nevoeiro e na chuva, perto do mar. há muito tempo, quando o inverno começava. porque havia em mim um longo sonho de primavera, como nas flores que dormem debaixo da neve, e surgem antes de a neve desaparecer. e a primavera chegou.'

'ficamos abraçados e não dizemos nada, é a nossa forma de estarmos felizes.'


(um dia, com tempo e engenho, explico-vos porque considero ana teresa pereira uma voz única nas letras portuguesas e porque quanto mais a leio, mais gosto. das palavras que escreve e das que não escreve - mas que estão lá. lá e cá.)

i, painting from myself and to myself (robert browning)

ana teresa pereira está de volta.
é bom voltar a casa, com aquela mesma certeza astral com que acolhemos as estações do ano.
inverno em flor, outra vez.

voltarei a ana teresa pereira, um dos meus 'amores de estimação'.

fractais X

(não é por nada, mas convém relembrar certas evidências:)

'coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo.'

'não abandones as tuas ilusões. sem elas podes continuar a existir, mas deixas de viver.'

'sou velho e já passei por muitas dificuldades, mas a maioria delas nunca existiu.'

'cada um de nós é uma lua e tem um lado escuro que nunca mostra a ninguém.'

'não nos libertamos de um hábito, atirando-o pela janela; é preciso fazê-lo descer a escada, degrau a degrau.'

'o homem que é pessimista antes dos 50 anos, sabe demasiado; o que é optimista depois, não sabe o bastante.'

'se recolhes um cachorro faminto e lhe deres conforto ele não te morderá. eis a diferença entre o cachorro e o homem.'

'deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. sei muito bem do que se trata, já o fiz cinquenta vezes.'

mark twain, estados unidos [1835-1910] escritor/autor/humorista

(talvez seja defeito meu, mas onde alguns vêem 'humorista', eu vejo 'sábio'. ou como se dizia nas aulas de português, a propósito de outras escolas literárias: 'ridendo castigat mores'..)

uma casinha feita de sonhos

há um par de semanas atrás, tinha lido que havia em lisboa um novo espaço, conjugando café-bar com uma pequena livraria especializada em poesia.
gostei do conceito e gostei da localização: ao fundo da calçada da bica (a mesma do elevador; mas o acesso mais fácil é pela rua de são paulo, via cais do sodré - há um par de escadas, daquelas típicas da lisboa antiga, que num ápice nos colocam atrás da estação do elevador -, em pleno 'largo de santo antoninho', onde fica o espaço de que falo).

assim, lá fui ontem, contrariando o cinzento do céu, à procura de uma corzita.
foi assim que dei por mim na 'casa da mariquinhas', aberta de quarta a domingo, das 12h às 24h.

sem horas marcadas, deixei-me ficar por lá, em cavaqueira amena (mas estimulante e até, por vezes, quase provocadora - nos sentidos intelectual, ético e estético do termo) com o dono. o changuito - assim se chama o nosso anfitrião - e a sua namorada oriana decidiram, para além dos seus afazeres profissionais (que gravitam em torno da gestão e programação do bar do teatro 'a barraca', a declamação de poesia no mesmo sítio, a edição de livros, o jornalismo cultural, etc.), ocupar o rés-do-chão do prédio onde moram. e fazer desta ocupação qualquer coisa de didáctico e de lúdico: um espaço simples, mas onde se está bem. onde se aprende, se se quiser, ou simplesmente onde se tem prazer (por exemplo, ao folhear um livro tirado ao acaso da estante que concentra muita da melhor poesia editada em língua portuguesa).

como a chuva teimava em cair, eu teimava em conversar. e foi assim que o tempo passou e que este vosso escriba de ocasião, aprendeu um bocadinho mais sobre o circuito da poesia em portugal; se deliciou com uns textinhos escolhidos pelo changuito ('leia lá e diga-me o que acha', assim como quem não quer a coisa..); descobriu um compositor clássico catalão (que inspirou o bernardo sassetti, no seu 'nocturno'); confirmou que o circuito profissional livreiro em portugal (editoras, distribuidoras e afins) deixa muito a desejar (que novidade!); que, mesmo numa casa que ainda está a começar e (calculo) os clientes ainda não abundam, há sempre espaço para se oferecer uma imperial ao senhor de idade, provável vizinho, que se sentou a ler o jornal do dia (cortesia da casa, também), com a 'desculpa' de que 'o senhor guilherme esteve muito tempo à espera, hoje é oferta' (não sei se o changuito reparou que eu reparei, mas eu reparei que reparei - se é que me entendem).

um dia destes levo-vos lá. que a lisboa que vale a pena é esta: uma cidade esculpida em travessas, vielas, escadas, larguinhos; uma cidade onde a chuva fria de um domingo à tarde pode ser um elemento espantosamente cénico, quando abraça os pequenos prédios que parecem pintados a guache amarelo; uma cidade feita de pessoas.

http://www.da-mariquinhas.blogspot.com

.. da mariquinhas, da poesia e de muitas outras coisas. passem por lá, sim ?

elogio em ca(u)sa própria

este fim-de-semana soube, pelos jornais, que antónio gamoneda ganhou os prémios 'príncipe das astúrias' e 'rainha sofia para poesia', atribuídos aqui ao lado, por terras de espanha.
se repararem, este senhor gamoneda (don antónio, para ser mais fiel à língua em que escreve) é o mesmo que assina os versos que servem de 'epígrafe' ou 'mote' a este blog. permitam-me, portanto, sentir uma pontinha de orgulho especial por ver reconhecido o labor poético de alguém como antónio gamoneda.
parabéns, don antónio!

01 dezembro 2006

as cidades têm luzes nas palavras

uma flor colhida por eduardo prado coelho,
no suplemento 'mil folhas', jornal 'público', hoje, 1 de dezembro:

ela disse: sou uma cidade esquecida.
ele disse: sou um rio.

ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.

ela disse: não sou exactamente uma cidade,
uma cidade é diferente de uma cidade esquecida.

ele disse: sou um rio exacto.

agora na varanda
cada um à sua varanda
pedindo: um pouco de ar entre nós.

ela disse: escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
ele disse: eu corro.

de telefone preso entre o rosto e o ombro
para quão menos se libertassem as mãos
cada um com suas mãos libertas
ele temeu o adeus
disse: sou uma cidade esquecida.
ele riu.

filipa leal, in 'a cidade líquida e outras texturas', editora 'deriva', 2006