31 outubro 2008

bom fim-de-semana

30 outubro 2008

há traços em volta
das traças.
há traças em volta
dos traços.
teorema insolúvel,
unindo num abraço
traço e traça.
troças da rapariga
das tranças.
entretanto,
tonto,
trancas-te no traço,
na traça,
na trança.
das palavras fazes dança,
antes que te façam mossa.
suspiras pela palavra certa:
esperança?
espaço?
trança?
traço?
baraço?
regaço?
um nó cego,
traças,
um nó negro,
baralhas.
e caem as muralhas,
e fina-se a criança.
a palavra certa
chega, mas cega,
chega, mas deserta,
quase inerte
e, de súbito, forte.
baralhado,
troças das tranças,
troças das traças,
troças da troça,
e ris de tudo e de ti,
e ris de todos e da vida,
e ris da morte.
dizes então alto:
trocava tudo por uma palavra bela,
funda,
cava,
séria!
e depois, de mansinho, soluças:
trocava as palavras todas
pela rapariga das tranças..

que é como dizeres:
trocavas tudo
por ela.

a 'estação de inverno' na RUC




temos o grato prazer de informar que a 'estação de inverno' (aquele programinha diletante e anacrónico), a partir desta semana, passa a integrar também a grelha de programas da rádio universidade de coimbra (mais conhecida por RUC).

o horário é só para noctívagos encartados (madrugada de domingo para segunda, 3h00-4h00), mas, dizem-me os anfitriões, segue um fenómeno que, ao que parece, tem algum peso nas audiências desta rádio: muita gente acordada e sintonizada, durante a noite. talvez o facto de ser uma cidade de estudantes explique este fenómeno..

isto quer dizer exactamente o quê?

1. o programa continuará a ser emitido na rádio zero, no horário habitual [terças, 23h00-24h00; repete aos sábados, 14h00-15h00];

2. na RUC, a emissão de cada semana será emitida no período acima indicado.

passo a passo, pelos vistos, a estação vai fazendo o seu caminho.

amigas e amigos de coimbra: o inverno está a chegar.. ;-)



RUC

29 outubro 2008




à hora de almoço, na rua dos soeiros,
por entre os carros em marcha lenta,
frugais nos alimentos para o corpo,
exigentes nas palavras e nos sonhos.
i.pod era para mim palavra nova
tal como essoutra, de brincar: i.trip,
anglicismos hoje em dia universais.
os minutos cronometrados
na marcha devastadora que só nós sabíamos,
os atropelos de mãos e lábios e tudo,
um inverno improvável lá fora,
como improvável era aquele estar ali,
vagabundos de coração ao alto,
irmanados pela música do jens,
de bacharach e david
- fools for love, todos nós.
'o senhor bem vê, a espécie humana não tem progredido nada. isto é uma gente que já não vai a lado nenhum. o ambiente está como está, verão no inverno e inverno no verão. quer dizer, é giro a gente ver outros sítios na televisão, sem lá ir, mas os satélites que puseram lá em cima dão cabo da atmosfera. é dos metais. mas, dizia-lhe, as pessoas só pensam no materialismo. em ter coisas. como é que uma pessoa que dá cento e noventa euros por uma garrafa de vinho, num restaurante, pode pensar em quem não tem nada? o problema das pessoas é que estão muito enganadas. pensam que isto é assim: faço, roubo, engano e depois morro. acaba-se tudo, por isso, deste lado, vale tudo. estão enganadinhas de todo. o corpo morre, mas não morre o ver, o ouvir. isso é outra coisa. é como lhe digo. depois queixam-se que têm que penar, pois como não? alguns começam a pagar já deste lado, isso também é verdade, mas depois.. é assim mesmo. o seu espírito pode reencarnar noutra pessoa, num animal, em qualquer coisa. acredite, caro senhor. às duas da manhã, já vi cães vadios a atravessar numa passadeira! acha isto normal? a mim, ninguém me tira da ideia de que é alguém a penar pelo que fez noutra vida, cá deste lado. percebe? as pessoas andam mesmo enganadas, se elas soubessem. no outro dia, a um colega meu que ficou viúvo perguntei-lhe: oh, pá, queres que fala com a tua mulher? ela pode precisar de alguma coisa tua, que faças qualquer coisa, aqui deste lado. virou-me as costas a dizer: olha, este tipo está maluco! enganado que ele anda, caro senhor. é assim, como lhe digo, pois isto de andar cá a roubar, a enganar, a tratar mal os outros e depois acaba-se tudo? isso é que era bom!
boa noite, amigo, felicidades.'



5,85 euros. 15 minutos de táxi, algures em lisboa. 21h05-21h20, terça-feira.

28 outubro 2008

estação de inverno: 39-ª estação




hoje, a trigésima nona estação de inverno.


as palavras graníticas e fundas de carlos poças falcão, a partir do seu livrinho 'coração alcantilado'.

e as canções de sempre, para vós, amigas e amigos de sempre.


tentaremos, assim que possível, recuperar todo o histórico dos podcasts das estações de inverno emitidas até à data (actualmente, apenas parcialmente disponíveis, em virtude de uma arreliadora avaria).


[terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]

25 outubro 2008

2 anos

25.10.06 - 25.10.08

(to be continued..)


tolstoi escreveu 'guerra & paz'.

tem sido, mais coisa menos coisa, quase a mesma coisa.

obrigado a si, que faz deste solilóquio incandescente um lugar um pouco melhor situado.

22 outubro 2008



'bands,
those funny little plans
that never work quite right'



'deserter's songs' é um dos discos da vida de muito boa gente. sobre a música pop-rock-psicadélico-estratosférica-retro-qualquer-coisa deste rapaziada, já muita gente falou muito melhor do que eu algum dia conseguiria.

quase no final desta canção ('holes'), aparecem as palavras escritas acima. auto-ironia? consciência apurada? seja lá o que for, há nesta 'capacidade de dizer' um acto de coragem poética. porque, por vezes, a poesia é apenas e só uma forma de dizer o indizível.

gosto de vocês, pá. jantava convosco, quando quisessem. e eu só janto com as pessoas de quem gosto (muito). é a minha maneira de ser livre.



bands, dreams, life.
doem meus olhos.
saudades são lágrimas de pedra.

21 outubro 2008

the jazz poet..

20 outubro 2008

estação de inverno: 38-ª estação




amanhã, a trigésima oitava estação de inverno.


o regresso da 'estação de inverno', far-se-á, hoje como há um ano atrás, pela mão delicada e convulsiva de ana luísa amaral, espécie de fada-madrinha da 'estação'.

como base musical, um conjunto de preciosas 'máquinas de comoção', no estilo atmosférico, melancólico (e vivo) habitual. no centro do palco, micah p. hinson, negríssimo trovador das superfícies incendiadas. como nós, também ele regressa 'para mais do mesmo' - desta feita, o nome é 'micah p. hinson and the red empire orchestra'. para gente sem medo.


tentaremos, assim que possível, recuperar todo o histórico dos podcasts das estações de inverno emitidas até à data (actualmente, apenas parcialmente disponíveis, em virtude de uma arreliadora avaria).


[terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]

17 outubro 2008

um desafio & bom fim-de-semana

desafia-me a vertigo:
escolhe sete canções com significado especial na tua vida, de sete artistas diferentes, e encaminha o desafio para sete bloggers..

sem pensar muito, sem ordem especial, as primeiras que me ocorrem (não é esta a palavra.. será as primeiras que explodem?):

omd, 'souvenir'
the smiths, 'half a person'
chico buarque, 'valsinha'
tuxedomoon, 'in a manner of speaking'
ryan adams, 'call me on your way back home'
rufus wainwright, 'poses'
elis regina, 'fascinação'

estas são 7 possíveis que, quando tocam, alguma coisa 'cá dentro' acontece.


e um extra:

'nuvem passageira', de hermes aquino.
insuportavelmente kitsch e, no entanto,........
(you know, there is a strange kind of beauty that can kill you)




passo o desafio a ti, a ti, a ti, a ti, a ti, a ti e a ti
;-)

estação de inverno: 2-ª época


imagem: publik_oberberg


temos o grato prazer de informar todos os seres remotamente interessados nestas coisas da 'poesia portuguesa contemporânea' e/ou nas diversas 'músicas que valem a pena' que a 'estação de inverno', modesto programa de rádio do mais amador que se pode conceber (no duplo sentido do qualificativo..), vai estar de regresso às ondas digitais, para a sua segunda época.

a primeira edição, se tudo correr bem, irá para o ar na próxima terça-feira, dia 21 de outubro, no local (rádio zero) e horário (terças: 23h00-24h00) habituais. a repetição semanal, contudo, passa das 19h00 de domingo, para as 14h00 de sábado.

de resto, tudo como dantes. vamos andar à procura das palavras certas e das frases que (nos) acertam; vamos navegar pelos mares da melancolia musical; de quando em vez, ligaremos a melhor electricidade que se pode encontrar; procuraremos dar um sentido vivo à palavra memória; tentaremos capturar a espuma dos dias, para melhor a destilar em essência de concentrado de beleza, quais boticários excelentíssimos.

é muito? é pouco? é o que sabemos. é o que queremos. e quando queremos e cremos no que sabemos, coisas bonitas acontecem.

porque na estação onde o inverno é sua majestade imperial, se estivermos mesmo mesmo mesmo atentos.. veremos que, afinal, é todos os dias primavera.


terça-feira, 21 de outubro, 23h00: o regresso da 'estação de inverno'.

16 outubro 2008


até deus ser reinventado pelo extremo exercício da beleza*


dizem aqui ao lado, que digo?, zombam
que a poesia é matéria ilusória,
não sacia a fome, não mata a sede e
se porventura formos metafóricos
mesmo o espírito é discutível, menina.

dizem aqui ao lado, que digo?, rosnam
que a poesia é altamente perigosa,
ilusão alienante que faz lembrar
aquela matéria que nas bds da infância
se chamava o ouro dos tolos, menina.

dizem aqui ao lado, que digo?, cospem
que a poesia e os seus promitentes poetas
são uma cambada de vencidos da vida
frequentadores de modernos pardieiros estéticos
à falta de trabalho e melhor ocupação, menina.

dizem aqui ao lado, que digo?, hesitam
que o problema é afinal outro:
- poesia? nada contra, menina.
o problema é já não se ser menina,
o problema é chegarmos aqui,
trinta anos, umas assoalhadas algures,
trinta e um anos, um carro vistoso,
trinta e dois anos, um emprego bafiento,
trinta e três anos, a idade de Cristo..

a partir daqui, menina,
já estamos a mais.
a partir daqui, menina,
já somos a menos.
finam-se as possibilidades surreais,
enterram-se os sonhos de grandeza,
louvam-se as minúsculas alegrias,
cultivam-se as rimas que não riem
e os risos que não rimam.

o problema da poesia é simples:
não serve para nada, é dandismo puro,
devaneio de quem pode pensar em algo mais
que a bucha e os trocos do dia.
neo-realismo pós-moderno,
manuel de freitas, sem profundidade
josé miguel silva, sem latitude
dizem aqui ao lado, que digo?, acusam.

tristes patetas,
e, o pior de tudo, impotentes
estes poetas dos trinta anos.

liguei a televisão
espreitei a selecção da albânia
pensei no que seria
se tivesse nascido em tirana.
vi o nosso treinador perdido,
impotente,
sem saber o que fazer.
aposto que é rapaz para mais de trinta anos.

desligar a televisão,
desligar dos jornais,
desligar a rádio,
desligar o mundo.
ir treinando, em vida, em jogo,
eles e nós,
a não qualificação.

o problema da poesia, vendo bem,
não é ser nada.
o problema da poesia
é dizer o nada,
na esperança louca e fugidia,
de que o extremo exercício da beleza*
seja, afinal,
uma janela.

passado, presente e futuro,
guarda de honra e exército,
puros-sangues,
galgos por inventar,
cores impossíveis,
uma saída.

mas há uma saída, menina?**



* verso adaptado de herberto helder
** verso adaptado de rui pires cabral

com profundo respeito e admiração.

14 outubro 2008

estação de inverno: 2-ª época


imagem: richer resources publications


temos o grato prazer de informar todos os seres remotamente interessados nestas coisas da 'poesia portuguesa contemporânea' e/ou nas diversas 'músicas que valem a pena' que a 'estação de inverno', modesto programa de rádio do mais amador que se pode conceber (no duplo sentido do qualificativo..), vai estar de regresso às ondas digitais, para a sua segunda época.

a primeira edição, se tudo correr bem, irá para o ar na próxima terça-feira, dia 21 de outubro, no local (rádio zero) e horário (terças: 23h00-24h00) habituais. a repetição semanal, contudo, passa das 19h00 de domingo, para as 14h00 de sábado.

de resto, tudo como dantes. vamos andar à procura das palavras certas e das frases que (nos) acertam; vamos navegar pelos mares da melancolia musical; de quando em vez, ligaremos a melhor electricidade que se pode encontrar; procuraremos dar um sentido vivo à palavra memória; tentaremos capturar a espuma dos dias, para melhor a destilar em essência de concentrado de beleza, quais boticários excelentíssimos.

é muito? é pouco? é o que sabemos. é o que queremos. e quando queremos e cremos no que sabemos, coisas bonitas acontecem.

porque na estação onde o inverno é sua majestade imperial, se estivermos mesmo mesmo mesmo atentos.. veremos que, afinal, é todos os dias primavera.


terça-feira, 21 de outubro, 23h00: o regresso da 'estação de inverno'.



jovem revista de jovem poesia.
porque, às vezes, 'a juventude é um posto'. neste caso, um 'posto' ao quadrado..

13 outubro 2008

reprise

por ter medo das flores
e de algo bem maior,
por ter saudades dos rios
e de tantas casas,
morria um bocadinho
todos os dias
(e outras coisas).

10 outubro 2008


colhe
o dia,
porque
és
ele.



ricardo reis
não tenho um disco preferido, um pintor preferido, um lema preferido, uma canção preferida, um livro preferido, uma cidade preferida. não tenho um filme preferido - apenas tenho um filme que pesa uns graminhas a mais na balança do que somos. chama-se 'vertigo' / 'a mulher que viveu duas vezes' (sim, o ultra-clássico filme do tio alfredo).

nesse filme, há um personagem que não fala: a cidade de são francisco.

não sei se é da famosa ponte, quase igualzinha à nossa ponte 25 de abril. se é do rio, lá como cá. seja o que for, seja como for, seja do que for, se fosse americano, nada me tira da cabeça que são francisco era capaz de ser a minha cidade.

aqui fica, um curioso exercício: são francisco abraça lisboa, através da música 'saudade', dos love & rockets.

bom fim-de-semana, amigo/as.



09 outubro 2008

helder moura pereira e daniel jonas são os vencedores do prémio literário do PEN clube, na categoria de poesia, com as obras 'segredos do reino animal' e 'sonótono', respectivamente.

nós, leitores, vos saudamos: parabéns, rapazes!

--

pecado capital

a vitória de samotrácia
é mais ou menos a minha história
sentimental: tinham todas um corpo
e asas até
mas pouca cabeça.

daniel jonas



e helder moura pereira, na estação de inverno


[dedicado a todos os especuladores financeiros.]


'cause the music you constantly play says nothing to me about my life'

07 outubro 2008


elliot smith, 'waterloo sunset' (by the kinks)



em 1964, o 'cinema novo' português tentava romper as estéticas dominantes (artes populares escapistas ou, o seu contrário, se assim pode dizer, o neo-realismo mais engagée).

fernando lopes filma, em 'belarmino', essoutro país, essoutra lisboa - um tempo que se sente ser já 'de passagem', à espera de um degelo qualquer -, de uma maneira diferente. a 'nouvelle vague' francesa era já influente (e subversiva, de certo modo) e mesmo o cinema americano enfrentava já o estertor do 'studio system' puro e duro. ecos de longe que chegavam ao rio tejo, apesar de tudo.

toda a gente mais ligada a estas coisas fala abundantemente de filmes como 'mudar de vida', 'verdes anos' (ambos de paulo rocha) ou neste mesmo 'belarmino', como marcos de uma viragem e, não raro, como influências determinantes para percursos artísticos posteriores. mas quantos os viram?

hoje, ao final da tarde, no 'instituto franco-português', no âmbito do 'festival de cinema francês', passa 'belarmino'. uma excelente oportunidade para acertar contas com a (nossa) história.

06 outubro 2008

rua morais soares, perto de casa


havia de ser diferente


ao domingo à tarde,
saímos de casa.
gola semi-arrebitada,
que pintarola,
apanhor sol de outono
na magistral e douta tola.

que linguagem, menino,
onde ficaram seus modos?
deixei-os em coimbra,
entre outros destroços.

ao domingo à tarde,
como no livro do fernando,
- o fernando namora -,
saímos de casa,
vamos à bola,
qu'arejar é preciso
diz aqui o artola.

menino, menino,
heresias em dia santo?
a vida corre-lhe mal,
mas é razão para tanto?

ao domingo à tarde,
que se lixe o escritor,
passeamos pela cidade,
à falta de melhor,
(ia escrever: de calor).

menino, menino,
mas não fazia sol soalheiro?
o menino procura coisas
como agulha no palheiro.
não lhe basta o solzinho
queria por acaso milagre maior
diga lá: que acabasse a fome,
diga cá: encontrar o amor?

menino, menino,
onde ficou a educação, respeito etc e tal?
dizer assim mal do país,
dizer mal de portugal?

ao domingo à tarde,
ensandecidos da semana,
que cansaço, que torpor,
esquecemos qu'em nós manda:
a nossa algibeira
(mai-la do senhor doutor).

menino, menino,
que poeta tão limitado,
erra na métrica e no verso,
faz impressão,
ainda morre de fome,
tenha cuidado.

Deus-lhe pague o aviso,
e do chão erga o mendigo
que qual Cristo ajoelhado
pedia a quem passava:
- tenho fome, piedade.
essa agora, mendigo dum raio,
estragas assim o domingo,
penas qu'isto é o quê?
(apenas mais um domingo na cidade.)

menino, menino,
que mal disposto anda,
homem feito por fora,
mas vê-se à légua a criança.
herança de livros e discos,
de mãe e pai e tudo,
feche-se em casa ao domingo,
saia só no entrudo.
que isto de aturar humores
de poetas mal arrimados
é dos piores terrores
alguma vez inventados.
claro que falo de mim,
acredite se quiser,
olho-o, faz-me pena,
lembra-me a minha mulher.
coisa assim nunca vi,
essa incapacidade de ser forte,
tome juízo menino,
apanhe de vez o norte.

ao domingo à tarde,
apetece morrer.
ou então espantar a dor,
no corpo de uma mulher.
se é isto o domingo,
dia santo de guarda,
ou perdemos toda a fé
ou a gente anda parva.

shopping mall e internet
passeios e futebol
(o mendigo lá de trás
até dá um toque curioso)
eis a nossa condição:
trocar a vida por nada
e agradecer com devoção.

menino, menino,
insiste na diabrura?
olhe que gente que pensa e sofre e sente
lugar já aqui não tem,
moram todos no cemitério

ou no coração de sua mãe.

05 outubro 2008

dinis machado

morrem-se-me os heróis todos.

a gente abre os jornais e é uma dor. a gente abre a internet e consome-se por dentro.

lágrima aqui, lágrima ali - a cada um o seu rio.


tão bom que até dói.
o céu deve ser um lugar cheio de 'groove'.

03 outubro 2008

bom fim-de-semana


rem, 'low'


moderno ou antigo?
pós-moderno ou vincadamente clássico?
anacrónico ou de vanguarda?
off on incrivelmente on?
0 ou 1?
tudo ou nada?
sempre ou nunca?
alto ou baixo?
frágil ou forte?

os rafaelitas por aqui?
ou a 'malaise' urbana e contemporânea?

qu'importa, se faz sol, lá fora.
tudo passa.
qu'importa, se é noite, cá dentro.
tudo brilha.
viva o rei inverno.
interno.
eterno.

efémera flor.



9.19. a.m.

- olá, bom dia, é da radar?
- sim, bom dia..
- inês?
- sim, sou eu, olá.
- olá, bom dia. fala o ****, um ouvinte de sempre, apesar de, calculo, ser um lugar comum.. eu sei que isto não é propriamente 'os discos pedidos', mas estava-me a apetecer escutar uma coisa: joan as police woman, 'to america'.
- claro que sim, ****. ligue sempre, peça sempre! passa daqui a 3 minutos.


(..)

9.28. a.m.

- a pedido do ****, um ouvinte de sempre, estivemos a escutar joan as police woman, em 'to america'. e se é um ouvinte de sempre, o **** merece ouvir não só joan as police woman como joan e rufus wainright (que participa na canção).

(..)

e foi assim.
things happen.


p.s. estupenda canção. descubram-na, por aí.

02 outubro 2008

nico (nos 20 anos da sua morte)




salvé, princesa negra,
sobressaltada majestade
dos fiordes mais gelados.

01 outubro 2008


em 1969, o senhor isaac hayes - ou 'black moses', como o próprio gostava de se chamar a si próprio - lança um disco (um long play, em vinil) com.. 45 minutos de duração, coisa normal para o formato, e.. 4 canções.

composto por duas versões (duas apropriações totais), uma de bacharach & david ('walk on by', famosa na voz de dione warwik) e uma de jimmy webb ('by the time i get to phoenix'), e duas canções originais, 'hot buttered soul' é um disco composto por canções sinfónicas como até à data não se conhecia e como depois poucas vezes se voltou a encontrar, na órbita da música negra de cariz mais soul.

experimentalismo soul, misto de pregação amorosa (mesmo que essencialmente sobre a dor e as dificuldades do amor) e de digressão musical majestosa e luxoriante, 'hot buttered soul' sôa, aqui e ali, a uma espécie de 'free soul' caminhando todo o tempo sobre a ténue linha que separa tons épicos de tons excessivamente barrocos (e até bizarros).

o disco abre com a versão do senhor hayes para 'walk on by', uma das dezenas de celebérrimos hits saídos das pautas de burt bacharch (e do seu co-autor hal david). na voz de isaac hayes, esta canção adquire uma grandiosidade que dificilmente detectamos no original, sem perder uma certa doçura melódica - ganha asas que lhe reforçam antes a mensagem desencantada, desenhando, pela música, desertos grandiosos e grandiosamente vazios - como só o amor que morreu ou que não nos corresponde consegue insinuar.

a segunda canção é, essencialmente, um quase escape lúdico, talvez o único elo fraco de um disco que, sem ela, seria pouco menos do que perfeito. que dizer de uma canção, justamente, intitulada 'hyperbolicsyllabicsesquedalymistic'? sublinhar que é uma espécie de trip soul, algo bizarra e não muito relevante, no contexto do disco de que falamos.

em tudo diferente, da faixa seguinte. 'one woman' é uma estupenda canção sobre afectos divididos, sobre a dúvida, sobre a constatação de impotência (escolher o quê, escolher quem - a mulher doce ou a mulher tentação?). não por acaso por certo, a letra não é conclusiva, sendo a canção uma partilha de uma dor que rasga por dentro, naquele momento preciso em que deixa de estar em surdina para se afirmar plenamente. isaac hayes canta esta canção com uma coisa que só os grandes têm - uma alma que se vê, que se sente, que se escuta, que se impôe. é uma canção brutal, romântica até doer, como são as melhores das melhores canções soul (íamos escrever canções 'tout-court').

se 'walk on by' e 'one woman' chegam a ser esmagadoras na forma como entram em quem as escuta, que dizer da faixa quatro, 'by the time i get to phoenix'? uma vez mais, pegando numa canção clássica de outrém (jimmy webb), isaac hayes cria um momento magistral, um 'tour de force' singular em torno de mais uma história de amor e lágrimas, sacrificial até ao adeus final. 18 minutos de duração, com a particularidade de a canção propriamente dita começar.. aos 12 minutos! até lá, que escutamos? uma longa digressão musical? experiências sónicas? nada disso. ouvimos um contador de histórias, numa voz vivida e dorida; ouvimos um pregador do amor pleno, dirigir-se-nos, numa espécie de exortação, ora falada, ora quase cantada, para o que vamos ouvir (uma história moral?), para a importância do que vamos ouvir. estamos aqui em domínios quase de blues, quase de gospel, mais no que é sugerido do que no que efectivamente escutamos. mas nada nos prepara para o terço final da faixa, na qual a canção, completamente reinventa, surge. 'by the time i get to phoenix' torna-se uma espécie de mantra, um sussurrar gritado sobre aquilo que, por vezes, nos explode no peito. história sem final feliz, como quase todas as grandes histórias, leva-nos por um jardim devastado, uma viagem de carro movida a lágrimas, cidades americanas para onde e de onde se foge, um mundo de ilusões e desilusões - um imenso adeus, sob fundo de gesta interior 'americana'.

melodias que nos agarram, de forma viciante. orquestrações complexas, mas não complicadas, em crescendos impossíveis. voz e piano e orquestra completa, juramos. swing no som e profundeza na alma. uma coisa bem maior do que aquilo que estamos a ouvir. surpresa pelo resultado improvável. descoberta que se impõe a gente céptica. açúcar em rebuçado. fel, mas sem raiva ou azedume. um bocadinho de misticismo pagão para aqueles que professam a religião do amor. carrossel pelos highs and lows and lows and lows das superfícies amorosas. 'hot buttered soul' é um disco portentoso.

espécie de velho amigo, sábio, de voz tonitruante, que nos conforta e embala, dizendo-nos ao ouvido o que já sabemos - mas de uma maneira nova e estranhamente pacífica, tornando a revolta da desilusão em evidência aceite.

aqui e ali, arrepia, na certeira intersecção entre a dor das palavras e o deslumbramento da música.

directo ao coração e aos sentidos.