31 março 2011

Nighthawks
(After Edward Hopper’s Painting)
 
It is night
and the city is deserted.
The lucky ones are at home,
or more likely
there are none left.
In Hopper’s painting, four people remain
the usual cast, so-to-speak:
the man behind the counter, two men and a woman.
Art lovers, you can stone me
but I know this situation pretty well.
Two men and one woman
as if this were mere chance.
You admire the painting’s composition
but what grabs me is the erotic pleasure
of complete emptiness.
They don’t say a word, and why should they?
Both of them smoking, but there is no smoke.
I bet she wrote him a letter.
whatever it said, he’s no longer the man
who’d read her letters twice.
The radio is broken.
The air conditioner hums.
I hear a police siren wail.
Two blocks away in a doorway, a junkie groans
and sticks a needle in his vein.
That’s how the part you don’t see looks.
The other man is by himself
remembering a woman,
she wore a red dress, too.
That was ages ago.
He likes knowing women like this still exist
but he’s no longer interested.
What might have been
between them, back then?
I bet he wanted her.
I bet she said no.
No wonder, art lovers,
that this man is turning his back on you.

Wolf Wondratschek

em memória de farley granger, mais um actor do tempo dos verdadeiros clássicos que nos deixa. entre muitos outros filmes que protagonizou, relembramos aqui o garboso oficial de "sentimento" (esse melodrama romântico, assinado por luchino visconti), o naive estudante que acaba cúmplice de um abjecto estudo sobre o conceito de crime perfeito, em "a corda" (de alfred hitchcock), ou o atormentado passageiro desse sinistro comboio que serve de palco aos perigosos mecanismos mentais que precedem a projectada glória da impunidade associada, mais uma vez, ao crime perfeito, em "o desconhecido do norte expresso" (também realizado por alfred hitchcock). farley granger desenvolveu, no cinema, uma persona que era uma espécie de ingénuo, apanhado pelas teias do destino, facilmente manobrável por terceiros - um exemplo de intenções apenas levianas que conduzem, fatalmente, a trágicos desfechos. a pergunta que fica: ingénuo ou falso ingénuo? também por isso, por essa ambivalência esculpida que nos baralha, foi um actor de gabarito, um rosto vindo desses tempos em que o cinema era verdadeiramente maior do que a vida. até sempre, rapaz.



entretanto, cá dentro.

30 março 2011


entretanto, lá fora.

29 março 2011


ler-te, hoje,

foi como ver wim wenders
e a sua corte de anjos brandos
sob os céus brancos de lisboa.

(eu disse sob.)


thou are loosed.

hibisco

lê-se e não se acredita: como pode uma tão simples flor
saltar da página em frente e com enleante voz feminina
sussurrar-nos ao ouvido uma mais do que bela - perfeita -
declinação floral da luminosa palavra que sabemos de cor?

28 março 2011


ricardo rocha é, talvez, um dos mais atormentados músicos portugueses. neto de fontes rocha, histórico da guitarra portuguesa, ricardo rocha é alguém que foge das luzes e que mantém uma guerra aberta com a sua própria arte - que vê quase como uma espécie de maldição. as esparsas entrevistas que dá são penosas de ler, pelo tom invariavelmente desencantado, por um certo realismo crú que destrói a poética que, normalmente, preferimos ver em todas as manifestações criativas.

amanhã, terca-feira, no teatro maria matos, ricardo rocha vai tocar a integral das suas obras "so far", para guitarra (que é compositor, igualmente talentoso, para outros instrumentos, mas talvez não quase genial, como quando aborda o amaldiçoado objecto do seu descontentamento - a guitarra, sempre a guitarra).

os concertos a solo deste ainda rapaz (na casa dos trinta e tais, cremos) são raríssimos. mas não é nada raro encontrar entendidos ou críticos musicais que se curvam em uníssono perante a sua capacidade de composição para o intrumento e diante do seu magistral domínio interpretativo.

se gostam do som da guitarra portuguesa, se gostam de carlos paredes ou de pedro caldeira cabral, não podem perder este espectáculo. ele diz que "só pode correr mal", dentro do seu habitual estilo auto-depreciativo. o que quer dizer que tem tudo para correr bem..

fica a nota.

27 março 2011



é domingo para o civil mundo dos homens,
não para mim
que ajoelho perante outros deuses.
escuto-te, até ao fim dos tempos.
ou seja, até ti - ou seja, até Ti.
e é como se Cristo descesse enfim sobre mim,
mas um cristo-rapaz, atravessado por espinhos e luz,
e tudo é agora
um manto branco
um rio delicado
flores selvagens domesticadas
e no ar
um indecifrável e delicado
aroma a jasmim.

26 março 2011

josh t. pearson e "the last of the country gentlemen".
brutalmente íntimo, lancinantemente belo - um disco absurdamente comovente.

25 março 2011


Liz & Dick: a fúria deste amor

texto integralmente escrito por Vasco Câmara
nas páginas do Jornal Público, suplemento Pública, no dia 19 de Setembro de 2010
(com o meu devido agradecimento e humilde vénia)


A paixão deles foi adúltera, escandalosa, atormentada, eterna. As suas vidas inauguraram a celebrity culture dos reality shows. Mas só agora Elizabeth Taylor revela as cartas que Richard Burton lhe escreveu: My blind eyes are desperately waiting for the sight of you.


Já tinha havido a sequência do banho de Cleópatra, que Richard Burton espreitara (a sua personagem, Marco António, não fazia parte da cena), mas Dick estava decidido a não se envolver com Miss Tits. Casado com Sybil, impressionava-o os milhões de Elizabeth Taylor, a comida que vinha directamente de Los Angeles para a Cineccità em Roma nesse ano de 1962 (chili do Chasen's, de que ela gostava), as tits - que traziam de volta ao filho do mineiro as fantasias de adolescência com as "galdérias" no seu País de Gales -, e por isso um affair, ele que era especialista em flirts sem consequências, até nem faria mal à sua carreira. Mas, galês que se prezava, não abandonaria a família.

Depois houve a cena do beijo, quando Marco António com a sua mini-túnica entrou nos aposentos da rainha do Egipto. Vários takes, e os beijos cada vez maiores na Cineccità...

Joseph L. Mankiewicz, realizador - Imprimam a cena (mas a cena continuou).

Joseph L. Mankiewicz - Vocês importam-se que eu diga "corte"?... (e a cena continuou).

Joseph L. Mankiewicz - Interessa-vos que já seja hora de almoço? E a cena acabou. Richard Burton pediu uma cerveja, Liz tirou a peruca. Mas tinha começado le scandale, e eles não saíam dos jornais e revistas - em Hollywood, na mesma altura, Marilyn Monroe mergulhava nua para dentro de uma piscina, na rodagem daquele que seria o seu filme incompleto, Something's got to Give, mas Marilyn não teve muito tempo de vida para tirar Liz Taylor das capas das revistas.

I list after your smell and your paps and your divine little money-box and your round belly and the exquisite softness of the inside of your tights and your baby-bottom and your giving lips & half hostile look in your eyes when you're deep in rut with your little Welsh stallion.

Burton, um furioso de Shakespeare e da língua inglesa (era o mínimo que nos devia, com a voz que tinha...), foi escrevendo com esta fogosidade à amante e depois mulher, a quem passou a chamar Ocean, My little Jewish tart (porque Liz se tinha convertido ao judaísmo no casamento com Eddie Fisher, que na altura de Cleópatra ainda era o marido) ou Dearest Scrupelshrumpilstilskin.

Foram estas cartas que tornaram possível Furious Love, depois de Liz Taylor as ter mostrado a um editor da “Vanity Fair”, Sam Kashner, e à biógrafa Nancy Schoenberger.

O resultado, publicado em Julho nos Estados Unidos, é algo que está entre a biografia de um romance concretizado em dois casamentos (um de uma década, outro de menos de um ano) e dois divórcios; pinta o retrato de uma era e de um perfil de estrela de cinema que teve nesses anos o seu canto de cisne - afinal, nos anos 60 começavam a surgir actores iguais aos espectadores e a dimensão bigger than life de Taylor Burton não era flor que se cheirasse na era hippie; e ensaia, até, a "tese" - embora não possamos chamar ensaio a este livro - do pioneirismo do casal Elizabeth Taylor/Richard Burton: eles foram um reality show. Brangelina? Não, LizandDick.

Voltando a esse ano, 1962, Cineccittà. Os paparazzi - já se chamavam assim, dois anos antes Federico Fellini filmara La Dolce Vita e dera o nome de Paparazzo a um fotógrafo, o que passou a designar, como dizer, uma ambição, uma atitude... - acamparam fora dos estúdios ou seguiam o casal Via Venetto abaixo e acima.

Richard era casado, com Sybil. Liz com Eddie Fisher, o homem que "roubara" à sua amiga Debbie Reynolds para se consolar do estado de viúva inconsolável devido à morte, num desastre de avião, do grande amor da sua vida, o produtor Mike Todd. Mas Eddie - e aqui entramos por um pedaço de psicologia sexual que Furious Love tacteia - já tinha sido domado, e Liz precisava de novas e maiores emoções. Burton era uma melhor versão de Mike Todd, era a sua alma gémea sexual. E havia o álcool.

My blind eyes are desperately waiting for the sight of you. You don't realize of course E. B. how fantastically beautiful you have always been, and how strangely you have acquired an added and special and dangerous loveliness. Your breasts jumping out from the half-asleep languid lingering body, the remore eyes, the parted lips.

Liz and Dick

1962, Roma, um resumo: tentativa de suicídio de Taylor dentro de uma camisa de noite Christian Dior, depois de Burton lhe ter dito que nunca poderia abandonar a mulher, Sybil.

Eddie Fisher com uma pistola apontada à mulher adúltera, mas depois a dizer "descansa que não te mato porque és bonita de mais".

A foto que lançou Le Scandale (expressão de Richard Burton), na ilha de Ischia, baía de Nápoles, onde iriam ser filmadas cenas de Cleópatra: os dois a beijarem-se num iate alugado, maços de cigarros ao pé dos pés descalços - o momento inaugural da celebrity culture tal como a conhecemos hoje? Foi ainda como adúlteros que filmaram, depois de Cleópatra, filme que levou toda a gente às salas para testemunhar o momento do "crime", The VIPs (1963), de Anthony Asquith, em que faziam um casal socialite que chegava ao aeroporto de helicóptero (tal como tinha chegado a Ischia).

De novo gente a inundar as salas, num filme que começa com Orson Welles a fazer de produtor de cinema chamado Buda e já com perfil de Buda, o que hoje pode acrescentar uma consciência irónica a um daqueles filmes que tentavam lutar contra o tempo nos anos 60, adiando ingloriamente o final de uma era juntando uma série de estrelas num cenário (um aeroporto) e inventando uma serôdia ficção entre elas.

Foi durante a rodagem que Burton pediu o divórcio à mulher, mas o divórcio entre Liz e Eddie só seria decretado em 1964, ano em que Elizabeth e Richard passaram então a ser um casal segundo a lei dos homens. Era o segundo para Richard, o quinto para Elizabeth. Burton fazia nessa altura uma temporada com Hamlet, estava em Toronto, e num dos curtain calls prometeu ao público que "não haveria mais casamentos". Promessa que não conseguiria cumprir, como hoje sabemos.

LizandDick, conjugalidade, resumo (1964-1973; 1975-1975): Taylor adorava os ímpetos alcoólicos de Burton, e segundo Furious Love precisava de uma boa cena de luta conjugal em público - isto é, animalidade. Que podia ser selada com um Van Gogh.

Elizabeth comia, bebia e arrotava como na taberna dos galeses, antídoto (entramos de novo pelos pedaços de psicologia de Furious Love) à sua beleza algo delicodoce - o apetite pelo foie gras, pela galinha frita e pelo puré de batata ou pelo Bloody Mary dava-lhe um suplemento de realidade, tornava-a mais carnal, dizem os autores do livro. Era uma forma de rasgar o que tinha sido desde miúda, desde que era child actress, o corpete em que estava metida desde Lassie - e como se quisesse estilhaçar também grandes planos como os de A Place in the Sun e aquele romantismo dorido com Montgomery Clift.

Na rodagem de A Noite de Iguana (1964) de John Huston, ela foi acompanhar o já marido à rodagem, no México, e não ficava atrás de nenhum dos homens - a fasquia era alta: havia Burton e havia Huston, e havia Ava Gardner, que se já não era o mais belo animal do mundo ainda era um homem no que toca à bebida.

Liz puxava por Richard: "Bebe ou ficas um chato." Liz aguentava a bebida, Richard, que não tinha a musculação narcísica que a mulher desenvolveu em anos e anos de treino no studio system, não. Uma linhagem de que se orgulhava - filho do proletariado - e que ao mesmo tempo o estigmatizava socialmente, e um talento para uma arte que quase não respeitava - ainda achava que ser actor era estar em perda, como se não fosse coisa suficientemente de homem -, faziam de Burton um torturado. Os complexos de culpa por ter abandonado a mulher não ajudavam.

It's no use pretending that you are an ordinary woman. Quite clearly, like this pen, you are not. I don't mean for a second that you are in any way comparable with a pen. And yet you are, like this divine pen you are heavy and light at the same time... How [to] watch the puritanical face relax into slow lust? How to watch that watch catch its breath, and, for a speck of a speck of a millionth of second, become the animal that all men seek for in their women? And since we're talking of pens and you, how [to] watch the ink splurge out of your pen... reach[ing] out from the inner depth of the divine body. Will you, incidentally, permit me to fuck you this afternoon? Yours trully (you have just come into the room), R. B.Em 1965, Vincente Minnelli colocou-os como homem e mulher adúlteros em pleno Big Sur, em The Sandpiper - e com Eva Marie Saint a fazer de mulher abandonada da personagem de Burton na qual muitos viram um retrato de Sybil, a mulher de quem o actor se divorciara.

A personagem de Taylor, uma mente livre, vivia em pleno milieu de beatnicks, nudistas, e etc., mas, para quem vivia rodeada de jóias e de dólares na vida real, transformar-se em ícone da contracultura dos 60s era tarefa inglória.

E não tinha o corpo andrógino que começava a estar na moda. O filme foi olhado com desdém e com desconfiança por um (novo) público emergente. Era um sinal de que um mundo estava a acabar. Mas antes disso houve um golpe de rins, Quem Tem Medo de Virginia Woolf (Mike Nichols, 1966): Liz engordou, "envelheceu" para fazer de Martha, e Richard permitiu todo o espaço à mulher para brilhar fazendo de humilhado George.

Jeu de massacre

Quem Tem Medo de Virginia Woolf permitiu aos dois darem azo à sua fisicalidade: como se, ao bater em Richard/ George, Liz pacificasse a sua necessidade de luta. E Martha/Liz começa logo a abrir com o seu What a dump!, imitação de uma line famosa de Bette Davis. Foi o segundo Óscar para ela (o primeiro, em 1960, foi com Butterfield 8), mas não haveria nenhum para Burton. Só que, por mais bravado que exista na Martha da actriz, quem foi ao cinema não via as personagens, via Liz e Dick, que nunca poderiam desaparecer naquilo que interpretavam.

E o mesmo aconteceu com A Fera Amansada (1967), de Franco Zefirelli, versão feliz e rocambolesca, via Shakespeare, da turbulência conjugal dos Burtons. Com a incontinência de calão que Liz alardeava. E foi outro sucesso.

Os biógrafos falam na série de filmes que fizeram juntos como um espelho que não os deixava.

E quanto a ela, a Liz, como uma espécie de inversão da actriz do Método: como se tivesse aprendido a escolher os filmes por aquilo que estava a acontecer na sua vida, sim, mas sobretudo acabando por ser empurrada na vida pelo imaginário das personagens e dos filmes. Joseph L. Mankiewicz: "Ela era o oposto da maioria das outras estrelas... para ela, viver era uma espécie de actuação" - provavelmente estaria a lembrar-se (isto somos nós a perpetuar o mito...) de uma cena de ciúmes de Cleópatra por causa de Marco António, em que Taylor teria gritado... Sybil.

O golpe de rins que foi Quem Tem Medo de Virginia Woolf e o sucesso comercial e artístico da empreitada não vieram escamotear que se foram o primeiro casal reality show, o show estava a acabar: eles foram os últimos de uma espécie.

Na obsessão de concorrer com os Onassis nas jóias - Furious Love informa-nos que a expressão spending money like the Burtons passou a designar os perdulários; na forma como viviam foram do mundo - e quase literalmente, porque uma parte da vida familiar dos Burtons, eles e os filhos dele e os filhos dela, foi vivida a bordo de um iate, o Kalizma, que ia de porto em porto, sulcando o Mediterrâneo, por exemplo, para compras - eles que detestavam andar de avião e assim sentiam a sua vida mais protegida. John Guielgud, que entrou no Kalizma, contou que a vida dos Burtons era cuidada por "14 marinheiros portugueses".E quando não era o Kalizma, quando teve de ir para obras, foi a vez do Beatrice and Bolívia, que ancorou no Tamisa quando os Burtons passaram uma temporada em Londres, alugado por 21 mil dólares por mês, porque Liz não queria que os seus cães fossem submetidos ao programa obrigatório de quarentena antes de entrarem em território britânico - a imprensa não perdoou: "O canil mais caro do mundo." E os diamantes. O Krupp - que fez a princesa Margarida abrir os olhos em choque, "é tão grande, que vulgar", e Liz abrir os olhos de gulodice: "É, não é, maravilhoso!" O La Peregrina, o Ping-Pong, o Taylor-Burton, que só podia ser usado, regras da seguradora, 30 dias por ano. As lutas, o álcool, as desintoxicações de Richard...

Em 1970, para a cerimónia dos Óscares, os Burtons fizeram a tournée mediática necessária para promover Anne of a thousand days (Charles Jarrott), hipótese de Burton receber, finalmente, o Óscar que lhe faltava. Quando deixaram o iate que os protegia, perceberam que Hollywood mudara. A MGM estava à venda, e a tanga de Johnny Weissmuller, e os sapatos vermelhos que Judy Garland usara no Feiticeiro de Oz, e o guarda-chuva de Gene Kelly de Serenata à Chuva. Pormenor relevante: Steven Spielberg começava a filmar a sua primeira curta.

Números: 20 por cento da população tinha menos de 30 anos e constituía 73 por cento do público de cinema. Os movie brats vinham a caminho, e os rostos e corpos de DeNiro, Dustin Hoffman, Diane Keaton, Ellen Burstyn ou Jane Fonda eram de outra natureza. Burton não ganhou o Óscar, e ainda por cima foi Elizabeth Taylor, que aceitara participar na cerimónia esperando que esse seria o ano do marido, que teve de entregar o Óscar do Melhor Filme a O Cowboy da Meia-Noite, de John Schlesinger, símbolo da "nova Hollywood" e o primeiro filme com a classificação X (para adultos) a ganhar um Óscar. Para a velha guarda de Hollywood, eram ainda os protagonistas de Le Scandale - e do filme que iniciou o princípio do fim para a 20th Century Fox, como um pavão que abre o leque para uma última vez; para a contracultura que tomava conta de Beverly Hills, eram um casal duvidoso. Alguém os descreveu nessa altura como "dois campeões de pesos pesados exaustos de tanta briga mas incapazes de se deixarem". Estavam no limbo.

So My Lumps You're off, by God! I can barely belive it since I am so unaccustomed to anybody leaving me. But reflectively I wonder why nobody did so before. All I care to God is that you

Depois deixaram-se. Em Julho de 1973, Elizabeth fez um anúncio público: era melhor para os dois, e para o amor deles, que se separassem. Um ano depois, o divórcio, "diferenças irreconciliáveis".

Em 1975, voltaram a cair nos braços um do outro, se bem que nunca tivessem deixado de se contactar à distância, ela preocupada com os efeitos do álcool nele, ele acorrendo aos hospitais onde ela era internada com as suas crises de saúde. E em Outubro de 1975, Liz retribuiu a Dick a promessa de casamento sem divórcio. Dearest Hubs, how about that! You really are my husband again, and I have news for thee, there bloody will be no more marriages... or divorces, either. Também se enganou.

Nove meses depois, separavam-se para sempre.

Ainda subiram a um palco juntos, em 1983, fazendo o Private Lives, de Noel Coward, ao qual toda a gente acorreu para ver a história de um casal separado que se reencontra (na peça, as personagens, mas o que o público queria ver era Liz e Dick outra vez). Quem viu tem na memória um momento de puro camp, como a caricatura do que tinha sido uma história de amor vivida em público.Elizabeth Taylor receberia ainda mais uma carta de Richard Burton. Ele tinha-a enviado a 2 de Agosto de 1982. Três dias depois, ausentou-se da sala na casa que partilhava com a sua quinta mulher, Sally Hay, queixando-se de dores de cabeça. Morria nessa noite, vítima de hemorragia cerebral. Elizabeth recebeu a carta dias depois da morte de Burton. Foi a única carta que Taylor não disponibilizou a Sam Kashner e Nancy Schoenberger. Vamos ler o que eles contam, no final de Furious Love: "Era uma carta de amor a Elizabeth, e nela ele dizia-lhe o que ele queria. Elizabeth estava em casa e ele queria regressar a casa. Desde essa altura ela mantém essa carta na mesa-de-cabeceira."

--

Até anteontem. Ou até à eternidade.


que chatice.
tantos anos depois e continuam a ser assombrosamente bons.
que chatice.
tantos séculos passados e há coisas que continuam evidentemente certas - e outras evidentemente erradas.
em tempo de relativismos à la carte, que chatice.

(o disco chama-se "revolver". e foi talvez um dos picos criativos dos beatles e seguramente um dos seus discos mais experimentalistas. como se o futuro estivesse já ali, a despontar, há coisa de quarenta anos. eu bem vos tenho avisado: olhem que "tudo é tudo". e que "ontem é já amanhã". e será isto relevante?, podem perguntar-me. respondo-vos assim: isto é a revolução, sem revólveres e balas, mas com "revolvers" e flores seminais. a verdadeira, portanto. brindemos a todos os "sweet hereafters" que nos esperam algures. e a tudo o que fomos. entre um e outros, está tudo o que somos.)

24 março 2011


"camino" é um filme de javier fesser.


e "mel" é um filme de semih kaplanoglu.


enquanto o futuro do país se decidia, uns quantos milhares dançavam - olá, leveza; olá, hedonismo - ao som de uma banda australiana com nome de site de internet. lá fora, podem chover canivetes, que haverá sempre uma forma de escapismo ready-made prontinha a consumir. de um ângulo especialmente favorável, olhava os rostos, frenéticos q.b., naquela espécie suave de transe e pensava: daqui a vinte anos, estaremos todos onde? enredados em dívidas e em dúvidas. com aquele sabor amargo de muitos nos sabermos anunciados "has been". precários, como agora se diz, em coisas exteriores e materiais. precários - líquidos, recuperando o conceito filosófico de que vos falei, há dias -, também em coisas mais estruturantes e identitárias (o que somos, como somos, quem somos). a tentação é grande e eu, pecador tentado, me confesso: apetece sair, esquecer, desaparecer, rumar a porto diferente. "precários nos querem; rebeldes nos terão", dizem, por aí, algumas das paredes da cidade. e nós, queremos o quê de nós próprios? convém perguntar, não vá um dia destes alguém devolver a pergunta e dizer-nos, de olhos na nossa cara: "precário e leve te quiseste; faça-se então segundo a tua vontade". entretanto, os rapazes vindos lá dos antípodas continuavam a agitar as massas, com o seu som feito de luz, de júbilo, de despreocupada alegria solar. e a pequena multidão mergulhava naquela espécie de mix de analgésicos misturados com antidepressivos, tudo ligado por cerveja - essa bebida democrática como nenhuma outra. ora aí está, democracia, uma excelente palavra. que nos leva, num instantinho, ao carácter político de tudo. entre o sporting e um concerto de ocasião, há um país adiado, cumprindo o seu pequenino e desgostoso destino. alexandre o'neill pressentiu isto, em muitos dos seus poemas. não poucos viam nas suas palavras poemas humorísticos, em jeito de farsa, com toques levemente surrealizantes. enganaram-se. o estilo era descritivo-factual, sem adornos. talvez agora seja tarde, mas é o tempo que temos e compete-nos, a nós, fazermos dele alguma coisa ou deixarmos que alguém dele faça uma coisa outra. a história, é sabido, tem horror ao vazio. there is no such thing. e a escolha far-se-á, muito provavelemente, através de um regresso à política - evolução / ajuste - ou através de uma descontinuidade - revolução. as terceiras vias são uma utopia sem lugar na verdadeira História. portanto e em suma: é tempo. considerem isto um conselho, talvez amargo, desencantado, cínico - admito que sim, que pode ser o caso.. ou então vejam isto como um conselho, quase lúcido, de quem só vos quer bem - um conselho de amigo, portanto. and, please, get ready for the floor. just in case.

23 março 2011

uma evidência, às 13h36 de uma quarta-feira

que me desculpes tu 

(sujeitinha algo abstracta)
bem como o poeta daniel havier 
que primeiro o escreveu 
(ou, vá lá, quase..)

mas ocorreu-me agora mesmo 

- será isto um poema? -
que a simples ideia
de que possas existir
(algures, já não peço muito..)

ajuda-me a sobreviver.


LARGO DO PENEIREIRO

para a Inês


Tudo se perde, claro. Mas lembrarei
seguramente os olhos vermelhos
de um gato de Alfama e todos os poemas
que não escrevi contra mim próprio,
naquele pátio aberto a ciladas e dissipações.

Vinho tinto, charros, paixões escarnecidas
num diálogo de guitarras desatentas.
Tu fazias vinte e quatro anos, é certo,
e dizias com maior razão que aqueles olhos na noite
pertenciam a uma gata. Perdida, achada luz,

quando se percebe o desabrigo, a difícil
pertença a esta espécie de gente,
comunidade de loucos deserdados a que
o empregado, de bigode, chamou
«o pessoal da bebedeira». Porque isto
que não passa, sabemo-lo bem, é a vida

ou a morte, uma perda que dura
e que não se apaga assim, sob um cerco
de navalhas ou de inúteis, vigorosos
sentimentos. Por exemplo o amor,
essa estranha mistura de angústia, desejo
e novamente angústia. O não apenas sexo
de adormecer em braços reais
que afastem para sempre o mundo.

Mas acabo por subir cambaleante as escadas
à hora em que o vizinho de baixo
se prepara para ser uma pessoa altamente
honrada, no talho de bairro
que lhe dá sentido aos dias.

E não é dor, nem prazer, nem
ressentimento o que um corpo
sente, às seis da manhã, prostrado
na lama involuntária destes versos.
Antes um vazio imperfeito, uma
ferida sem lugar que nenhuns lábios,
sequer os teus, saberiam calar.

Fizeste, já disse, vinte e quatro anos.
Não esperes grande coisa da felicidade.


manuel de freitas

22 março 2011


pois é, a gente já sabe, este é mais um dos tipos esquisitos que este blogue desencanta, com esmero e afinco, volta e meia. para mais, um rapazola prolixo, que mete cá fora disco após disco, nenhum deles exactamente falhado, mas nenhum deles imaculado. rewind. há meia-dúzia de anos, ryan adams - é dele que falamos - lançou-se nesta coisa da música em nome próprio (antes, havia tido bandas e outros projectos mais ou menos anódinos ou mais ou menos anónimos) com um disco chamado "heartbreaker" (e que, convenhamos, é todo um programa). deste disco, sabem os que me são mais próximos, bem posso dizer que é um dos discos da minha vida. um dos 100. um dos 50. talvez mesmo um dos 20. para quem gosta tanto, mas tanto, de música e de canções e de coisas assim, dizer isto é dizer qualquer coisa de substantivo, acreditem. diziamos que o rapaz lançou-se nestas lides com esse disco, "heartbreaker", um disco de 15 canções, cujo alinhamento sequencial, talvez entre a faixa 1 e a faixa 10 ou 11, é pura e simplesmente avassalador. nunca mais gravou nada assim, apesar de ter gravado discos razoáveis e canções boas, sem qualquer favor. dizem-me agora que se vai estrear em portugal, daqui a dois ou três meses. num daqueles projectos sonhados, que todos temos, este seria um dos nomes que eu traria a portugal - uma espécie de "winter session's", dedicadas a concertos a meio caminho entre o intimista e o emocional e melodicamente arrasador, naquele registo especial que faz de certas coisas, isso mesmo, inesquecíveis. ryan adams, como toda a gente, pode dar maus concertos. mas, suspeitamos, ryan adams pode dar concertos que perduram em nós, anos a fio. talvez em junho, creio que é o mês, já em pleno verão, o inverno e as flores desçam até à aula magna. ou subam, que isto de posições relativas nunca é ciência exactamente exacta.. ryan adams perdeu-se em vícios e dependências, pelo caminho, como tanta gente que estimamos (e como alguns que conhecemos). nós, que da vida sabemos umas poucas coisas, sentimo-nos sempre próximos destes tipos, seguindo aquela linha de afectos lançada por jack kerouak (e se não foi ele, as nossas humildes desculpas) que dizia que só se interessava e só lhe interessavam as pessoas que nunca se aborreciam, aquelas que ardiam como fósforos. é também por isto que ryan adams é cá dos nossos. porque podia ter sido tudo, ou mais, ou diferente, porque pode ainda ser tanta coisa diversa.. mas não, calhou ter sido assim. e é exactamente assim que gostamos dele. com palavras tristes, com uma poesia profundamente melancólica, com uma harmónica que geme e chora e nos toca, com uma viola que nos embala e dá o açúcar de que precisamos para seguirmos esta eterna viagem.
bem-vindo, amigo. e obrigado pelas centenas de vezes que escutei "heartbreaker", na íntegra ou quase, sózinho - mas não só - e senti que sabias exactamente, dor a dor, tudo o que de escuro me ia no coração. e isto, na vida como no resto, não tem preço. mas tem valor.

21 março 2011


Simone Weil lamentava que se considerasse a estética como um estudo especial, uma recôndita disciplina universitária, pois «a estética é aquilo que nos torna o espaço e o tempo sensíveis». Sophia de Mello Breyner escreve: «Dizer que a obra de arte, que o poema faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. O poema, a obra de arte faz parte do real». De facto, a beleza não é um atributo, um campo à parte, uma moeda de troca, um consolo, uma técnica, um código simbólico, um artifício, uma especialidade, um suplemento, como se o Ser e a Beleza se pudessem, de alguma maneira, separar. Aquilo que o poema ensina é que a beleza é uma metafísica concreta, um ponto de união entre o invisível e o visível, encarnação do espírito, forma sensível daquilo que é suprassensível. Contra o mundo domesticado dos discursos, o poema restaura a inevitabilidade da experiência.

Procurar uma sílaba: poder-se-ia descrever assim a sua demanda. Enfrentar o máximo no mínimo, no insignificante, no inútil, no ínfimo, no reduzido, no simples fragmento, na pequena dobra, no pormenor. Enfrentar o absoluto no débil e relativo, a imensidão no côvado minúsculo do que diariamente, do que obscuramente divisamos. Isso que nos esforçamos por esquecer, porque a nossa vida estremeceria se em vez dos discursos que nos saem tão fluidos ou temos à mão para explicar tudo, para nos justificar a nós próprios, tivéssemos que passar pelo embaraço de procurar as sílabas, de habitar o silêncio, a infatigável atenção, a longa e áspera noite do não-saber com seus corredores desertos e alagados, como quem espera a salvação.

Se a filologia ensina alguma coisa sobre os processos humanos, podemos então concluir que o poema é, antes de tudo, uma forma de acção. A existência é feita de acções: lavar o rosto, preparar os alimentos, declarar um amor, cumprir um rito de tristeza, levantar a mão num aceno quase impercetível. De todas as ações que compõem a vida, umas são exteriores, outras interiores. Umas são passadas, outras ainda chegarão. Mas nenhuma destas divisões é muito rígida. Porque, simplesmente, há coisas que não passam. E há acontecimentos exteriores que se gravam em nós, nunca saberemos bem de que maneira, como o nosso segredo mais íntimo. O poema é uma acção humana, entre outras. Só isso. Que sabedoria a daqueles poetas chineses para quem a arte dos versos não se sobrepunha à arte de varrer o pátio da sua casa.

O poema só pode ser um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.


José Tolentino Mendonça

porque hoje é primavera e porque hoje há poesia e porque a primavera poder ser poesia e porque a poesia pode ser qualquer estação - portanto, também primavera. e porque este gesto é, em si mesmo, a ilustração dessa coisa a que chamamos "a poesia humana". haverá outras, mas, cremos, nenhuma como esta.

(o frame é retirado de um filme do mestre yasujiro ozu, um dos grandes cineastas japoneses e um dos maiores criadores cinematográficos "tout court". talvez o realizador que melhor terá filmado "o japão do homem comum" - aquele que é diferente de nós e tão igual a nós, ao mesmo tempo).

20 março 2011



talvez te lembres de quando estavas vivo e era de noite e fervias de febre juvenil por dentro e por fora e escutavas noite fora ou noite dentro a tsf no tempo em que era uma rádio em que passavam canções assim e no tempo em que de madrugada o silêncio da noite era adornado pelas magistrais lições daquele rapaz que morreu e que achas que se chamava luis mateus e que te ensinou coisas como a correcta maneira de soletrar a palavra momus e depois era já uma noite diferente uma noite alumiada que é uma palavra mais pobre mas mais bela do que a sua irmã iluminada dizias ali atrás que talvez te lembres desse tempo vinte anos passados agora é de dia ou de noite mas uma noite diferente e a tsf já quase não existe rendida à guerra dos números como quase tudo aliás o que te cerca também o luis já morreu cedo como quase todos aqueles que os deuses amam dizemos nós para nos enganarmos oxalá não nos enganemos oxalá as coisas mudaram mas tu talvez to deva recordar ainda estás vivo e isso meu caro é uma tremenda responsabilidade escreveste um dia que somos tão poucos a cantar pois bem que sejamos se só restares tu e restares vivo ficas a saber que é a tua a derradeira passada com o testemunho a chama eterna a feroz beleza das coisas certas e o milagre que é o vislumbre da beleza mais excelsa aquela que corta a noite em pedaços para ta devolver em dias de primavera prometendo aquilo que nunca mais tiveste o agosto feliz de antigamente quando a rádio era ainda possível e o mundo uma promessa na ponta dos teus lábios e os dias claros e translúcidos e tu eras ainda um projecto seminal de tudo aquilo que podias ser e ser e ser e ser enquanto ouvias cocteau twins e prometias a ti próprio nunca abdicares de seres tu mesmo se sózinho mesmo se radicalmente utópico essa formidável forma de revolução tal e qual a ideia de felicidade que te serve de combustível para as malambas desta vida the voyager circus maximus tender prey são alguns dos discos de momus que também se chama nicholas currie esse mal amado autor de canções que zombam só porque nos amam como aquelas distâncias que são a exacta medida do nosso desatino e o castigo por por vezes nos esquecermos de que estamos vivos e de que isso nos obriga a estarmos vivos.
digam comigo:
- a melhor poesia é a poesia quê?, a poesia quê?, a poesia concreta.
outra vez:
- a melhor poesia é a poesia concreta. a melhor poesia é a poesia das coisas concretas.
muito bem!

esta manhã, num banco de jardim perfeitamente enquadrado por este esplendoroso azul solar, esta manhã, num banco de jardim perfeitamente enquadrado pela placidez de uma urbana pequena praceta, dois livros, meticulosamente abandonados, olhavam para mim.

o primeiro deles, escondendo sob si o segundo, era, nada mais nada menos, do que a edição portuguesa (editora bertrand) de "annie hall", de woody allen (no fundo, o livro é quase o argumento que serve de trave-mestra a esse filme já clássico).

digam lá: poesia assim.. conhecem alguém que a escreva? bem me parecia.


the mirrors, esbeltos rapazes, ainda a afinarem o que há-de ser uma máquina. a canção chama-se "fear of drowning" e as imagens foram captadas há poucos meses. reparem no som totalmente anos oitenta, apesar da tecnologia electrónica em palco. reparem no visual, algures entre o retro e futurista - mas impecável. reparem nos gestos, como se os germânicos kraftwerk tivessem reencarnado, nestes sobrinhos por tangente. reparem na melodia em expansão, muito new order. reparem em como hoje é ontem; e em como ontem era já amanhã. como sempre vos tenho dito, o tempo é o inimigo externo. o resto são coisas cá dentro. o que quer dizer também aí dentro. sorry about that, folks. e perguntam-me: como é que uma cançãozinha tem tudo isto dentro dela? é simples: porque tudo tem tudo. e esta é a cosmogonia em que escolhi acreditar. isso e aquela coisa de ter bom coração - muito diferente de se ter um coração bom, em bom estado. the mirrors, esbeltos rapazes que só podem ser súbditos de sua majestade. e, por baixo, por dentro, por cima, por fora, algo a sonhar(-se). a sonhar-te, também. sempre.

19 março 2011

isso.

Zygmunt Bauman é um dos mais influentes, e de certo modo iconoclastas, pensadores contemporâneos. Dele, interessa-me especialmente o conceito de "liquidity".  Bauman fixa a expressão "modernidade líquida", como metáfora para aquilo que também pode ser visto como "the incredible lightness of modernity".
Como eu o entendo. Touché, amigo Zygmunt.

18 março 2011



i. película

o sol da tarde
atrás da esquina da cidade,
e cada segmento de pele,
e cada pensamento
permanecem sobrepostos,
e nada se pode ocultar
porque tudo sai a reluzir:
as cartas sem resposta,
a ingratidão,
uma memória curta.

piotr sommer


ii. terra de gelo

a ideia
de que existe algures
um país como a islândia

ajuda-me a sobreviver.

daniel havier

No dia em que se despediu do mundo, Cesare Pavese deixou um bilhetinho manuscrito que dizia assim:

"Perdono tutti e a tutti chiedo perdono. Va bene? Non fate troppi pettegolezzi."

Quer dizer algo como:

"Perdôo a todos e a todos peço perdão. Está bem? Não especulem demasiado."

 E era isto que vos queria dizer.

grande pequeno filme. e com esse pequeno grande detalhe: conta a história da nossa vida.


rainbow arabia.
ou de como os anos oitenta nunca verdadeiramente saíram de cena.
nada contra.

17 março 2011



sim, porque eu uso ck eternity - summer.
for man.

16 março 2011

[a partir de "gertrud", um filme de carl dreyer. não, não é em 3D, nem americano.]

diz quem?
ela?
ele?
ou a figura idealizada na pintura?

quase trágica, esta perene dúvida.
curtas

1. quando falo do sporting esse tema quase sagrado! -, uso muitas expressões que não utilizo no meu dia-a-dia. o jargão é próprio das relações intensas e dos microcosmos, não é verdade? ora bem, uma delas é "a pandilha corporate". não vou explicar aqui o que quer exactamente dizer (em boa verdade, nada de relevante). mas pensava, para comigo, em como esta expressão se aplica em tantos e a tantos outros contextos..

2. que há em comum entre: cass mccombs, ryan adams, sufjan stevens, m. ward, the national e twin shadow? isso mesmo.

3. claro que eu podia ser diferente. mas não seria a mesma coisa. e, nos tempos que correm, convém, ao menos, manter a identidade. é que não convém muito perder todos os pontos de referência. digo eu, que não sei nada. mas sobre esse nada acho que sei quase tudo.

cuidem-se. que eu também não.

15 março 2011



todos nós, muito de vez em quando, acordamos. todos nós, muito de vez em quando, olhamos pela primeira vez para alguma coisa que julgávamos conhecida. todos nós, muito de vez em quando, nos maravilhamos com aquilo que julgávamos não merecer mais do que condescendência ou neutralidade. todos nós, muito de vez em quando. todos nós. muito de vez em quando. todos.

14 março 2011





a segunda banda australiana de que vos prometi falar é mais ou menos recorrente, aqui no "flores de inverno". os mais atentos terão já adivinhado que falo dos the go-betweens, essa maravilhosa máquina de produzir canções e comoção.
deles alguém dizia, e reparem que não é exagero, terem sido "os beatles de brisbane". como sou suspeito para falar destes rapazes, não vou dizer mais nada. a não ser relembrar algumas canções e dizer que pertencem, para todo o sempre, àquele punhado de bandas pop-rock que merecem a minha mais incondicional devoção e a mais exaltante adesão emocional.
(ia escrever o meu amor. e escrevi.)

que me desculpem por reproduzir aqui um bocadinho da abjecta "cultura paparazzi", mas acho que é por uma boa razão..

não acham que há qualquer coisa de bonito neste possível par: scarlett johansson e sean penn?

foi o que pensei. ;)

13 março 2011


anda para aí uma respeitável rapaziada a dizer, em quase todos os jornais cá da paróquia, que o mais recente filme de sofia coppola é um tédio, que é pobrezinho e, de tão displicente, quase insuportável.

acho-lhes graça, confesso. "somewhere" é um filme magnífico. e johnny marco, o actor de ficção encarnado com justeza por stephen dorff (o rapaz ali de cima) é alguém que bem conhecemos e com quem, com as devidas distâncias de escala, já todos nos cruzámos, uma vez por outra.

alguém que tem tudo - ou que assim pensa - e que acaba enredado, aqui sim a palavra aplica-se com propriedade, num tédio desolado, numa espécie subtil e letal de solidão. "podermos tudo" tem um pequeno problema - "usually, gets us nowhere". vem nos clássicos.

sofia filme o dia-a-dia deste pobre homem rico, da única forma certeira: retirando-lhe o brilho, a intensidade, o "glamour". num filme em que abundam mulheres esculturais e em que o nosso rapaz "gets what he wants", não é por acaso que o erotismo é quase nulo - tal como johnny marco adormece em pleno acto, nós, espectadores, apenas pressentimos o enorme desperdício e a persistente tristeza de tudo aquilo, movida a cigarros, comprimidos, horsepower made by ferrari, luzes falsas, lantejoulas baças..

bravo, sofia coppola. bravo, stephen dorff. bravo, elle fanning (a miúda que faz de filha de 11 anos de Johnny Marco - e que acaba por ser a única pessoa adulta que vemos em todo o filme, se pensarmos bem. e isto diz tudo, não diz?).
"E se Kenny ficou assustado? E se não volta?
Deixá-lo ficar fora disto. George não precisa dele, ou de qualquer destes miúdos. Não anda à procura de um filho.
E se Charlotte volta para Inglaterra?
Pode arranjar-se sem ela, se for obrigado a isso. Não precisa de uma irmã.
George voltará para Inglaterra?
Não. Ficará aqui.
Por causa de Jim?
Não. Jim agora pertence ao Passado. Já não tem utilidade para George.
Mas George recorda-o com tanta dedicação.
George força-se a recordar. Tem receio de esquecer. Jim é a minha vida, afirma. Mas tem de esquecer, se quiser continuar a viver. Jim é a Morte.
Nesse caso, porque ficará George aqui?
Foi aqui que ele encontrou Jim. Acredita que encontrará aqui um outro Jim. Embora não o saiba, começou já à procura.
Porque acredita George que o encontrará?
Ele só sabe que tem de encontrá-lo. Acredita que o encontrará porque tem de o encontrar.
Mas George está a envelhecer. Dentro de pouco tempo não será demasiado tarde?
Não utilize essas palavras quando fala de George. Ele não lhes dará ouvidos. Não se atreverá. Diabos levem o Futuro. Kenny e os miúdos que o gozem. Deixem que Charley guarde o Passado. George apega-se apenas ao Agora. É Agora que tem de descobrir outro Jim. É Agora que tem de amar. É Agora que tem de viver..."

Christopher Isherwood, "Um Homem Singular"

Ou a história do senhor Oki Toshio e da menina Otoko Ueno.
Disto, já não há muito.

12 março 2011


entretanto aguardo com paciência o que vem
bebo da árvore com sal,
confio a esperança ao que vive a derrota.
mas o poema fala, fala de si
apanha o real porque nele está
quem o escreve, que sou eu
que procuro deixar um sinal de quanto nos esmagam
a todos os que são nós.


um poema de Joaquim Manuel Magalhães,
relembrado (vivo, portanto) pela Alexandra Lucas Coelho (essa excepcional grande repórter do jornal Público).




algures, entre os inícios dos anos oitenta e os inícios dos anos noventa, existiram, vindas da longínqua austrália, duas bandas gloriosamente românticas, imaculadamente melódicas - autêntico nec plus ultra da música pop adulta.

a primeira dessas duas bandas que aqui relembro chamava-se The Triffids. Iluminada pela pena do seu inspirado - e negro, fruto das suas muitas dores e dependências, na chamada vida real - líder, foram capazes de criar canções assombrosamente belas. e, claro, desesperadamente românticas.

em cima, três das minhas "personal favourites". hoje, ninguém quase se lembra destes rapazes. não importa - eles foram tanto. portanto, eles são e sempre serão o tanto que foram.

the triffids.

11 março 2011

i wanna go somewhere (brincando aos clássicos)

raymond carver, john cheever, flannery o’connor
e mais autores de cabeceira - uns quantos -
desarrumados aos deus-dará pelos cantos

numa pungente e certeira radiografia humana.
histórias de desolação e estórias de desalento
cerzidas com escarpas e escaras, rente ao relento.

tudo nos recorda essa grande e gasta gesta:
nascer, viver, morrer, enredados em malaise suburbana,
ficando sempre, apesar do salto, bem aquém da taprobana.

é vero (e, se não é, é bem achado):
rapazes, é desta que se acabou a festa.

10 março 2011

09 março 2011


a partir do livro "a single man", tom ford, menino bonito do "catwalk", criou um filme visualmente assombroso, há um par de anos atrás. colin firth arrancou, nesse filme, a verdadeira performance que lhe valeu o óscar deste ano - chama-se justiça poética "em modo delay", este efeito.. -, mas o que mais nos interpelava nesse filme era a combinação de uma expressão visual imaculada (e não era só o "production design", a estética, mas também o domínio da câmara e da própria "mise-en-scene") com o estremecimento interior que o filme causava. como se areias movediças invisíveis e silenciosas nos tragassem, enquanto saboreávamos uma vista magnífica, numa estância estival "top". a metáfora é forçada, mas o filme era assim - brilhantemente dúplice, no verso e reverso, na perfeita forma ao exacto serviço do certeiro conteúdo. agora que estamos a ler o livro, escrito por aquele senhor ali de cima (christopher isherwood), na sua versão traduzida, percebemos que grande parte do brilho que o filme transmitia era uma construção - um filtro, se quisermos. algo que servia para extremar, pelo efeito contrastante, não para atenuar, mas, ainda assim, um filtro que operava sobre a realidade que o livro, cremos, pretendia transmitir. e qual é essa realidade?, perguntam vossas excelências, com muita razão. a realidade que fica, desligados filtros e máquinas de brilho, é o resto. e o resto é, como dizer, de uma lucidez amarga e desencantada que chega a magoar. george falconer é alguém que vê o tempo passar (como todos nós?), mas, por defeito ou virtude, sem a capacidade de desligar o seu permanente sistema de aguda inteligência interpretativa. é esta espécie de lucidez maldita que o impele a uma existência quase, quase, quase cínica. só jim, o amante já morto quando arranca o livro, parece funcionar como antídoto relativo. mas jim está morto. e agora, george? a caminho da morte, com perfeita e permanente consciência disso. e agora, george? grande filme, grande livro. profundamente tristes, um e outro. verdadeiros, portanto. azar o nosso.

(é desta que fico sem leitores!)

Olho
uma rosa vermelha
numa jarra vermelha
Vejo
o absoluto vermelho
da absoluta rosa

ana hatherly

a actriz blake lively, para chanel.
a nossa 'gossip girl' na alta roda 'fashion'.
a quintessência de um certo ar do tempo, também.
 'tá certo.

08 março 2011



"a noite passada" é uma lindíssima canção clássica, de sérgio godinho, que não me sai da cabeça.

cheguei-me a ti
e disse baixinho: olá
toquei-te no ombro
e a marca ficou lá.

quem escreve coisas assim, só nos pode querer mal.
rais'te partam, sérgio!
paulo nozolino

jean-luc godard disse, com aquela displicência do génio, que "o melhor do cinema é a parte da vida e que o melhor da vida é parte do cinema". assim ou ao contrário. assim e ao contrário.

felizmente, há muitos anos - há décadas, creio bem -, que sei isso. assim, quando a chuva química cai, fecho-me num grande quarto escuro e entro em rigoroso regime. nada de esbanjar palavras, nada de festarolas, nada de poesia. alimento-me de filmes e é neles que encontro o caminho de volta. my own way back, so to speak.

foi assim que me enfrasquei, não de bebidas à base de álcool, barbitúricos, estimulantes, não de livros em catadupa, não de tabaco ou outros consumíveis da mesma família - em sentido lato -, mas, dizia, foi assim que me enfrasquei de filmes.

"true grit", "the last fighter", "blue valentine", "somewhere".. dizer o quê?

talvez que jeff bridges é jeff bridges, o que é dizer muito - one of a kind. dizer que ryan gosling é um rapaz cá dos nossos e que a michelle williams tem qualquer coisa de denso (ou não fosse a viúva do malogrado heath ledger, na vida real). dizer que sofia coppola faz um filme que arrisca o vazio como forma de (de)mo(n)strar esse mesmo vazio (o de quem acha que tem tudo, mas suspeita, deep deep down, que não tem nada). que "the last fight" é mais um daqueles filmes americanos bem carpinteirados, onde a família é, per se, uma personagem avassaladora e onde abel e caim praticam aquela especial modalidade de amor-ódio que, afinal, é só amor entre irmãos. que melissa leo e christian bale talvez tenham mesmo merecido os óscares de melhores actores secundários. e que este último, christian bale, oscilando perigosamente entre o overacting e o cabotinismo, arranca uma interpretação cuja verdade nos dói. a par de sean penn, é, por estes dias, um actor em que acreditamos. e, nos filmes como na vida, tão poucas são as pessoas de quem podemos dizer o mesmo..

n'est ce pas, monsieur godard?


dedicado às três meninas da casa de chá. nunca lerão isto, provavelmente. mas o vosso tripartido sorriso fez toda a diferença. the comfort of strangers, isso.

07 março 2011



desligar a electricidade. ainda assim, escutar joy division, new order, the cure, the smiths - et al -, nesta canção. twin shadow, a reinventar a sua "slow".
10 anos a lutar, 10 anos de coração partido, até chegarmos aqui, até chegarmos a isto.
pergunto-te: valeu a pena? respondes-me: valeu, pois!

06 março 2011



the wonder kid did it again.
se Deus me der vida e saúde, da primeira fila ninguém me tira, daqui a um par de meses..
paulo nozolino

(des)fibrilhações [desabafo andante]

Ando pela cidade, caminhando sob as águas, ou caminhando sobre brasas. Entre entrevistas de emprego, passeio um fato janota, de corte impecável, dissimulando canhestramente, e nem sequer com grande convicção, o que à vista salta. É dos meus olhos ou está nevoeiro, apesar da placidez da tarde? É dos meus olhos ou está nevoeiro e respiro matéria química apenas? Mergulho na nova livraria antiga. Tudo mudou, Deus meu. À porta, a livreira saúda-me e atira um "por onde tens andado? estás diferente..". Respondo que "tirando o facto de ter morrido e renascido", o que nem sequer é inteiramente verdade, "estou bem, obrigado". Lá dentro, a poesia, força centrípta, esmaga-me. "The heart is a red yes", grita um livro. E é já um rapaz dobrado em dois - ou talvez por isso - quem ao punch brutal se escapa. É tarde. É sempre tarde, nesta cidade. Eu sou o que não é, o que não está, o que não foi, o que nunca será. Uma espécie de improbabilidade metafísica, um delírio de gosto duvidoso, um erro. Eu berro, eu grito em Grego, eu morro em segredo. Lisboa: às vezes, odeio-te-me-nos. Isso tudo. Isto tudo. E amor. El bandido.
"Joga com energia e rapidez, com uma mestria cruel, mostrando os dentes brancos sem sorrir quando devolve a bola. Vai ganhar. O seu adversário, o rapaz grande e louro, já o sabe; a sua defesa reveste-se de uma galanteria comovedora. A sua beleza é tão suave, tão natural, tão nobre; e no entanto o seu corpo marmóreo, de linhas clássicas, parece constituir uma desvantagem para ele. As regras do jogo impedem-no de funcionar. Devia deitar fora a raqueta inútil, saltar a rede e obrigar aquele gatinho cruel a submeter-se à sua força marmórea. Não, pelo contrário, o jovem louro aceita as regras, escraviza-se a elas, prefere ser derrotado e humilhado a quebrá-las. A altura e o tom claro do cabelo conferem-lhe um ar de nobreza antiga. Fará um jogo limpo, como um desportista perfeito, até perder a última partida. E não irá isto acontecer-lhe durante toda a vida? Não continuará a envolver-se no tipo de jogo errado, no tipo de jogo para que não nasceu, contra um adversário que é rápido, inteligente e impiedoso?"

Christopher Isherwood, "Um Homem Singular"

05 março 2011

paulo nozolino.
um dos heróis negros do flores, em tempo de escassez.


rock and roll visceral é ainda o melhor analgésico.

aqui, por entre flores delicadas, há espaço para ultra-violência vintage. aquela que ninguém vê, mas que, por onde passa, deixa uma verdadeira pista de cinzas, ossos quebrados por dentro, disformidade.

esse tráfego nocturno e viscoso
de animais mortos
que ainda vivem.

'fiz algumas escolhas erradas, outras ainda piores, até que fiquei sem escolhas.'

anna-nicole smith, por estes dias leit motiv improvável de uma ópera (isso mesmo, de uma ópera). ou de como mesmo trash philosophy is still philosophy.

de resto, lisa germano, alguém que esteve quase, quase, quase a desistir. mas que recomeçou. alguém cuja delicadeza infinita transforma numa freak destes dias.

the darkest night of all, rapariga. e disparamos os dois, rentes ao abismo.

sem rumo, sem remos, mudamos de ramo, amor.

04 março 2011


não sou feliz, quando escrevo.
não sou feliz, quando não escrevo.
vivo? menos do que devo.
bebo? menos do que como.
não sou feliz, quando vivo.
não sou feliz, quando morro.
estado? menos direito que torto.
temperatura? menos quente que morno.
não sou feliz, quando choro.
não sou feliz, quando corro.

de resto? sou feliz e adoro.
(mas é decerto por erro..)

recomeçar, como sempre: straight to your heart.