06 março 2011

paulo nozolino

(des)fibrilhações [desabafo andante]

Ando pela cidade, caminhando sob as águas, ou caminhando sobre brasas. Entre entrevistas de emprego, passeio um fato janota, de corte impecável, dissimulando canhestramente, e nem sequer com grande convicção, o que à vista salta. É dos meus olhos ou está nevoeiro, apesar da placidez da tarde? É dos meus olhos ou está nevoeiro e respiro matéria química apenas? Mergulho na nova livraria antiga. Tudo mudou, Deus meu. À porta, a livreira saúda-me e atira um "por onde tens andado? estás diferente..". Respondo que "tirando o facto de ter morrido e renascido", o que nem sequer é inteiramente verdade, "estou bem, obrigado". Lá dentro, a poesia, força centrípta, esmaga-me. "The heart is a red yes", grita um livro. E é já um rapaz dobrado em dois - ou talvez por isso - quem ao punch brutal se escapa. É tarde. É sempre tarde, nesta cidade. Eu sou o que não é, o que não está, o que não foi, o que nunca será. Uma espécie de improbabilidade metafísica, um delírio de gosto duvidoso, um erro. Eu berro, eu grito em Grego, eu morro em segredo. Lisboa: às vezes, odeio-te-me-nos. Isso tudo. Isto tudo. E amor. El bandido.