31 julho 2010




em verdade te digo:
oceanos inteiros chorarás
até vislumbrares terra firme,
um porto de abrigo.
de resto, sabes bem a tabuada, rapaz:
perigo e espanto rimam em ti
com fogo eterno e feminino.

era uma vez:

3 andamentos em binário "molto vivo":

1. quanto a ti, não sei se sei; quanto a mim, sei que acredito..

2. score: 10-3: advantage to sweetness..

3. flowers of the world unite and take (us) over..

e foi assim.

30 julho 2010


- conforta-me pensar que algures, num universo paralelo, há dois sósias nossos que optaram pela alegria.
- o futuro é uma dimensão paralela, não é?
- acho que sim.
- então, de certa maneira, hoje já é uma espécie de futuro.
- face a ontem, por exemplo..
- exactamente.
- isso.

Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.

29 julho 2010


uma espécie de poema, i suppose.

28 julho 2010

o homem que distribuía meio-croissant, pela manhã, era uma espécie de guerreiro zen, cultivando um corpo em forma, enquanto cuidava de fortalecer o espírito. a frugalidade ao serviço daquele velho mandamento: deseja menos e terás mais. algo assim. e, pelo caminho, faz o bem. algo assim.

anos depois, quando precisou de um rim, o dador que o acaso escolheu era um daqueles maltrapilhos que, anos antes, haviam sido escolhidos pelo destino como destinatários de meios-croissants matinais.

do dalai lama se diz ter dito que a sua única religião era ter bom coração.
- conforta-me pensar que algures, num universo paralelo, há dois sósias nossos que optaram pela alegria.
- o futuro é uma dimensão paralela, não é?
- acho que sim.

'o risco da língua na pele (por dentro dela) é o risco
que correm os dias de se tornarem belos.'


'o mundo não acaba no frio dos teus ossos (pensa ela)' é o assombroso título de um livro de poemas da senhora rosa alice branco que, de certa maneira, me tem preenchido estes dias. ler poesia é saber que se corre sempre o risco da inscrição - a poesia como tatuagem emocional, perigosamente indelével.

este livro tem passagens que causam sobressalto, estremecimento, toda uma míriade de sensações subjectivas que nos causam uma constelação de impactos.. bastante objectivos.
mais do que brincar com palavras (que é o que eu faço, bem vistas as coisas), é tempo de dar tempo e espaço a quem faz da escrita uma forma de preciosa alquimia.

senhoras e senhores, a palavra portanto, e sem mais delongas, a rosa alice branco, na primeira pessoa. porque, como bem sabemos, 'o mundo não acaba (mesmo) no frio dos teus ossos (pensa ele)'..


é assim que respira (nele), assim que propaga
o dia no seguinte como um mapa aberto
para o tempo. não é disso que se morre:
de não haver explicação para o que sabe.
a morte deve ser outra coisa que inventámos:
dar um nome ao que falta, salvar alguém de costas.
ela volta o rosto (nas mãos dele) atira os olhos
ao chão para sentir a pedra, a larva no copo,
o cheio da página no livro aberto a meio.
sente o cheiro (dele?) nessa folha. pergunta
onde estará o próximo capítulo como se escrever
o adiasse. salta as páginas, tropeça num amor
que desconhece. um, nómada do outro,
andam pelos dias colados à pele que despem
à tardinha. um órgão, um sentimento, uma linha
em verso: tudo se confunde num só corpo.
beija-lhe o pé (que agora é ela),
faz a cintura com as mãos, desfaz as pernas,
com a exactidão dos dentes.
rangem as entranhas, arrancada a carne
pelos cabelos, e adormecem esventrados
nos sabores do verão. mas não é a morte
que destece o corpo. a morte é o que inventámos
para não cuidarmos dela. nómadas de tudo
(e mesmo deles) saltam com rãs sobre cerejas.
parece dia no lençol caído, o dia a levantar-se
em desalinho com um beijo colado na dobra.
o risco da língua na pele (por dentro dela) é o risco
que correm os dias de se tornarem belos.
página ilegível.tingida pela carne das cerejas.
saúda até à última letra, ao primeiro gemido
(que arde deles) na almofada da manhã seguinte.

--

(..)
as mães sempre chamam pelos filhos.
quando sabem que a ora do almoço findou
continuam a vê-los entrar pela porta
com sorriso de criança endiabrada.
depois que todos se levantam da mesa
elas estilhaçam o prato contra o coração
e continuam mães
com os olhos cansados e as solas gastas
de esperar ao frio para todo o sempre.

--

(..)
quem podia adivinhar que o teu corpo
era a alavanca do meu?

--

(..)
que ninguém suspeite
da doçura deste amor: a única violência indispensável.

--

sentados na relva, os meus cabelos nas tuas mãos
anelavam os dedos de silêncio
e estar assim nunca foi tanto e te amei mais.
gostava de saber porque estavam húmidos os olhos
dos patos. talvez soubessem que os nossos ossos pesam menos
que o sonho de voar. os cisnes escondem todo o drama
da existência no pescoço. desconfia dos cisnes, meu amor,
que eu tenho asas e deslizo sobre ti como uma ave partida
em tu e eu. mas com o sol da tarde e a minha cabeça
deitada em ti e tu inteiro no colo que era meu
a realidade a pino entrou a correr no parque
e apeou-se em nós para colher abrigo.
mas ela pedia com o olhar e com palavras
e nós sabíamos tudo: quanto queríamos sofrer
e de que dor (se riem eles) tirar todo o prazer
e logo o dar. talvez haja suor nos olhos dos patos,
e o teu sal a temperar-me a carne, a forçar
ervas aromáticas com os dedos lambuzados
de saliva nos meus olhos. e ficava a ver-te
quando tremias de calor ou cobria-te mais
dentro da boca. descalça. sobre as uvas de antes,
os meus pés dardejavam a fermentação do vinho
que tingia a roupa. ao rubro dentro do vestido.
realidade suculenta a dança. é assim que engano a lei
da gravidade com os ossos de ave a resistir ao peso
e vivo ao rés do solo onde te encontro no festim do riso.
lá fora a relva está chovida. sacudo as asas para te voar.

--

(..)
a única ilusão verdadeira
é o meu corpo a escorrer no teu. tudo, tudo em nós
é líquido e é isso que não sabes ser.
nada disto é muito claro. escreverei
até ser manhã também em mim.
as cerejas luzem a acordar para a ignorância.
mas respiro e tenho ainda um beijo por dar.

27 julho 2010


na tarde do passado domingo, entre pequenos passeios pelo bairro e um passeio de carro com um objectivo bastante mais preciso, oscilei entre trocas de sms - esse diletantismo algo dandy moderno - e a leitura de um livrinho de poemas de rosa alice branco, cujo nome me escapa, mas que terá sido uma das últimas obras colocadas no mercado pela chancela da agora extinta editora quasi (do jorge reis-sá, para os mais sabedores destas coisas).

isto para dizer uma coisa tão simples: o que eu gosto da rosa alice branco. dos seus poemas transbordantemente humanos, dessa sua feliz forma de conjugar 'as pequenas coisas', dando-lhe transcendência, beleza e uma pontinha - justa - de emoção.

chama-se rosa alice branco, é professora universitária, ensaista, poeta, etc. é uma mulher que vale a pena conhecer - ou melhor, é uma autora que vale a pena conhecer.

ah, e já me esquecia, é das poucas pessoa que sabe escrever sobre o amor erótico com elegância, pungência, urgência, sensualidade - coisa nada pouca se considerarmos o limitado canône do erotismo literário em Português..


a irreversibilidade do tempo

não te importes amor
se tivermos a alma em desalinho.
amanhã cortaremos as sombras do quintal
sem acreditar que as sombras devam ser
sombrias. mas é reconfortante acreditar na língua
e na sabedoria popular
e em tudo o que nos torna cúmplices.

não te importes se for outono. nunca pensaremos
que as coisas declinam porque nos amamos,
conjugaremos todas as estações com este amor,
pagaremos os impostos - agora é mais fácil
com o multibanco -, escreverás cartas
e algumas deixarás de escrever
porque as penas do edredão são leves
e não é saudável resistir ao amor.

não te importes se estivermos ocupados
com pequenas coisas. és tão belo
a limpar a louça como a dizer um poema,
a arrumar os papéis ou a desabotoar-me o vestido.
pão nosso nos dai hoje e a torradeira amanhã bem cedo,
o forno quente, a manteiga a escorrer, a tua mão a segurar
a chávena e todas as coisas que nos fazem sorrir
só porque nos amamos e o sabemos
por hoje e pelo tempo que virá,
porque resistimos à burocracia e ao cansaço,
porque aprendemos a olhar o rio
a ver como é diferente quando o dia nasce, quando
a noite cai, quando uma chuva miúda torna a terra fértil
e cheira a estrume, a merda de alcatrão lavado.

não te importes amor se hoje te amo tanto.
amanhã tem mais uma sílaba
e é com ela que te conjugo entre os lençóis.

rosa alice branco

26 julho 2010



'Ó', de Nuno Ramos, multifacetado artista brasileiro e relativamente recente Prémio PT de Literatura, é um meteorito que ninguém sabe muito bem de onde veio, muito menos para onde vai - mas que todos aqueles que o olharem olhos nos olhos (ou, no caso, que o lerem) guardarão decerto num canto especial da memória.

ensaio filosófico? catarse existencial? filigrana construída com cérebro e coração em permanente despique? exercício de hermenêutica? ethos e pathos, no seu verso e reverso? reverberação subtil? cosmogonia privada? um homem em transe com a sua língua materna? fragmentos biográficos ampliados? uma comovente reflexão antropológica? tudo isto e nada disto.

o mais improvável elogio do meu ano literário: amigo exigente destas coisas das letras escreveu-me 'ao lê-lo pensei que podia ter sido escrito por ti'. vale o que vale que nestas coisas da amizade, mesmo que bissexta como é o caso, a lucidez normalmente entra num certo 'estado de suspensão'. mas que me deu ânimo e coragem para continuar a escrever.. lá isso deu. bem-haja, amigo.

'Ó' está editado em Portugal, pelas edições Cotovia. não há desculpas, portanto! ;).

24 julho 2010

eric matthews é um dos grandes escultores (de) pop que ninguém conhece. em 1997, edita 'the lateness of the hour', disco que, para além do soberbo título, encerra canções do calibre abaixo exemplificado. és grande, eric, és GRANDE.





(..)
i've got someone
who loves me today
she's not in the future
she's my morning parade..
hey, hey, hey, hey
hey, hey, hey, hey
(..)
connection and overflow
make shape disappear
we're turning the lights low
maybe trip and turn here..
(..)
(..)
nossas mãos
assemelham-se tanto a cidades destruídas
- jerusalém, meu coração.

mário rui de oliveira

lembrando esse divino rapaz, prematuramente desaparecido - jeff buckley.

23 julho 2010


(claro que quem diz laura diz ..............)

21 julho 2010


em 1972, leonard cohen tinha 38 anos - a minha exacta idade, neste dia em que escrevo.

em 1972, portanto, nasci eu próprio.

querem poesia?

take it.

20 julho 2010

do amor


passamos uma vida à procura do amor superlativo,
nos bosques, na boca de pássaros de fogo,
na copa das árvores mais distantes,
galáxias por inventar - pensamos.

e depois, sentados à beira de uma metálica cama,
a conclusão chega de mansinho
como tudo o que é óbvio
e que faz o seu caminho:

afinal o amor que tanto procuramos
não é o amor de quem amamos
antes de quem nos ama.

um amor destes não rima com romances, nem com palavras bizantinas, nem com constelações semânticas,
um amor destes não rima com erotismo que pede cama.

é tão simples:
o amor é
o nosso nome soletrado por quem nos ama,
matando de morte matada a morte macaca,
que ronda essoutro-objecto-agora-ainda-cama.

eu sou de quem me ama, mais cama menos cama.
eu sou quem com o meu nome faz milagres, magia, tornados, universos.
eu disse que sou de quem me ama?
disparate, meninos!

eu sou quem me ama.

19 julho 2010



estávamos no verão de dois mil e quarenta e seis
e havíamos vivido muito
(mais do que a nossa quota-parte, seguramente).

gelo quebradiço e amor in dolor,
sombras e luz,

excedendo largamente também a nossa humana parte
de perfurante literatura e de fina melancolia,
de fúria e lúxuria,
de vida devida,
de honrarias avulsas e de decadência chic.

estávamos também no verão de dois mil  e dez,
outra vez,

de onde nunca chegámos a sair.

18 julho 2010

17 julho 2010

16 julho 2010


calle principe 25



perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar

mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou.


josé tolentino mendonça
apesar de tudo,
há um caso de amor,
entre mim e a vida.

alberto de lacerda


que alegria, encontrar por um acaso, no escaparate da livraria alimentar mais próxima, um livrinho (editado pela fundação mário soares, a meias com a assírio & alvim) chamado 'o pajem formidável dos indícios').

alberto de lacerda é um dos nossos poetas secretos preferidos, por ousar um minimalismo expressivo exemplar, sem medo da grilheta tonitruante do efeito, e sem medo de uma escrita claramente ao serviço de um 'ethos' muito pessoal, discreta e firme - retirada do mundo, quase, como, afinal, ele próprio.

que alegria!

cuidado: o que a emoção dá a emoção tira.

15 julho 2010

14 julho 2010

13 julho 2010


num dia tão especial como hoje, aqui ficam os meus votos de que tenhas uma vida boa. e de que sejas um agente do bem, do belo, da alegria com sentido.

em vez de um poema - que já te escrevi ontem, se olhares com atenção para as linhas e as entrelinhas -, aqui fica a singela capa do disco que tem, talvez, o nome mais bonito da história da música popular moderna.

and then nothing turned itself inside-out

uma forma comovente de dizer 'milagre'. ou seja, sim, tudo é possível. portanto, também tu, yes, you can have it all..

12 julho 2010


era o dia seguinte à vitória de nuestros hermanos
corolário glorioso das olimpíadas de noventa e dois
vinte anos quase de esforço dedicação devoção
agora a glória (o lema do leão tem préstimo linguístico)

pensas como é difícil escrever sem pontuação
mas não naquele jeito moderninho tão português antes
de uma forma verdadeiramente refundadora da
respiração dos leitores (e respirar é viver)

querias à força meter no poema o manuel de freitas
que te inundou a tarde e a noite por entre futebol
e alegrias estranhas porque não tuas porque não vivas
tal como querias tão-só dizer mostrar lembrar o quão

difícil pode ser escrever poesia logo pela manhã
sem teres à mão fogo metafísico as dores vividas do dia
uma coisa qualquer que funcione como fulminante fulminante
(adjectivo e substantivo convém explicar este uso duplo

da palavra fulminante ao mesmo tempo mecânica de repetição)
aprendeste ontem que o poema qualquer poema não deve ter
palavras a mais nem palavras a menos antes as justas
daí ser tão difícil de praticar com a mestria que não ousas

mas dizias já lá bem atrás que é difícil escrever poesia
de manhã tal como é difícil escrever poesia em dias claros
ou como neste preciso e cartografado hoje aqui estou sim
em que quando te deitares serás provavelmente tio crente

nos mistérios da vida outra vez e em toda a vitalista
crença de que às vezes se a poesia mata outras tantas te
salva da prosa da vida como se a poesia mesmo sem acentos
e demais pontuação recusasse o papel testamenteiro e vil

que muitos lhe outorgam não hoje dizes para ti próprio
enquanto olhas o relógio que marca umas imprecisas dez
não hoje e recusas o abraço de urso da poesia enquanto
improvavelmente te diriges sózinho da margem para esse

estranho e externo a ti país - o da vida e o da alegria

11 julho 2010

o teu rosto,
essa plenipotenciária faísca.

10 julho 2010

quando abrimos as páginas do caderno Economia, do jornal Expresso, e damos de caras com um poema como 'diana of love', de rui pires cabral, fechamos os olhos e sentimos que, contra todas as macro e microeconomias do mundo, afinal ainda há salvação. e se ainda pode haver salvação para o mundo, talvez ainda possa existir redenção para nós próprios. a beleza da metafísica é esta.


Estávamos em Londres naquele dia de Setembro
em que foi a enterrar a Princesa do Povo. Não havia
barulho nos passeios, não havia casa aberta
onde pudéssemos comprar qualquer coisa
para merendar na relva de St James ou Kensington
Gardens: os próprios parques tinham mergulhado
num lutuoso torpor. Sentados à sombra, nós os dois

estávamos exactamente a meio da nossa história.
Para trás, a lenta cadeia de acasos que culminou
no encontro a desoras sob os astros duma gruta;
pela frente, todos os maus passos que, somados,
haveriam de ditar o nosso fim. Mas nessa tarde
de sol e silêncio, enquanto a Inglaterra chorava
aquela que na morte teve o nome do amor,

estávamos juntos ainda – e sei que fomos felizes
na cidade mais triste do mundo. Era sábado,
uma mulher que passava vendeu-me um ramo
de rosmaninho (for remembrance, dear): largos meses
murchou numa gaveta. E quando dele me desfiz
já não era um memento por Diana, mas o último
vestígio de um amor tão morto quanto ela.



rui pires cabral
oito andamentos para um sábado à tarde

diz-me ela: 10 anos depois, estás na mesma, tirando a barba que usas agora.
digo-lhe eu: é exactamente esse o problema.
--
abigail et anastasia sont les noms des deus petites princésses. philipe et nadia, votre familie c'est un maraville. mon français c'est comme ça, pouvre et limité, mais les mots que je connais sons sufisants pour vous dire que j'aimai beaucoup nortre rendez-vous, ici dans ma ville blanche, douze ans aprés notre aventure au Tibet. merci a voux pour le soir, la amitié, votre example.
--
it was not a long way down, it as a strange way down. lembrar, sempre, o senhor cohen.
--
sony from nepal - nice to meet you :).
--
why not smile, you sweet sweet lady from the islands?
--
e a palavra turca para saudade, qual é?
--
vícios? rum based drinks e sms. ambas com três letras, claro. sms e rum, claro. e mais uns quantos, claro. ou chiaroscuro.
--
laurent filipe daria seguramente uma perfeita e irónica banda sonora para as aventuras de laura e filipe.

09 julho 2010

08 julho 2010


aqueles poucos seres que vão pass(e)ando por este jardim, sabem que é mais comum encontrar por aqui bandas e cantores e cantoras mais ou menos obscuros ou mais ou menos clássicos do que propriamente artistas mainstream nossos contemporâneos. claro que é uma questão de gosto, mas também uma espécie de espírito de missão: dar a conhecer o que este vosso humilde jardineiro acha que merece ser um bocadinho mais conhecido. justiça poética à moda do inverno? pode dizer-se que sim, desde que com o devido respeito pela escala das coisas.

vem isto a propósito dos REM - sim, a banda americana. eu não aprecio por aí além a banda de estádio em que, de facto, se transformaram. todo um desfilar de hits atrás de hits, normalmente bem construídos, melódicamente bastante acima da média, mas sem aquele golpe de asa (e de risco) que, para mim, costuma fazer a diferença.

no entanto, há um lado dos REM que me comove. e falo aqui das canções e não de qualquer registo biográfico da banda. (sim, admiro o michael stipe que diz 'free tibet', mas isso não faz dele um ser humano superlativo - também eu digo tanta coisa nobre e, no final de contas, serve para quê? adiante, para não descarrilarmos na conversa.) dizia eu que há um lado nos REM que me deslumbra. vamos a ele.

no meio da imensa discografia - uma banda com quase 30 anos (incrível, não é verdade?) -, encontramos uma dúzia de canções especialmente lentas, especialmente simples. normalmente são construídas com base num motivo de teclado, que serve de base planante para a voz de michael stipe. são canções quase cantadas num sussurro, lentas como já disse, envoltas num lirismo fulminante. este lirismo não recorre a construções semânticas complexas, nem a orquestrações luxuriantes. é antes um lirismo contido, uma espécie de minimalismo sonoro que serve para que a expressão - a forma peculiar de cantar - de michael stipe faça o seu demolidor trabalho. entra em nós e nunca mais sai.

como exemplo deste tipo de canções, podemos apontar (e são apenas três exemplos): 'nightswimming', 'at my most beautiful', 'why not smile'. todas elas têm em comum uma capacidade de nos fazerem sentir. e todas de uma beleza insidiosa - porque é impossível escutá-las e passar à frente; porque, ao escutá-las, é impossível escolher. sim, lembram-nos certas pessoas que nos obrigam a amá-las instintivamente, sem opção, escapatória. vocês entendem decerto o que quero dizer.

esta manhã, ao escutar a rádio radar, e em particular a sua rubrica 'em repeat', cruzei-me, mais uma vez, com os REM, cantando 'why not smile'.

o resto fica comigo, se não se importam. de certa maneira, e com vossa licença, fica também um bocadinho convosco, através destas linhas que aqui vos deixo. talvez 'at my most beautiful'. ou perto.

07 julho 2010

quanto a ti, não sei se sei; quanto a mim, sei que acredito
que quando o semáforo verde cai sobre esse teu rosto
o calendário desgoverna-se e os ponteiros (juro!) páram:
o dia é eterno; a hora, a mais exacta; o mês, eterno agosto.

06 julho 2010



dedicado a todos os idiotas românticos - sois a minha estranha tribo.

sentado num café sob as arcadas
arriscava o trapézio das palavras
em busca de zénite e de perfeição.

ignorava, rapaz que era outrora,
que nenhum poema se aproximava
do teu rosto - plenipotenciária faísca.

agora, que quase caí do trapézio,
(o que explica o longo vocábulo)
rio-me dessa inocência.. juvenil

que teimava em ganhar com palavras
um jogo especioso e caprichoso.
sol de inverno? poesia? maresia?

disparate, poeta. o jogo, como dantes,
é esse teu rosto, esculpido e feminil.

são 5 da manhã e estás inebriado pelo cheiro da noite, cercado por vultos negros que, num mesmo compasso, esconjuram fados e feridas, numa dança nocturna, espectral, ao som das malhas claustrofóbicas de rock mais ou menos pesado.

a noite encaminha-se a passos largos para o seu fim. pensas para contigo, como no filme ou no disco ou no livro, 'Deus meu, que faço eu aqui?'. mas sabes perfeitamente o que fazes, nesse tenso diálogo interior entre um lado mais hedonista - easy going - e um lado bem mais escuro - reflexivo.

os teus amigos estão ali ao lado. ali mesmo ao lado. aqui mesmo ao lado. celebra-se uma coisa bonita e pensas na beleza muito especial destas noites. no milagre que é estarmos vivos, apesar de tudo. no milagre que é estares vivo, apesar de ti.

apetece-te escutar pulp - essa música vitalista e estupidamente comovente - e gnr, no seu brilhante 'piloto automático', canção que tem o raro condão de te fazer esquecer (quase) tudo.

o teu amigo, conhecedor profundo destes meandros também afectivo-musicais, desapareceu já, no seu passo sempre gentil, e conversa agora com o dj, seu amigo. a ideia: dar-te o que esperas ouvir, para fechar a noite. pulp ou gnr. pulp e gnr, quem sabe..

e, de repente, sem o esperares, soa o crepitar de guitarra que tão bem conheces, essa senha mágica para um outro mundo. agarras-te à parede o melhor que podes, enquanto o teu corpo, desobedecendo, te pede espasmo, espanto, pasmo, esperanto - uma linguagem universal, síntese de coração na ponta dos pés.

danças agora e tudo brilha, toda a matéria escura é agora luz. vês os corpos a rodopiar, as mãos a acenar, vês a dança de fantasmas transmutados numa outra coisa. no escuro, brilhando, as palavras assumem agora contornos precisos, rostos, são uma coisa impossível. mas como impossível se as vês, se flirtas com elas, se até consegues sentir o seu perfume?

as guitarras continuam o seu trabalho de precisão. do tecto, do céu, do espaço caem flores, psicadelismo e serpentinas e coisas outras, indefinidas e indefiníveis. não sabes nada e sabes tudo. não queres dizer nada e queres dizer tudo.

e o refrão - essa longílinea canção que é só refrão, como se de um mantra se tratasse - diz tudo:

wait
they don't love like i love you
they don't love like i love you

não sabes porquê ou para quê. mas isso tu sabes. sabes que

they can't love you like i love you.

abraças os teus amigos. explosão exterior e implosão interior.

são 5h30 da manhã. um espelho partido, atrás do bar, devolve-te a imagem do teu rosto rasgado em dois, dizendo-te:

- bem-vindo a casa, rapaz.

04 julho 2010


em istambul, como em lisboa,
é para o mar que caminhamos,

enquanto imaginamos o olho de falcão
que pelas costas nos captura,

enquadrando-nos para sempre
num polaroid de figuras distintas

- palavra que nos salva dessoutra:
um polaroid de figuras extintas.

em istambul, como em lisboa,
a nossa vez já passou a livro encadernado,

mas de lágrima janota e flor ao peito
fingimos sóis e estrelas em formato digital,

mantemos aparências, dignidade,
calorífero em mínimos serviços mínimos.

entretanto, a tarde cai aqui bem perto
contra meu coração feito em farrapos,

e flutua em mim a memória próxima da menina da loja
que cheirava a passado, a felicidade, ao

teu perfume e cabelo, ao teu nome ao vento,
coisas assim - detalhes que mais ninguém vê.

homens como eu são lugares mal situados
- diria o daniel faria se fosse vivo sobre a Terra.

mas ele vive em mim, ao som dos the go-betweens.
apologies accepted, my Lord. e ajoelho.
Caranguejo


22 Jun/22 Jul

"A dupla acção do Sol e Mercúrio proporcionar-lhe-á um mês quente de sentimentos e emoções. Mercúrio manobrará a sua vida afectiva positivamente. No horizonte, destaca-se uma paixão ou o abandono de um passado sombrio. Profissionalmente, o Sol fará de si um guerreiro. Confiante em si próprio, batalhará em todas as frentes, sem temer obstáculos nem rivalidades. Saúde: beneficiará de uma forma olímpica."


(e se deixassem de gozar com os pobres?)

amor e desespero. poesia e punk.
lá dizia a menina joan-as-policewoman que a beleza era o novo punk-rock.

03 julho 2010


de muitos soldados se dizia, misto de inspiração e prece, que precisavam de estar "in their finest hour". não sei se a guerra vem aí, mas sinto o aroma indesmentível das batalhas. espero que não. mas, haja guerra, batalha, ou nenhuma das duas, esta expressão ganha em mim contornos precisos: "in my finest hour". dá azar escrever isto? mais? perguntem ao tio charlie. ele explica-vos aquele momento exacto em que mais ou menos azar já não faz qualquer diferença. dito isto, cai a noite, doce e quase tropical. não cura tudo, bem sabemos. mas ajuda. a ela, portanto. a ela, por tanto, tanto, tanto.

todos os nomes

certos jogos semânticos
lembram-me os fogos fátuos
da infância, portas de cemitérios,
o anúncio inclemente aos vivos
de que a sua hora
chegará.

por exemplo, um homem.
um homem ao sol, segurando
um jornal - de ontem e de amanhã -,
enquanto dóceis cãezinhos coloridos
dão cor e vida -
e um patusco sorriso -
ao quadro.

não sei se é desta teimosa neblina,
ou só desespero como diz alguém,
ali à esquina,
mas também a mim às vezes
mete nojo o que fazemos do amor
que fazemos.

as palavras são então
como catedrais esculpidas na pele
estátuas retalhadas a coração
e lápis de cor
um'outra forma de amor
- que sei eu?

repara no homem e nos cãezinhos
que lhe embalam a velhice.
diz-me: como posso sentir-me
mais perto do homem que dos amigos?
mais perto dos cãezinhos que do homem?
mais perto de ti do que de mim?

talvez sim, talvez não.
entretanto mergulho fundo no dia,
e finjo ser o que é possível
- como o meu nome:
que sabemos tão bem ser gi,
mas fingimos ser joão.

02 julho 2010

Pela Lugar Comum:
a música pungente de Emily Jane White no magnífico espaço do Museu Nacional Machado de Castro.




Emily Jane White (USA)

8 de Julho de 2010, 22h00m

Museu Nacional Machado de Castro – Coimbra



Ao percorrermos "Victorian America" pressentimos estar perante o esboço de um território esquecido, cujas fronteiras se perdem no passado, por entre mitos e narrativas distantes. Atravessamos a sua imensidão, conduzidos pela voz de Emily Jane White, enquanto esta convoca a tradição e a solidão da folk norte-americana. O trilho pelo qual seguimos torna-se cada vez mais definido e reconhecível à medida que avançamos, não sendo já um estreito caminho como o de "Dark undercoat", o seu primeiro LP, editado em 2007. Um assumido sentimento de perda e de tristeza, que aquela autora apontava como exclusivo objecto das suas composições, deu lugar ao longo dos últimos anos a um genuíno interesse pelo poder da narrativa e do storytelling. As afinidades com autores da sua geração como Cat Power, Alela Diane ou Hope Sandoval permanecem evidentes; porém, à medida que as composições de Emily Jane White denunciam uma crescente amplitude, das mesmas emerge uma também progressiva preocupação com a escrita, tentando encontrar um registo que a liberte e a distancie dos seus pares. O trilho de "Victorian America" leva-nos a uma encruzilhada. Se por um lado a singer songwriter californiana recusa uma ruptura face às suas primeiras composições, as quais a imprensa catalogou de dark soul, sente-se por outro lado o pulsar do slowcore e do indie rock, dos quais convoca elementos que enriquecem e estendem cada vez mais as fronteiras daquele ainda indefinido e vasto território.

Preço: € 6,00 (oferta de um pin a associados Lugar Comum)

A compra do bilhete inclui uma visita ao criptopórtico entre as 21h00 -22h00 na noite do concerto.

A reserva de entradas poderá ser efectuada através do endereço geral@lugarcomum.pt (com indicação de número de entradas pretendido, Nome, BI e Contacto). O pagamento será efectuado à entrada do concerto mediante confirmação da reserva.

01 julho 2010



com vossa gentil licença, hoje, esta é para mim.