isto para dizer uma coisa tão simples: o que eu gosto da rosa alice branco. dos seus poemas transbordantemente humanos, dessa sua feliz forma de conjugar 'as pequenas coisas', dando-lhe transcendência, beleza e uma pontinha - justa - de emoção.
chama-se rosa alice branco, é professora universitária, ensaista, poeta, etc. é uma mulher que vale a pena conhecer - ou melhor, é uma autora que vale a pena conhecer.
ah, e já me esquecia, é das poucas pessoa que sabe escrever sobre o amor erótico com elegância, pungência, urgência, sensualidade - coisa nada pouca se considerarmos o limitado canône do erotismo literário em Português..
a irreversibilidade do tempo
não te importes amor
se tivermos a alma em desalinho.
amanhã cortaremos as sombras do quintal
sem acreditar que as sombras devam ser
sombrias. mas é reconfortante acreditar na língua
e na sabedoria popular
e em tudo o que nos torna cúmplices.
não te importes se for outono. nunca pensaremos
que as coisas declinam porque nos amamos,
conjugaremos todas as estações com este amor,
pagaremos os impostos - agora é mais fácil
com o multibanco -, escreverás cartas
e algumas deixarás de escrever
porque as penas do edredão são leves
e não é saudável resistir ao amor.
não te importes se estivermos ocupados
com pequenas coisas. és tão belo
a limpar a louça como a dizer um poema,
a arrumar os papéis ou a desabotoar-me o vestido.
pão nosso nos dai hoje e a torradeira amanhã bem cedo,
o forno quente, a manteiga a escorrer, a tua mão a segurar
a chávena e todas as coisas que nos fazem sorrir
só porque nos amamos e o sabemos
por hoje e pelo tempo que virá,
porque resistimos à burocracia e ao cansaço,
porque aprendemos a olhar o rio
a ver como é diferente quando o dia nasce, quando
a noite cai, quando uma chuva miúda torna a terra fértil
e cheira a estrume, a merda de alcatrão lavado.
não te importes amor se hoje te amo tanto.
amanhã tem mais uma sílaba
e é com ela que te conjugo entre os lençóis.
rosa alice branco
1 Comments:
bellezza...
senza parole
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