20 março 2011



talvez te lembres de quando estavas vivo e era de noite e fervias de febre juvenil por dentro e por fora e escutavas noite fora ou noite dentro a tsf no tempo em que era uma rádio em que passavam canções assim e no tempo em que de madrugada o silêncio da noite era adornado pelas magistrais lições daquele rapaz que morreu e que achas que se chamava luis mateus e que te ensinou coisas como a correcta maneira de soletrar a palavra momus e depois era já uma noite diferente uma noite alumiada que é uma palavra mais pobre mas mais bela do que a sua irmã iluminada dizias ali atrás que talvez te lembres desse tempo vinte anos passados agora é de dia ou de noite mas uma noite diferente e a tsf já quase não existe rendida à guerra dos números como quase tudo aliás o que te cerca também o luis já morreu cedo como quase todos aqueles que os deuses amam dizemos nós para nos enganarmos oxalá não nos enganemos oxalá as coisas mudaram mas tu talvez to deva recordar ainda estás vivo e isso meu caro é uma tremenda responsabilidade escreveste um dia que somos tão poucos a cantar pois bem que sejamos se só restares tu e restares vivo ficas a saber que é a tua a derradeira passada com o testemunho a chama eterna a feroz beleza das coisas certas e o milagre que é o vislumbre da beleza mais excelsa aquela que corta a noite em pedaços para ta devolver em dias de primavera prometendo aquilo que nunca mais tiveste o agosto feliz de antigamente quando a rádio era ainda possível e o mundo uma promessa na ponta dos teus lábios e os dias claros e translúcidos e tu eras ainda um projecto seminal de tudo aquilo que podias ser e ser e ser e ser enquanto ouvias cocteau twins e prometias a ti próprio nunca abdicares de seres tu mesmo se sózinho mesmo se radicalmente utópico essa formidável forma de revolução tal e qual a ideia de felicidade que te serve de combustível para as malambas desta vida the voyager circus maximus tender prey são alguns dos discos de momus que também se chama nicholas currie esse mal amado autor de canções que zombam só porque nos amam como aquelas distâncias que são a exacta medida do nosso desatino e o castigo por por vezes nos esquecermos de que estamos vivos e de que isso nos obriga a estarmos vivos.