09 março 2011


a partir do livro "a single man", tom ford, menino bonito do "catwalk", criou um filme visualmente assombroso, há um par de anos atrás. colin firth arrancou, nesse filme, a verdadeira performance que lhe valeu o óscar deste ano - chama-se justiça poética "em modo delay", este efeito.. -, mas o que mais nos interpelava nesse filme era a combinação de uma expressão visual imaculada (e não era só o "production design", a estética, mas também o domínio da câmara e da própria "mise-en-scene") com o estremecimento interior que o filme causava. como se areias movediças invisíveis e silenciosas nos tragassem, enquanto saboreávamos uma vista magnífica, numa estância estival "top". a metáfora é forçada, mas o filme era assim - brilhantemente dúplice, no verso e reverso, na perfeita forma ao exacto serviço do certeiro conteúdo. agora que estamos a ler o livro, escrito por aquele senhor ali de cima (christopher isherwood), na sua versão traduzida, percebemos que grande parte do brilho que o filme transmitia era uma construção - um filtro, se quisermos. algo que servia para extremar, pelo efeito contrastante, não para atenuar, mas, ainda assim, um filtro que operava sobre a realidade que o livro, cremos, pretendia transmitir. e qual é essa realidade?, perguntam vossas excelências, com muita razão. a realidade que fica, desligados filtros e máquinas de brilho, é o resto. e o resto é, como dizer, de uma lucidez amarga e desencantada que chega a magoar. george falconer é alguém que vê o tempo passar (como todos nós?), mas, por defeito ou virtude, sem a capacidade de desligar o seu permanente sistema de aguda inteligência interpretativa. é esta espécie de lucidez maldita que o impele a uma existência quase, quase, quase cínica. só jim, o amante já morto quando arranca o livro, parece funcionar como antídoto relativo. mas jim está morto. e agora, george? a caminho da morte, com perfeita e permanente consciência disso. e agora, george? grande filme, grande livro. profundamente tristes, um e outro. verdadeiros, portanto. azar o nosso.

(é desta que fico sem leitores!)