04 dezembro 2006

uma casinha feita de sonhos

há um par de semanas atrás, tinha lido que havia em lisboa um novo espaço, conjugando café-bar com uma pequena livraria especializada em poesia.
gostei do conceito e gostei da localização: ao fundo da calçada da bica (a mesma do elevador; mas o acesso mais fácil é pela rua de são paulo, via cais do sodré - há um par de escadas, daquelas típicas da lisboa antiga, que num ápice nos colocam atrás da estação do elevador -, em pleno 'largo de santo antoninho', onde fica o espaço de que falo).

assim, lá fui ontem, contrariando o cinzento do céu, à procura de uma corzita.
foi assim que dei por mim na 'casa da mariquinhas', aberta de quarta a domingo, das 12h às 24h.

sem horas marcadas, deixei-me ficar por lá, em cavaqueira amena (mas estimulante e até, por vezes, quase provocadora - nos sentidos intelectual, ético e estético do termo) com o dono. o changuito - assim se chama o nosso anfitrião - e a sua namorada oriana decidiram, para além dos seus afazeres profissionais (que gravitam em torno da gestão e programação do bar do teatro 'a barraca', a declamação de poesia no mesmo sítio, a edição de livros, o jornalismo cultural, etc.), ocupar o rés-do-chão do prédio onde moram. e fazer desta ocupação qualquer coisa de didáctico e de lúdico: um espaço simples, mas onde se está bem. onde se aprende, se se quiser, ou simplesmente onde se tem prazer (por exemplo, ao folhear um livro tirado ao acaso da estante que concentra muita da melhor poesia editada em língua portuguesa).

como a chuva teimava em cair, eu teimava em conversar. e foi assim que o tempo passou e que este vosso escriba de ocasião, aprendeu um bocadinho mais sobre o circuito da poesia em portugal; se deliciou com uns textinhos escolhidos pelo changuito ('leia lá e diga-me o que acha', assim como quem não quer a coisa..); descobriu um compositor clássico catalão (que inspirou o bernardo sassetti, no seu 'nocturno'); confirmou que o circuito profissional livreiro em portugal (editoras, distribuidoras e afins) deixa muito a desejar (que novidade!); que, mesmo numa casa que ainda está a começar e (calculo) os clientes ainda não abundam, há sempre espaço para se oferecer uma imperial ao senhor de idade, provável vizinho, que se sentou a ler o jornal do dia (cortesia da casa, também), com a 'desculpa' de que 'o senhor guilherme esteve muito tempo à espera, hoje é oferta' (não sei se o changuito reparou que eu reparei, mas eu reparei que reparei - se é que me entendem).

um dia destes levo-vos lá. que a lisboa que vale a pena é esta: uma cidade esculpida em travessas, vielas, escadas, larguinhos; uma cidade onde a chuva fria de um domingo à tarde pode ser um elemento espantosamente cénico, quando abraça os pequenos prédios que parecem pintados a guache amarelo; uma cidade feita de pessoas.

http://www.da-mariquinhas.blogspot.com

.. da mariquinhas, da poesia e de muitas outras coisas. passem por lá, sim ?