02 abril 2007

vislumbres do reino animal

je ne cesse de penser que je ne pense plus à toi
sacha guitry

olha-se para aquele corpo e não parece
que esteja preso por arames. o corpo
fará análises e exames. valores normais, nada
de especial, não há razão para alarme. mas, se
se olhar bem, ver-se-ão os arames
que o prendem. a quê ? prendem-no
ao amor, porra, ao amor, é preciso gritar ?

uma palavra que te dou, mais
inquieto, uns olhos fechados
que te entrego, tão sincero.
fontes de luz, rajadas de alegria ?
no fim nada de nada, coisa
pouca. que não cabe na mão
e sobretudo não cabe no coração.

trovoa na minha cabeça, mas o médico
diz que não é nada. ecoam vibrações
nos meus pulsos, linhas trocadas no pescoço.
só pode ser por tua causa, ser desconhecido,
que me invades carro, casa e coração.
comboio, táxi, local de trabalho.
quarto, sala, cozinha, televisão.

quando deixaste de fumar os cigarros
manuais, numa decisão de um dia
para o outro, foi bom, acalmaste
o coração, já não bate da mesma maneira
que batia. é claro que eu preferia
o teu outro coração, mas tu é que sabes.

[isto do dizer não é abrigo.]

pequeno 'patchwork', tecido com fios delicadamente retirados de
'segredos do reino animal', de helder moura pereira
editora assírio & alvim, 2007