27 abril 2011


sabemos à légua que a língua inglesa tem essa propriedade verdadeiramente exquisite de poder ser simples - straight to the point, better said - e, ao mesmo tempo, polissémica. por exemplo, tomemos em mãos o título deste filme: "last night". pode querer dizer, num cortante tom neutro, "a última noite" (no future, therefore), como pode querer dizer, num tom desta feita mais doce, "a noite passada". dirão: que importância tem isto? respondo-vos: toda. porque este filme, modesto, é todo um programa psico-sociológico que começa exactamente na indecisão do seu título. não há nada como os americanos mais ou menos independentes para captaram os tons de chumbo destes nossos dias, ainda confortáveis, esteticamente quase belos, e, no entanto, impiedosamente desalegres, profundamente melancólicos, incontornavelmente tristes. entre "a noite passada" e "a última noite" vai a distância exacta que, tantas vezes, molda as nossas vidas. por isso mesmo, quando ontem saí do cinema, ia também eu ambivalente quanto ao que senti, ao ver o filme. por um lado, rendido à  sua qualidade, ao seu tom contido, ao acting justo e credível dos seus quatro actores, todos às voltas com aquele tipo de dúvidas que, entre a moral e a ética amorosas, nos deixam sózinhos e entregues aos nossos dilacerantes dilemas interiores. por outro lado, com arrepios, por perceber tão bem tudo aquilo que tinha acabado de ver representado na película. sabemos todos que a ficção é pura invenção humana. mas também devemos reconhecer que a inventividade humana advém da grande experiência colectiva e individual de quem cria. portanto, mesmo nas fantasias mais delirantes, é sempre possível descortinar um lado realista, mesmo que num sub-nível interpretativo, quanto mais, nos filmes que mais parecem enxutas radiografias da nossa triste condição - nem alegres, nem tristes, nem doentes, nem saudáveis, nem amados, nem desamados, nem nem. não admira que tantos de nós procurem "a cura", pelo excesso ou pelo despojamento mais radical. "last night" ou "last night"? se soubessem como eu detesto estas coisas e ainda mais delas ter esta irreprimível consciência.. el bandido, siempre el bandido.