17 abril 2011


(a todas aquelas e a todos aqueles que esperam)


quando cai a noite e é sexta-feira, os lobos, em alcateia,
sobem aos bairros - no singular -, à procura de um alvo
abstracto, de uma ideia de caça, da função instintiva que
sabem correr-lhes no sangue, desde que abriram os olhos.

como em tudo na natureza, há lobos solitários, afastados
pelos seus pares (ou que simplesmente se afastaram) desse
modo de vida ancestral, competitivo, talvez até banal,
no seu cortejo de tiques e rituais de quem treina o dente.

lembrei-me de ti, que provavelmente nem existes, quando
escrevia aquelas palavras ali de cima. lobos e homens são,
se pensarmos bem, uma e a mesma coisa - seres solitários
deitados à vida, sem clemência, orientação, guias práticos.

isto aplica-se, claro, também às raparigas. por isso, dizia,
me lembrei de ti. enfrascada em enciclopédias, enfiada decerto
em cinematecas reais ou inventadas, protegendo-te das coisas
do mundo, lutando impiedosamente contra o comando do destino.

há na resistência uma ética muito própria. um grito que perturba
os lobos, os homens, as mulheres, todos aqueles que preferiram(?)
deixar de lutar contra o sangue. estão no seu direito e talvez
venham a ser declarados vencedores, aos pontos, no ringue-mor.

admito que sim. contudo, concede-me a dúvida. deixa-me dizer-te
que prefiro, desde tenra idade, a solidão habitada por pontos
luminosos que é a tua. essa constelação de animais e de homens
e de raparigas solitárias que acendem cigarros frios contra os

céus nocturnos. estão em toda a parte: nas ruas por onde passo,
ao volante do carro; nas mesas das casas de pasto que subsistem;
nas últimas filas das salas de cinema; nalguns jardins matinais;
até sentados à mesma mesa que nós, escondidos do mundo e, creio,

de si próprios. eu também nunca li a balada do café triste, mas,
uma coisa eu sei: há constelações invisíveis que nos fulminam,

tão extrema é a sua - a tua - a nossa

imperial beleza.

2 Comments:

Blogger Dona ervilha said...

Perfeito! Simples, assim.

domingo, abril 17, 2011 5:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

e esta noite comove-me essa ideia de viver um pouco. não sei se com a vida ou se com o pouco.

e rezo para que o amor nos console a todos. para que a vida não - nos - acabe nunca.

e porque existo, guardarei, para sempre, no lado mais luminoso do meu coração as palavras que escreveu, bem junto daquela flor (quase) de inverno.

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domingo, abril 17, 2011 10:11:00 da tarde  

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