31 dezembro 2008
30 dezembro 2008
8 discos do meu 2008
8. cass mccombs, dropping the writ
disco quase quase inclassificável, algures a brincar com a fronteiras da pop, do rock ligeiramente psicadélico, entre o mainstream mais autoral e o alternativo acessível. histórias e histórias, uma utilização quase cifrada da linguagem, humor finíssimo, ironia q.b., num 'melting pot' com canções que nos conquistam, em crescendo. exquisite.
7. bon iver, for emma forever ago
o rapaz cujo nome se pronuncia 'como em francês', legou-nos, em 2008, um disco totalmente 'low fi' ('less is more'?), a meio caminho entre a catarse emocional sussurrada e a 'malaise' amorosa já suturada. um disco que é um acerto de contas com alguém, partilhado, em surdina dir-se-ia, com quem estiver disposto a ouvir. às vezes, sôa como algo enviezado, nas escolhas musicalmente esquinadas que faz. outras tantas, sôa como se nós próprios cantássemos para nós próprios. e sim, o título é todo um programa. dores doridas mas com uma elegância suave, num disco com momentos acústicos, outros em quase solo absoluto, outros ainda em registo que parece uma espécie de 'a capela'. triste e bonito, intenso. estranhamente doce.
6. mgmt, oracular spectacular
o disco do verão e sério candidato ao top 5 das melhores canções pop de 2008 - sim, falamos de 'time to pretend', mas também de 'kids'. já tudo foi dito. era uma vez uns rapazes que escutaram cedo e certeiramente todo o glam rock e o rock psicadélico dos anos 70, com mais umas pitadas rock directo e de alguma electrónica mais melodiosa. mais do que descrever os ingredientes ou a técnica, importa escutar o resultado da receita: um improvável manjar para melómanos solares, sem medo de, no ano de todas as crises, gritar bem alto 'now, let's have some fun'. ar do tempo, sem dúvida. mas 'spectacular'..
5. vetiver, thing of the past
andy cabic é um dos mestres do 'modern folk-rock' americano, um pouco ao lado, mas não muito ao lado, do movimento conhecido como 'alternative country' ou 'americana'. nos seus vetiver, banda que lidera (entre muitos outros projectos mais ou menos assumidos), dedicou-se, com aquela miraculosa combinação de amor e génio, a recuperar uma boa dúzia de canções desconhecidas de músicos, na sua maioria também eles pouco conhecidos, do que se chama o folk-rock californiano, na viragem dos anos 60 para os anos 70. o resultado? o resultado é um disco intemporal, com canções luminosas, de uma suavidade que já não se usa, como se a banda estivesse em estado de graça, abençoada pelos autores originais (ou, nalguns casos, pelos seus espíritos). música delicada e terna, banda sonora de um mundo que já não existe, a 'casa da pradaria' da nossa infância, em versão musical, mais adulta e mais indolente. um clássico 'vintage'.
4. camané, sempre de mim
de disco em disco, camané (a mais impressionante voz viva em todo o fado, com licença do senhor carlos do carmo) continua a trilhar um caminho quase imaculado. arriscando um niquinho mais do que habitualmente (há uma toada musical que, aqui e ali, parece querer levantar vôo - ou baixar vôo? - para outros continentes), camané gravou mais um disco que, não sendo o nosso favorito saído da sua lavra, entra para o panteão vivo dos discos que ficarão para a pequena grande história deste género musical. triste, denso, sem grandes concessões a fados mais solares, é esculpido por camané, josé mário branco (seu produtor de sempre) e demais companheiros de caminho com aquele saber que vem de longe e que é quase alquimia preciosa. um disco, em português, que não sendo para todos, é, para muitos, a confirmação de camané como 'o príncipe'. muito bom, muito sofrido, aqui e ali.. simplesmente arrebatador.
3. alela diane, the pirate's gospel
recente destaque, aqui no 'flores de inverno' e também na 'estação de inverno', eis a história bonita de uma menina que, aos vinte anos, grava um disco que nos deixa sem fôlego. free-folk, com laivos de gospel, composto durante uma viagem pela europa, gravado em estúdio caseiro, tendo o seu próprio pai ao leme (vem de uma família de músicos, note-se), 'the pirate's gospel' tem já 2 ou 3 anos, mas só agora está a ser devidamente descoberto, muito por mérito do mercado discográfico francês (que cultiva esta espécie de missão: trazer-nos pérolas de etno-world-music nem sempre acarinhadas nos seus países de origem, obrigando a um segundo olhar. um pouco como os 'cahiers du cinéma' fizeram com os grandes realizadores americanos dos anos 30 a 50, tidos até aí como meros artesãos industriais e não como autores de pleno direito, virtuosos da estética e da narrativa, no caso por via da sétima arte). voltando à menina diane, o melhor é ouvir bem. há qualquuer coisa de improvável nesta voz, nestas palavras - de súbito, à nossa frente, 200 anos de história americana estão ali, na gesta das pessoas concretas que a fizeram. e só tem vinte e poucos anos, a nossa rapariga. medo.
2. micah p. hinson, micah p. hinson and the red empire orchestra
o nosso trovador negro preferido da actualidade. antes dos 30, mais um disco assombroso. menos acústico e menos folk do que o primeiro - entre os dois gravou um disco menos conseguido e vários EPs avulsos -, mais produzido e mais orquestral, é, ainda assim, o continuador, dir-se-ia que na maturidade, do sublime (e porventura não mais atingível) disco de estreia (micah p. hinson and the gospel of progress). à solta os fantasmas emocionais do rapaz micah - fantasmas bem universais, diga-se já -, a memória dos grandes cantautores americanos clássicos (um woody guthrie mais existencial?, algum bob dylan menos palavroso?, um johnny cash sob efeito de tranquilizantes?). música menos triste do que o habitual em hinson, mas a mesma 'gravitas', o mesmo 'nihilismo'. 'dark as dark can be', mas com menos raiva e mais acordes (a música acalma, a música sublima..). belíssimo.
1. beach house, devotion
sim, sabemos. é um disco menor. sim, sabemos. não sabem quase tocar. sim, sabemos. foi gravado sabe-se lá como. sim, sabemos. daqui a uns anos, quem??. sim, sabemos. mas, não sejam maus. deixem-nos sonhar com estas melodias minimais, com arranjos a roçar o kitsch (como alguma arte religiosa bem intencionada, ocorre-nos, de repente), com vocalizações etéreas, com palavras doces mesmo quando tristes, com um universo mágico e ao mesmo tempo quase adolescente, com praias perfeitas com pessoas imperfeitas, com amores suaves mesmo quando perdidos, com os elementos primordiais (a água, o fogo, o ar, a terra), com coisas bonitas e delicadas e ternas e assim.. para colocar ao lado de azure ray (umas boas vinte canções), das melhores canções das coccorosie (duas ou três), de todas aqueles discos de que só nós gostamos assim - é isso mesmo, com a devoção dos crentes. até os acordes falhados são um pequeno milagre, amigos.
menções honrosas? dezenas e dezenas e dezenas. eis algumas..
nick cave, dig!!!, lazarus, dig!!!
she & him, volume one
sébastien tellier, sexuality
[em progresso]
disco quase quase inclassificável, algures a brincar com a fronteiras da pop, do rock ligeiramente psicadélico, entre o mainstream mais autoral e o alternativo acessível. histórias e histórias, uma utilização quase cifrada da linguagem, humor finíssimo, ironia q.b., num 'melting pot' com canções que nos conquistam, em crescendo. exquisite.
7. bon iver, for emma forever ago
o rapaz cujo nome se pronuncia 'como em francês', legou-nos, em 2008, um disco totalmente 'low fi' ('less is more'?), a meio caminho entre a catarse emocional sussurrada e a 'malaise' amorosa já suturada. um disco que é um acerto de contas com alguém, partilhado, em surdina dir-se-ia, com quem estiver disposto a ouvir. às vezes, sôa como algo enviezado, nas escolhas musicalmente esquinadas que faz. outras tantas, sôa como se nós próprios cantássemos para nós próprios. e sim, o título é todo um programa. dores doridas mas com uma elegância suave, num disco com momentos acústicos, outros em quase solo absoluto, outros ainda em registo que parece uma espécie de 'a capela'. triste e bonito, intenso. estranhamente doce.
6. mgmt, oracular spectacular
o disco do verão e sério candidato ao top 5 das melhores canções pop de 2008 - sim, falamos de 'time to pretend', mas também de 'kids'. já tudo foi dito. era uma vez uns rapazes que escutaram cedo e certeiramente todo o glam rock e o rock psicadélico dos anos 70, com mais umas pitadas rock directo e de alguma electrónica mais melodiosa. mais do que descrever os ingredientes ou a técnica, importa escutar o resultado da receita: um improvável manjar para melómanos solares, sem medo de, no ano de todas as crises, gritar bem alto 'now, let's have some fun'. ar do tempo, sem dúvida. mas 'spectacular'..
5. vetiver, thing of the past
andy cabic é um dos mestres do 'modern folk-rock' americano, um pouco ao lado, mas não muito ao lado, do movimento conhecido como 'alternative country' ou 'americana'. nos seus vetiver, banda que lidera (entre muitos outros projectos mais ou menos assumidos), dedicou-se, com aquela miraculosa combinação de amor e génio, a recuperar uma boa dúzia de canções desconhecidas de músicos, na sua maioria também eles pouco conhecidos, do que se chama o folk-rock californiano, na viragem dos anos 60 para os anos 70. o resultado? o resultado é um disco intemporal, com canções luminosas, de uma suavidade que já não se usa, como se a banda estivesse em estado de graça, abençoada pelos autores originais (ou, nalguns casos, pelos seus espíritos). música delicada e terna, banda sonora de um mundo que já não existe, a 'casa da pradaria' da nossa infância, em versão musical, mais adulta e mais indolente. um clássico 'vintage'.
4. camané, sempre de mim
de disco em disco, camané (a mais impressionante voz viva em todo o fado, com licença do senhor carlos do carmo) continua a trilhar um caminho quase imaculado. arriscando um niquinho mais do que habitualmente (há uma toada musical que, aqui e ali, parece querer levantar vôo - ou baixar vôo? - para outros continentes), camané gravou mais um disco que, não sendo o nosso favorito saído da sua lavra, entra para o panteão vivo dos discos que ficarão para a pequena grande história deste género musical. triste, denso, sem grandes concessões a fados mais solares, é esculpido por camané, josé mário branco (seu produtor de sempre) e demais companheiros de caminho com aquele saber que vem de longe e que é quase alquimia preciosa. um disco, em português, que não sendo para todos, é, para muitos, a confirmação de camané como 'o príncipe'. muito bom, muito sofrido, aqui e ali.. simplesmente arrebatador.
3. alela diane, the pirate's gospel
recente destaque, aqui no 'flores de inverno' e também na 'estação de inverno', eis a história bonita de uma menina que, aos vinte anos, grava um disco que nos deixa sem fôlego. free-folk, com laivos de gospel, composto durante uma viagem pela europa, gravado em estúdio caseiro, tendo o seu próprio pai ao leme (vem de uma família de músicos, note-se), 'the pirate's gospel' tem já 2 ou 3 anos, mas só agora está a ser devidamente descoberto, muito por mérito do mercado discográfico francês (que cultiva esta espécie de missão: trazer-nos pérolas de etno-world-music nem sempre acarinhadas nos seus países de origem, obrigando a um segundo olhar. um pouco como os 'cahiers du cinéma' fizeram com os grandes realizadores americanos dos anos 30 a 50, tidos até aí como meros artesãos industriais e não como autores de pleno direito, virtuosos da estética e da narrativa, no caso por via da sétima arte). voltando à menina diane, o melhor é ouvir bem. há qualquuer coisa de improvável nesta voz, nestas palavras - de súbito, à nossa frente, 200 anos de história americana estão ali, na gesta das pessoas concretas que a fizeram. e só tem vinte e poucos anos, a nossa rapariga. medo.
2. micah p. hinson, micah p. hinson and the red empire orchestra
o nosso trovador negro preferido da actualidade. antes dos 30, mais um disco assombroso. menos acústico e menos folk do que o primeiro - entre os dois gravou um disco menos conseguido e vários EPs avulsos -, mais produzido e mais orquestral, é, ainda assim, o continuador, dir-se-ia que na maturidade, do sublime (e porventura não mais atingível) disco de estreia (micah p. hinson and the gospel of progress). à solta os fantasmas emocionais do rapaz micah - fantasmas bem universais, diga-se já -, a memória dos grandes cantautores americanos clássicos (um woody guthrie mais existencial?, algum bob dylan menos palavroso?, um johnny cash sob efeito de tranquilizantes?). música menos triste do que o habitual em hinson, mas a mesma 'gravitas', o mesmo 'nihilismo'. 'dark as dark can be', mas com menos raiva e mais acordes (a música acalma, a música sublima..). belíssimo.
1. beach house, devotion
sim, sabemos. é um disco menor. sim, sabemos. não sabem quase tocar. sim, sabemos. foi gravado sabe-se lá como. sim, sabemos. daqui a uns anos, quem??. sim, sabemos. mas, não sejam maus. deixem-nos sonhar com estas melodias minimais, com arranjos a roçar o kitsch (como alguma arte religiosa bem intencionada, ocorre-nos, de repente), com vocalizações etéreas, com palavras doces mesmo quando tristes, com um universo mágico e ao mesmo tempo quase adolescente, com praias perfeitas com pessoas imperfeitas, com amores suaves mesmo quando perdidos, com os elementos primordiais (a água, o fogo, o ar, a terra), com coisas bonitas e delicadas e ternas e assim.. para colocar ao lado de azure ray (umas boas vinte canções), das melhores canções das coccorosie (duas ou três), de todas aqueles discos de que só nós gostamos assim - é isso mesmo, com a devoção dos crentes. até os acordes falhados são um pequeno milagre, amigos.
menções honrosas? dezenas e dezenas e dezenas. eis algumas..
nick cave, dig!!!, lazarus, dig!!!
she & him, volume one
sébastien tellier, sexuality
[em progresso]
eu não diria melhor.
um dia houve em que, 'alta noite em alta fraga', ao som 'em repeat contínuo' desta canção, discuti pedro paixão, existencialismos infinitos, filosofias particulares.
eu não diria melhor.
porque, às vezes, as coisas difíceis só se conseguem dizer de modo simples.
estação de inverno: 48ª estação
hoje, a quadragésima oitava estação de inverno.
a poesia fulgurante e quase cósmica de miguel-manso, um dos novos poetas que 2008 nos fez a suprema gentileza de dar a conhecer. façam o favor de o ler, sim?
mais uma boa dúzia de cantigas à moda do inverno (canções notáveis, por exemplo, de joan as policewoman e dos the walkmen) e um merecidíssimo destaque para um disquinho arrebatador, para aqueles de nós/vós que sabem de cor as delícias de um certo folk-gospel americano, quase artesanal: alela diane e o seu 'the pirate's gospel'. ou de como aos vinte e poucos anos se podem trazer aos ombros e na voz todas as cores do mundo.
obrigado, 2008. viva 2009.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
a poesia fulgurante e quase cósmica de miguel-manso, um dos novos poetas que 2008 nos fez a suprema gentileza de dar a conhecer. façam o favor de o ler, sim?
mais uma boa dúzia de cantigas à moda do inverno (canções notáveis, por exemplo, de joan as policewoman e dos the walkmen) e um merecidíssimo destaque para um disquinho arrebatador, para aqueles de nós/vós que sabem de cor as delícias de um certo folk-gospel americano, quase artesanal: alela diane e o seu 'the pirate's gospel'. ou de como aos vinte e poucos anos se podem trazer aos ombros e na voz todas as cores do mundo.
obrigado, 2008. viva 2009.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
28 dezembro 2008
(ao jorge, ao daniel)
conduzes pelas estradas do alentejo,
a cidade mágica para trás,
a teu lado o companheiro de sempre,
ângulo generoso e terceiro
dessa figura geométrica que a amizade
pode, em dias largos, ser.
o teu amigo fez quarenta anos,
o que, feitas as contas por alto,
dá a esse nobre triângulo a três
uns trinta anitos - sobressalto.
o tempo passa, sempre o soubeste,
mas era mais, como dizer, em abstracto.
ver os quarenta anos de um amigo
faz de matéria vaga matéria de facto.
que fazes dos teus dias, rapaz?
que segredos deixarás aos vindouros?
o zénite está já a teus pés, foge-te,
as horas escasseiam, faltam, doem-te.
estes teriam sido os anos de ouro,
fosses tu outro. ou mais tu - mas mais capaz.
conduzes pelas estradas do alentejo,
a cidade mágica para trás,
a teu lado o companheiro de sempre,
ângulo generoso e terceiro
dessa figura geométrica que a amizade
pode, em dias largos, ser.
o teu amigo fez quarenta anos,
o que, feitas as contas por alto,
dá a esse nobre triângulo a três
uns trinta anitos - sobressalto.
o tempo passa, sempre o soubeste,
mas era mais, como dizer, em abstracto.
ver os quarenta anos de um amigo
faz de matéria vaga matéria de facto.
que fazes dos teus dias, rapaz?
que segredos deixarás aos vindouros?
o zénite está já a teus pés, foge-te,
as horas escasseiam, faltam, doem-te.
estes teriam sido os anos de ouro,
fosses tu outro. ou mais tu - mas mais capaz.
25 dezembro 2008
no outono/inverno de 1995 sofri dois acidentes, o primeiro de minha única e exclusiva responsabilidade - um gesto temerário que me deixou sequelas -, o segundo fruto de uma infeliz conjugação de más condições atmosféricas, uma árvore caída na estrada, falta de iluminação e a condução irresponsável de alguém que havia bebido mais do que a conta. em ambas, se assim se pode dizer, tive sorte.
a primeira, de que não gosto de falar e de que é do conhecimento de muito poucas pessoas, mesmo no meu círculo mais íntimo, é aquela que sempre me deu suores frios - aquele sentimento de 'voltar ao tempo / lugar dos acontecimentos' e, uma e outra vez, relembrar como tudo aconteceu, porque é que aconteceu, como se fosse possível reescrever a pequena história. penso que, quem já passou por situações complicadas, sabe exactamente do esquema mental e emocional, desgastante, espúrio, inconsequente na ordem dos factos mas nada inconsequente nos vincos que deixa na nossa pele interior, de que estou a falar.
ontem, 13 anos depois, voltei ao local onde tudo se passou.
olhos nos olhos, entre mim e mim, lá consegui ultrapassar o receio e, na companhia do meu pai (que adivinhou o que se passava comigo, uma vez que, também ele, relembra essa hora de almoço de um sábado de 1995), desci do carro, olhei o sítio de relance, respirei o ar frio de inverno, ergui o olhar para o azul dourado do céu destes dias de beira alta e fui tomar um café, num muito humilde cafézito de província.
esta foi a minha prenda de natal. na senda do que foi o meu ano 2008, parar, voltar atrás, reflectir, decidir, para melhor seguir em frente.
amigos, talvez seja esta a única forma de viver: não esquecer nada, mas ser capaz de sublimar tudo o que está para trás, apostando mais no dia de hoje, em vivê-lo de forma mais leve e mas intensa (não, não é contradição, longe disso..).
os fantasmas olham-se nos olhos. esta foi a minha prenda de natal. se a ela me refiro, mesmo que de forma algo abstracta, é porque me parece que vos pode ajudar. assim seja, são os meus sinceros votos.
uma vez mais: feliz natal.
22 dezembro 2008
estação de inverno: 47ª estação
amanhã, a quadragésima sétima estação de inverno.
natal revisited.
o trapezista no arame: ruy belo, na estação. um sonho antigo, um sonho lindo.
mestre erik satie, em fundo. e uma pequena soul-surpresa, algures a meio..
para que seja mais NATAL.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
19 dezembro 2008
18 dezembro 2008
na primeira metade dos anos 80 (sim, há tanto tempo..), os violent femmes gravaram dois discos absolutamente marcantes para a história da moderna música popular norte-americana.
o disco de estreia, sem título (ou, como se diz nestas coisas, chamado simplesmente 'violent femmes') é um disco em estado de graça. rock and roll directo, ferozmente incendiário naquele registo interior e algo 'clumsy' da pós-adolescência. energia e testosterona à solta, polvilhado por algum 'angst'. eram rapazes com coisas para dizer. e disseram-nas, num disco que é um conjunto de singles irrepreensíveis, cantando as dores de quem deixou a adolescência há minutos e não se sabe ainda situar no mundo. do outro lado do oceano, os the smiths faziam o mesmo, mas num registo pop-arty, excelso, imaculado, de uma deslubrante beleza formal. estes moços, típicos americanos, vindos dos subúrbios de um estado de segunda categoria, não vinham ao mesmo. as canções são orelhudas, ligeiramente musculadas; a voz é sui generis, num permanente estado de ironia; as palavras soletradas a preceito; o som é esquinado, sujo, não especialmente complexo. rock directo, herança de coisas que aquela rapaziada escutou nos anos 70 e, logo ali, nos primórdios da, então nova, década de oitenta. já o disse antes: é, provavelmente, o disco que mais vezes ouvi na minha vida. apanhou-me no momento certo - e isso, amigos, é ouro.
o disco segundo foi uma inflexão na carreira destes nossos rapazes. muito mais produzido (mas sem ganhar 'ganga'), é um disco que merece estar no rol dos indispensáveis de muito boa gente. de seu nome, 'hallowed ground', é isso mesmo: um mergulho em terrenos amaldiçoados, mal-sãos. um disco viscoso, de uma temática que oscila entre a 'pequena história da gesta americana', um misticismo aqui e ali quase apocalíptico (mas nunca óbvio), um desencanto de quem acabou de crescer e sente que, de alguma forma, 'foi enganado'. 'hallowed ground' é um disco melodicamente mais complexo, com toques de free jazz, menos orgânico que o seu antecessor (que quase parecia gravado de um só take), mas com uma gravitas muito mais presente. denso, mesmo quando facilmente trauteável, duro nas palavras, mesmo quando servidas por fraseados dinâmicos e vivos, introspectivo mesmo quando gordon gano, carismático líder da banda, parece cuspir palavras sobre quem o escuta. um abençoado disco amaldiçoada. ou então ao contrário. ou então, como dizia o outro: só bom. todos os dias.
depois, depois.. a banda mergulhou em gravações regulares de álbuns regulares. sempre com canções portentosas, mas nenhum minimanente, no seu todo, à altura do magnífico par de primeiros discos. há um registo mais irónico, mas menos sério; canções fervilhantemente pop, mesmo parecendo rock; incisiva crítica política e civilizacional; a voz de gordon gano sempre pungente e urgente (estranha e rara combinação); singles nos charts, aqui e ali. mas, como em tantas outras histórias, nada foi como dantes.
das bandas que na minha vida de melómano amador mais gostaria de ver ao vivo, a esmagadora maioria remete para a expressão 'gostaria de ter visto', por manifesta impossibilidade (the clash; joy division; the go-betweens; the smiths e um longo etecetera). uma daquelas, poucas, que poderia ter visto eram/foram/são precisamente os 'violent femmes'. no entanto, nunca o fiz. transformados em 'clowns', abrilhantaram vários concertos de 'finalistas', um pouco por todo o portugal, nestes últimos dez anos. uma noite em que me senti especialmente fragilizado (estas coisas são dores subtis, amigos) foi a noite em que tocavam no instituto superior técnico, enquanto passava, de carro, mesmo ao lado. abri a janela e escutei meia-dúzia de acordes, por entre luzes e pirotecnia de feira. que faziam aqueles rapazes ali? que pensariam aqueles miúdos daqueles quarentões, em permanente (falsa?) pose de folia? que raio de mundo é este? - pensava para comigo. acelerei e segui em frente, olhando pelo retrovisor. lá atrás, os meus dias de adolescente, ao som dos violent femmes, catarse bela e visceral desses meus anos. até desaparecerem. eles e eu. esses 'eles' e esse 'eu'.
senhoras e senhores: the violent femmes!
17 dezembro 2008
16 dezembro 2008
estação de inverno: 46ª estação
hoje, a quadragésima sexta estação de inverno.
uma nova geração de poetas, a partir do número inaugural da revista 'criatura' (fevereiro de 2008), espécie de vôo planante por um núcleo geracional e afectivo que afia as canetas enquanto vive estes dias.
e, entre meia-dúzia de cantigas à moda do inverno, a evocação do superlativo 'astral weeks', disco que fez recentemente 40 anos, estreia a solo do senhor van morrison - alternativo poeta de palavras torrenciais, envoltas em preciosas melodias de folk-blues-rock. 40 anos e nem uma ruga, amigos.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
15 dezembro 2008
circus maximus
montgomery clift, em 'i confess', de alfred hitchcock
declaro-me desde já culpado. total e inequivocamente culpado, sem apelo nem recurso: todo este blog é puro sentimento.
aos meus jurados, pergunto: queriam o quê.. arte?; aos meus juízes, pergunto: queriam o quê.. jornalismo pós-moderno?
sim, sou culpado. o meu crime: sentir sem freio e dar-lhe forma. eu sei: um criminoso, mesmo se 'demodée' e anacrónico, não deixa de ser um criminoso.
oh, arautos impiedosos do naturalismo asséptico; oh, escribas a soldo da indústria artesanal de conteúdos, já disse e repito: puro sentimento.
esta é a minha forma de rir de todos vós, a minha maneira de zombar de todo este 'circus maximus'.
porque, como diz alguém, através das palavras da joan as policewoman: 'a beleza é o novo punk-rock'.
e a ternura a nova revolução.
o homem desmultiplicado
hoje sonhei contigo. num cenário de guerrilha africana, andavas por lá, sem eu perceber muito bem porquê. talvez nem tu.
hoje vi-te, numa paragem de autocarro - microssegundo em deflagração. talvez não me tenhas visto. mas talvez tenhas sonhado comigo, num cenário de guerrilha urbana.
pobres modernos, crivados de poemas e palavras. feridos por filmes e afectos em perda. escravos dessa lenga-lenga desolada e fria que é, por vezes, a memória.
condenados em vida a viver por dez. e viver é (também) sofrer. sete vidas tem o gato. dez vidas temos nós - e todas a acontecer ao mesmo tempo. melhor seria não as ter. não nos permitem recomeçar, uma e outra vez. não nos permitem arriscar, como se desta vez é que fosse a sério, aposta desmedida, suportada pelas malhas de uma rede metafórica.
as melhores metáforas estão mortas, como as rosas.
a maldição do homem desmultiplicado é esta: viver em 'loop' permanente, carrossel feérico e fantasmagórico, solilóquio sem interlocutor, num 'huis clos' que suga a seiva e salga o sangue.
e assim. multiplicado(s) por dez.
12 dezembro 2008
10 dezembro 2008
08 dezembro 2008
estação de inverno: 45ª estação
amanhã, a quadragésima quinta estação de inverno.
os the walkmen e os the national, num mano-a-mano improvável. nick drake e tim buckley partilhando o mesmo palco crepuscular. e a nova paixão da 'estação': os soberbos beach house, anjos modernos de um low fi sem tempo.
ao largo, as palavras duras, sem concessões, de luis quintais - mais uma estreia na 'estação'. porque a poesia nem sempre é terra amiga.
coisas assim. c.o.i.s.a.s. a.s.s.i.m..
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
05 dezembro 2008
os melhores anos da minha vida
os melhores anos da minha vida
passaram comigo ausente, passaram
numa corrente subterrânea.
não me apercebi de nada, distraído
com a queda das folhas,
a densa mistura de pão e desordem.
estava tudo em aberto, mas eu não sabia
senão de pequenas querelas,
e tímidos passos à toa, sempre à espera
de não ter futuro. sentado, como um pobre,
sobre o poço de petróleo,
eu media com tesouras as semanas,
misturava-me com livros, ansiava
pelo dia em que deixasse de sangrar.
os melhores anos da minha vida troquei-os
por isto.
josé miguel silva
passaram comigo ausente, passaram
numa corrente subterrânea.
não me apercebi de nada, distraído
com a queda das folhas,
a densa mistura de pão e desordem.
estava tudo em aberto, mas eu não sabia
senão de pequenas querelas,
e tímidos passos à toa, sempre à espera
de não ter futuro. sentado, como um pobre,
sobre o poço de petróleo,
eu media com tesouras as semanas,
misturava-me com livros, ansiava
pelo dia em que deixasse de sangrar.
os melhores anos da minha vida troquei-os
por isto.
josé miguel silva
04 dezembro 2008
em 2007, esta foi a canção-quintessencial do 'flores de inverno', alter-ego rasgado e melodramático, belo e denso, de um ano complicado.
em 2008, desta canção disse joão bonifácio, nas páginas do 'ípsilon', ser 'a melhor canção que bob dylan não gravou nos anos sessenta'.
hoje, finalmente, pelas 23h00, os 'the walkmen' estarão a dar um concerto em lisboa, no teatro tivoli.
eu não estarei lá. mas há um lado de mim que estará lá como que se não houvesse amanhã.
mas há amanhã?
repitam comigo:
another one,
another one,
goes by.......
03 dezembro 2008
para que não esqueçamos
..para que não mais esqueçamos que a água é a pedra mais dura.
..não podia durar.
..suspendendo por instantes o desejo de estar noutra cidade.
..amanhã, enfim, voltarei a casa.
..ficaria muito feliz se voltasses a cantar.
..por um momento, antes de desaparecerem.
..depois, começou a escurecer.
..acaba-se sempre demasiado depressa.
..não fazer nada, que é pior.
..o discurso opcional obrigatório.
..qualquer amada é eurídice, se a olharmos bem.
..os sonhos suicidam-se com soníferos.
doze excertos finais de doze poemas de mariano peyrou (argentina, 1971), traduzidos por manuel de freitas, para a revista 'telhados de vidro', n-º10, de abril de 2008, editora averno, pela ordem inversa de impressão.
..não podia durar.
..suspendendo por instantes o desejo de estar noutra cidade.
..amanhã, enfim, voltarei a casa.
..ficaria muito feliz se voltasses a cantar.
..por um momento, antes de desaparecerem.
..depois, começou a escurecer.
..acaba-se sempre demasiado depressa.
..não fazer nada, que é pior.
..o discurso opcional obrigatório.
..qualquer amada é eurídice, se a olharmos bem.
..os sonhos suicidam-se com soníferos.
doze excertos finais de doze poemas de mariano peyrou (argentina, 1971), traduzidos por manuel de freitas, para a revista 'telhados de vidro', n-º10, de abril de 2008, editora averno, pela ordem inversa de impressão.
02 dezembro 2008
no dia em que aterrei em lisboa
deixei algo longe, ficou para trás,
no olhar daquele crioulo louro,
no gesto largo daquele outro rapaz.
uma tarde a revistar as algibeiras,
por dentro, por fora - de todas as maneiras.
mas não encontrei palavras literais,
nem as metáforas mortas de ricouer,
nem signos, nem cifras, nem fórmulas,
nem criptografias vivas, nem geografias mortas.
procurava
o quê, o quando, o porquê, o quem,
por entre minudências de jornal.
mas nada servia para nada:
nada me fazia bem;
nada me fazia mal.
será então a ausência tudo?
será antes a presença nada?
tudo baço, tudo difuso,
tudo raso,
tudo mossa.
eu: nada posso.
tu: tudo passa.
estação de inverno: 44ª estação
hoje, a quadragésima quarta estação de inverno.
em destaque, a revista de poesia (mas não só) 'telhados de vidro', uma publicação da editora averno, pela mão dos seus dedicados editores. a partir do seu número 10, andaremos na companhia de josé miguel silva, manuel de freitas, rui pires cabral, manuel gusmão e vitor nogueira - uma verdadeira mão-cheia de talentos..
as canções andarão, na segunda parte do programa, em torno de belos e metafóricos 'cavalos' - uma paixão de sempre. bill callahan (através do seu alter-ego smog), alguns heterónimos do senhor will oldham (palace music, bonnie prince billy), o 'founding father' johnny cash - todos eles passarão pela estação. atenção também a matt elliot, um escultor de distopias sonoras que vale a pena conhecer. e aos wilco, patinhos-feios de um certo 'indie rock americano' que sabem mais do que parece..
frio? nós não temos medo do frio.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]
em destaque, a revista de poesia (mas não só) 'telhados de vidro', uma publicação da editora averno, pela mão dos seus dedicados editores. a partir do seu número 10, andaremos na companhia de josé miguel silva, manuel de freitas, rui pires cabral, manuel gusmão e vitor nogueira - uma verdadeira mão-cheia de talentos..
as canções andarão, na segunda parte do programa, em torno de belos e metafóricos 'cavalos' - uma paixão de sempre. bill callahan (através do seu alter-ego smog), alguns heterónimos do senhor will oldham (palace music, bonnie prince billy), o 'founding father' johnny cash - todos eles passarão pela estação. atenção também a matt elliot, um escultor de distopias sonoras que vale a pena conhecer. e aos wilco, patinhos-feios de um certo 'indie rock americano' que sabem mais do que parece..
frio? nós não temos medo do frio.
[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]