o homem desmultiplicado
hoje sonhei contigo. num cenário de guerrilha africana, andavas por lá, sem eu perceber muito bem porquê. talvez nem tu.
hoje vi-te, numa paragem de autocarro - microssegundo em deflagração. talvez não me tenhas visto. mas talvez tenhas sonhado comigo, num cenário de guerrilha urbana.
pobres modernos, crivados de poemas e palavras. feridos por filmes e afectos em perda. escravos dessa lenga-lenga desolada e fria que é, por vezes, a memória.
condenados em vida a viver por dez. e viver é (também) sofrer. sete vidas tem o gato. dez vidas temos nós - e todas a acontecer ao mesmo tempo. melhor seria não as ter. não nos permitem recomeçar, uma e outra vez. não nos permitem arriscar, como se desta vez é que fosse a sério, aposta desmedida, suportada pelas malhas de uma rede metafórica.
as melhores metáforas estão mortas, como as rosas.
a maldição do homem desmultiplicado é esta: viver em 'loop' permanente, carrossel feérico e fantasmagórico, solilóquio sem interlocutor, num 'huis clos' que suga a seiva e salga o sangue.
e assim. multiplicado(s) por dez.
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