31 março 2012


ardemos num incêndio de esperança, para que reste de nós uma lembrança, um fumo que sobe e não se apaga. tudo é memória: um fumo leve, em mil visagens animadas; ou denso, em formas inertes e sombrias; e, ao longe, a grande fogueira invisível que os demónios e os anjos alimentam. 
vivo, porque espero. lembro-me, logo existo.


teixeira de pascoaes, in 'o pobre tolo'

30 março 2012

29 março 2012


3 meses 3

28 março 2012


no país da nossa infância, é(s) agora noite todo o dia.

27 março 2012

26 março 2012

o vislumbre


dom caio cavalgava há horas, de boca sequiosa e esqueleto amarrotado, quando, da poeira soerguida, lhe saiu ao caminho dona morte – a mulher de todas a mais temida. dom caio, que nunca fora homem para se ficar, de pronto desembainhou a espada e, num rápido movimento que não vem nos livros de física, logo ali a trespassou, vezes sem conta. dona morte aguentou as febris estocadas, sem arredar pé. quando dom caio, alagado em seu próprio suor, se preparava para escolher entre o hara kiri ou a espera, dona morte virou costas e desapareceu, desvanecendo-se da mesma exacta forma como, poucos segundos antes, havia surgido – do nada, isso mesmo, do nada. dom caio recuperou o garbo e sacudiu o pó. cofiando o bigode que atravessara já várias guerras, sempre impecável e inatingível, sentiu-se pela primeira vez vulnerável. já não a galope, mas a passo, retomou o curso que interrompera, dirigindo-se a casa. aí chegado, pousou a espada no mesmo exacto sítio onde ainda hoje permanece. passaram quinhentos anos, dom caio desapareceu dos trilhos terrestres. quando perguntam a dona morte por episódios memoráveis da sua vida de permanente ceifa, dona morte lembra-se, sem o confessar, de dom caio e do seu bigode imponente, da sua coragem e fibra. dona morte teve, sob o mesmo sol inclemente que um dia, lá longe, dourou a pele de dom caio, um vislumbre do que é o melhor da humanidade. e, ontem como hoje, sempre que recorda dom caio, sob o calor ensandecedor da meseta ibérica, nos idos de há séculos, é sempre em lágrimas que regressa ao trabalho. ninguém regressa igual de um vislumbre tal. nem mesmo dona morte, a impiedosa. dona morte encolhe os ombros e segue viagem, sabendo que, de uma forma mais amena, mas não menos certeira, o seu trabalho foi feito. chegará o dia em que dona morte, velha e cansada, morrerá também ela. dom caio, que não tem vocação nem morada, não daria grande substituto. ficamos todos em suspenso, portanto, perguntando a nós próprios – matada dona morte, morreremos de quê? dom caio sabe a resposta, mas nunca a dirá. a cada um o seu próprio vislumbre. ou deslumbre.

24 março 2012


the 'guess what' series - #1

21 março 2012



like a broken umbrella
(in memoriam do nosso rapaz)


embalado pela chuva minuciosa de Borges,
pela lacrimejante poesia do José Miguel Silva,
(viva o cosmopolitismo poético, viva!)
pelas bátegas de saudades que caem copiosamente,
podia desatar a escrever poemas,
reacender o rastilho que ensopado
deixei muito lá atrás,
nesse tempo em que ainda.

em tua memória e dos teus conselhos,
não o farei, contudo.
lembro, ademais, toda a minha lógica quebrada
que gritava contra a usura do tempo
e a ferrugem dos nossos dias, enquanto tu
me lembravas uma lição básica da vidinha:
nenhum desespero substitui a dor,
antes amplifica-a, até à exaustão.

era outro tempo, outro século,
esse em que nos aconchegávamos, mui masculinamente
encafuados no carro que calhava, queimando sonhos e cigarros,
sonhando as índias que nunca chegaram.

hoje, solitário cavaleiro andante, perpetuo a tua memória,
sabendo que esperas por mim, nesse algures inominável,
a última cartografia absoluta que resta.
estas palavras, sim, estas palavras, eu sei,

são um cenotáfio ridículo erguido na tua ausência,
à falta de melhor – que seria sempre um acto de amor concreto,
tornado agora impossível nesta geometria terrena.
(a minha poesia morreu contigo, penso não raro.)

e é enredado nestas vielas cheias de amargura
que me lembro do teu sonho de menino de teres
toda a colecção Dois Mundos, da editora Livros do Brasil.

não tínhamos dinheiro,
como hoje não nos temos um ao outro,
mas éramos felizes, a sonhar com livros e namoradas e futuros.

embora não o soubéssemos, era sempre de amor que falávamos,
um amor fraternal e desmedido como já não se usa.
ficámos no museu das coisas extintas, querido amigo,

acompanhados por tanta gente outrora vivente
como estas palavras que, daqui a segundos,
me morrerão nas pontas dos dedos, enquanto

enxugo este meu coração-filho-da-outra
mas pai de tanta coisa que felizmente sai à mãe
- ou a uma luminosa e improvável ideia de mãe.

saudades, pá. saudades.

e este nosso telemóvel brother to brother
agora calado para sempre,
bem por dentro do meu peito.



(nota: fotograma retirado de 'em câmara lenta', um crepuscular filme de fernando lopes, a partir de um belíssimo livro de pedro reis)

20 março 2012




a primavera há-de chegar, bandido.

19 março 2012


a primavera há-de chegar, bandido.

17 março 2012



let it rain, let it rain.


..


ao fundo, as nuvens chocam com as
casas. os pássaros gritam e há homens
que se atiram das varandas como se
fossem vasos empurrados pelo vento.
os carros esmagam os bichos que correm
pelo alcatrão. é quase primavera, o frio
anuncia uma culpa antiga, a solidão
dos guerreiros. e há outro homem
que diz: gosto das árvores, do seu tronco
e das raízes que rasgam as calçadas. esse homem
decidira viver porque pertencia
à humidade das paredes, aos telhados de
barro, às bétulas. era dali que lhe vinha
a força dos braços, a claridade que se lhe
prendera à pele. era esta a sua confissão.
mas, após ter dito aquelas palavras lançou-se
para o espaço, seguindo a trajectória da chuva.



jaime rocha

15 março 2012


14 março 2012




como se leonard cohen se desmultiplicasse e fosse agora também mulher - esta mulher.

para ti, que tanta falta me fazes.

'cause no death can. and no death will.

12 março 2012



as saudades que trago comigo
não as queria nem dadas
ao melhor amigo..
..do meu pior inimigo.

09 março 2012


when the world almost falls apart, there is a light that never goes out.

08 março 2012



lindo. linda. lindos.

07 março 2012

dizia um célebre escritor russo:
um tipo nasce e está tudo traçado: vira à esquerda, e é comido pelos lobos; vira à direita, e come os lobos; segue em frente, e come-se a si próprio.

de maneira portanto que é assim.

06 março 2012

04 março 2012



como se os pink floyd encontrassem a tradição planante dos late sixties e dos early seventies americanos. crosby, still, nash and young andam por aqui, tal como os america. porque o tempo não existe, o tempo nunca aterrou na portela. o tempo, nunca ninguém o viu. e assim.



fuzzy way
haze in the assault was awaking
the sand was a grayish shade of blue
spirits of desire
were her eyes they did admire
the evening that we only thought we knew

further out to see
i held the rose wings over me
vibrations in the air turn my ears
the sun was rising ...
the day was saddled up to go
the desert is a lonely night for disappear

the rain in flowers through the desert sky
is wiser then you and me
the birds now go east
but still miss a sleep
and the desert raven he has palm trees

close your eyes and fly away
let the diamonds make the light
crystal blue will turn your ruby red
pas with i'm amazing with a heaven story hazel
ever since it galloped over head

buffalo at night they follow close the river's edge while
saffron slowly grows inside the cage
the star reminds of how you sit
at home alone in the suns eclipse
the sandy canyon flows beyond the wave

the rain in flowers through the desert sky
is wiser then you and me
the birds now go east
but still miss a sleep
and the desert raven he has palm trees

02 março 2012



manuel de freitas, in 'marilyn moore'
(foto retirada de um post no tumblr. 'ainda não é tarde')