06 agosto 2012

no dia do teu quadragésimo aniversário


toda a poesia é guerra, disse alguém
e quem sou eu para desdizê-lo?
por exemplo: hoje.
aqui, à sombra de flores de inverno,
bebendo nos lábios a fina luz desta manhã,
contemplo séculos de história
e um complexo edifício-síntese,
combinando memórias passadas e sonhos futuros,
numa coexistência pacífica, comovente até.
qual o segredo?, perguntas-me.
e eu respondo-te: a ausência de seres humanos,
daqueles que estão ainda verdadeiramente vivos.
quer dizer: não é a completa ausência,
mas antes esse papel secundário
que todos nós desempenhamos
no grande esquema do mundo.
esta memória em cinzas e esta fome futura
mutuamente incrustadas e indissolúveis,
fazem-me lembrar eu próprio,
outra forma de dizer que me lembra a forma incontornável
como tomaste conta de mim, meu irmão.
por exemplo: hoje.
hoje, dia do teu quadragésimo aniversário,
a centenas, milhares de quilómetros,
noutra galáxia, noutra vida, talvez reencarnado numa criança,
não deixas de estar aqui, e portanto de seres eu próprio,
tal como tudo o que ficou para trás e o que há-de vir
são extensões de uma essência presente qualquer,
como todo o amor que já morreu não deixará nunca de ser.
como tudo o que não há e que um dia houve ou um dia virá a existir.
nesta manhã que me acolhe em seus silenciosos braços,
é a ausência de vida quotidiana que permite um olhar doce,
desabitado de fantasmas e morticínios.
toda a poesia é uma jihad, uma guerra santa inclemente,
e agora sou eu que o digo.
daqui a pouco, o dia vai entrar em combustão,
o sol de lisboa dará sinal de si,
acordarão os passarinhos do seu canto embalsamado.
cheira a verão, apesar da minha roupa de inverno.


no dia do teu quadragésimo aniversário,
eu estou aqui, de coração a céu aberto,
e, tenho a mais absoluta certeza, tu também,
eternal brother of mine.