28 maio 2012




nunca acumulou fotografias, polaroids, retratos, photomatons.
tinha a secreta esperança de que assim espantaria os espíritos
de tudo o que o despertava alta noite dentro, esse berbequim
obsceno e dilacerante (ocorrem-lhe palavras: cenotáfio, memento,

dor).

rectângulos de papel, cheios de ferrugem e de esquinas dobradas
pelo tempo; quadrados de película, fixando para sempre o que não
existirá outra vez. o que, se calhar, não terá nunca existido, senão
bem dentro da sua delirante cabeça (ocorrem-lhe palavras: estalar,

lágrima).

dois ódios de estimação o acompanhavam vida fora, desde menino:
estatuetas - daquelas bem vivas; e arquivos - daqueles bem mortos.

(pudesse ao menos apagar as palavras que lhe rebentam os dedos.
e as memórias que lhe rebentam as palavras.)