12 janeiro 2012




queria de ti a estrela maior e as tuas sementes de verão no céu da minha boca. o azul dos teus olhos são policromias por inventar que fazem do inverno uma outra sagração da primavera. cansado de escolher caminhos, os meus olhos elevaram-se e repousaram na quinta nuvem. cravado na porta, o bilhetinho dizia: todos os meus reinos por um beijo. escondido por entre o terceiro verso da última página e o pó da contracapa, enganava o tempo como aqueloutro ladrão de corações preparava o assalto do século: roubar-se a si mesmo, sem testemunhas. de pés descalços sobre a lâmina, o equilibrista sabia ter de um lado o sublime e do outro o ridículo - para onde cairá? escuta-me: as flores de fevereiro descerão dos campos e encherão as casas de limão, laranja, lima, tangerina. todos sabemos que o que queima não é o fogo, mas a perspectiva, a partir desse lugar: desertos desolados, um mar de gelo. nesses dias, escrevia como vivia: canetas de aparo fino e grossas lágrimas de tinta. no retrovisor, o inverno; no horizonte, o verão; no coração, a primavera - isso é que era. mas não era. rio em vez de sangue; mar em lugar de pele; vagabundo e exangue - assim era o coração dele. um dia, farei do inverno uma outra coisa qualquer - disse-lhe ele, enquanto se afastava de guarda-chuva semi-aberto e de coração semi-cerrado. um dia, repetiu baixinho, já só para ele. lá fora, a chuva confundia-se com as lágrimas, como sempre acontece nas histórias sem moral. no seu despojamento, era feliz. tinha a beleza como ópio. cantava, madrugada fora, todas as rosas mortas e outras dores em flor. ou sonhava sonhos que metiam o comércio tradicional e afectos defeituosos. sonhava também uma casa futura, uma coisa dourada, uma espécie de elegância extrema a esmagar o nada. como um animal que pensa e sente, numa jukebox revisitada. este febril eterno coração descendo, rente à noite, uma alameda de sonhos queimados. e tudo o resto era amor.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E, subitamente, entreabre-se menina descendo a Avenida da Liberdade, de boina azul, erguendo o céu não na cor, mas nos olhos, porque a avenida desliza como o mar, com camadas sobrepostas de cascas de tangerina, laranja, nectarina e limões que se despregam em fúria dos frutos suspensos nas árvores. Mais do que nunca faz sentido apregoar essa pequena subtileza lúcida "Quero um amor fresco, todos os dias" e contorcer a boca com o sabor cítrico e agridoce deste pensamento refinado, que todos os embriagados afagam no primeiro copo da manhã.
As flores inacabadas são seres excepcionais. Que as palavras que proferiste continuem a desaguar. Perpetuamente. Em flor, ainda que trémula. Com aquela dose de verticalidade q.b,, mas sempre vorazmente ternurenta.

S.

sexta-feira, janeiro 13, 2012 9:17:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O espaço da cidade desenvolve-se da quietude do olhar
enquanto o aroma das plantas bravias se vem depositar a seus pés
e vem estalar no interior da saliva
à espera da rebentação dos sentidos já na baínha do corpo.
E dessa arquitectura frágil feita no mapa dos dias
se ergue o subtil ainda que persistente desejo de persistir.

(Assim me visitaste nesta manhã de domingo, devolvendo-me memórias de infância e ansejos de idade adulta. Espero poder (re)colher muitas mais das tuas belíssimas flores de inverno, e chegá-las às narinas, tomá-las cuidadosamente entre as mãos, e finalmente encostá-las ao peito, porque assim se aproxima o ser).

RJ

domingo, janeiro 15, 2012 9:56:00 da manhã  

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