"Uma vez, disse don Pancrácio, Monteforte Toledo atirou-me para o regaço este enigma: um poeta perde-se numa cidade à beira do colapso, o poeta não tem dinheiro, nem amigos, nem ninguém a quem recorrer. Ainda por cima, naturalmente, não tem a mínima intenção, nem vontade, de recorrer a ninguém. Durante vários dias vagueia pela cidade, ou pelo país, sem comer, ou a comer desperdícios. E nem sequer escreve. Ou escreve com a mente, quer dizer, delira. Tudo indica que a sua morte está iminente. A sua desaparição, radical, pressagia-a. Mas, no entanto, o referido poeta não morre. Como se salva? Etc., etc., soava a Borges, mas não lho disse, já bastante o lixam os seus colegas acusando-o de plagiar Borges aqui, ou de o plagiar ali, se o plagia lindamente ou se o plagia às três pancadas, como teria dito López Velarde. O que fiz foi ouvi-lo, e depois imitá-lo, quer dizer, ficar em silêncio. E depois chegou um tipo para me dizer que já estava à porta do hotel a furgoneta para nos levar ao aeroporto, e eu disse está bem, vamos lá, mas antes olhei para don Pancrácio, que já tinha escorregado do tamborete e que me olhava com um sorriso na cara, como se eu tivesse encontrado a solução do enigma, mas é evidente que eu não tinha encontrado, nem percebido, nem adivinhado nada, e, ainda por cima, estava-me nas tintas, por isso disse-lhe: e qual era a solução para o problema que lhe apresentou o seu amigo, don Pancrácio? E então don Pancrácio olhou para mim e disse: qual amigo? Pois o seu amigo, quem quer que fosse, Miguel Ángel Astúrias, o enigma do poeta que se perde e que sobrevive. Ah, isso, disse don Pancrácio como se acordasse, a verdade é que já não me lembro, mas não se preocupe, um poeta não morre, vai-se abaixo, mas não morre."
Roberto Bolaño
in página 285 de "Os Detectives Selvagens" (4ª edição, Março de 2010, Teorema)
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