28 outubro 2011



e foi assim que passaram 5 anos.


virei aqui (ver abaixo, por favor), de vez em quando, colocar o video de uma canção, umas palavras, uma imagem, uma fotografia, uma cena de um filme, uma polaroid, uma memória, um sobressalto - coisas assim, coisas simples.


fá-lo-ei sem regras, nem ritmos. sem obrigações, nem compromissos. 'sem lenço, nem documento', como cantaria o príncipe caetano.


há 5 anos, tudo começou com um poema, epígrafe e programa de intenções. é justo que aqui o recuperemos, dizendo alto:


és como a flor de laranjeira

que apesar de invísível aos olhos
 

penetra nas narinas do moribundo
 

e é delícia, tudo na vida
 

por uns segundos.


obrigado a todas, obrigado a todos, por terem sido, mesmo que em silêncio, aí desse lado, 'como a flor de laranjeira'.. essa branca, gloriosa e futura flor de inverno.



once, in lisbon, i fell in love with a french movie star

não sei bem porquê,
mas é alva a memória que guardo

das paredes de tua casa,

 
dos livros que nela guardavas,
da ponta dos teus cigarros,
da quase não-cor da tua bebida preferida,

 
das minhas palavras a mais
das tuas palavras a menos
- e de mais umas quantas coisas que não vou aqui escrever

 
(o poeta a que falta coragem é, também ele, um poeta em branco.)

só os teus olhos não eram brancos, 
antes de uma impossível cor de avelã,

mas disso, ou sobretudo disso,
não tenho eu qualquer culpa..

(nem daquela nossa fotografia.)






E. um fogo


um fogo
em cada mão
ervas -
árvores
acacia anegadensis
acacia melanoxylon -
noite pétala areia água
um nome tão submerso e
indistinto
o modo como nos levamos
como nos arranjamos -
como queremos a terra por dentro -
como pomos boca língua lábios no odor
como somos simétricos como caímos
(como o ocidente)
mapa e infância
odor e gesto
nuca e perfume
e os olhos ao centro de onde
toco de onde te toco onde
tens essa fome tão negra tão vermelha
essa que não aparece na fotografia
essa onde tens um fogo uma rosa
em cada mão essa por que eu digo
essa por que me fazes dizer
rosa árvore estrela
e a coisa marcante
essa coisa delirada essa assim tão arranjada
que tens como tens a minha boca
essa coisa arrumada aprumada dada
pelo teu assim simples gesto tão secular
de tocar a alma dos gerânios
diante daquela parede onde tive
o teu corpo
essa coisa que eu sou
pelo teu tão envolvido gesto de me cegares
onde eu quero
tenho-te mais ainda quando (te) perco
o odor dos teus joelhos
ou essa estrela essa pátria cor de mármore
esse musgo esse lastro que é como o amor ou
uma criança em meio da paisagem
(como em meio do poema eu)
assaltada pelo perfume
uma criança a dizer os nomes
uma criança a amar o centro
dos mapas a dizer
minha pátria tão infância
a dizer
como me seguras o sangue todo
como me arranjas o lugar de eu ser
aquele que diz o centro desse laço
e a cor dos lábios vermelhos a dizer
oliveiras acácias magnólias
(um modo de cair)
a querer
todo o odor do mundo
todo nos ramos o peito cercado
o sangue extremo de te tocar onde
tens a giesta mais densa
e essa fome assim tão medieval de me levares
de me despires diante das janelas sob
as ramagens carregadas de frutos
de me quereres pelo meio (por)
essa fome de não termos nem casa
nem nome apenas
dois fogos um em cada mão e
uma árvore na memória e
terra e sangue e
a fome secular da madeira
a fome a seiva o sangue (e o poema)
ao centro o rosto
um barco vermelho ou
dois vulcões
um em
cada mão
um fogo
e o amor ao centro como na fotografia
uma infância toda rasa toda entrada (tão)
no peito
e de lábio a lábio
de um lado e do outro
ervas
estrelas como sementes
rosas
sobre a mesa
a fauna que queremos -
pernas pele calor lábio mel
eu canto eu decanto –
e o odor -
e eu a querer-te já
como uma fome toda
sem nome -
(o sangue hasteado raso como um rio ou
como uma árvore uma casa no pó sem nome
como te respiro a vagem que me abres
amarela quando o sol
e sempre já
pretérita no ensejo)
da tal semente vermelha
pelo peito
pelas pernas pelo laço pelo lastro
quero-te assim
navegada acesa
e de seda quando te toco entre
o calor o sangue
quando te toco onde não tens mais nome
onde és desde sempre coisa acesa
onde sou fogo ladeado
barco lábio e semente
quando me semeio
quando sou coisa semeada
quente coisa de seiva
quando sou coisa colhida
quando te colho pelos ombros
quando quero os teus lábios
quando somos infância entrada
no calor
quando somos
dois fogos entre quatro braços
como naquele quadro de klee
que nunca te mostrei
que nunca te disse
como – quando – conto o tempo todo
pelo movimento dos teus lábios
ou todo o espaço está contido nesse
movimento de segurares de pousares
duas rosas sobre a mesa
e esse peito ladeado
esse movimento que arranjas
esse fogo que adornas
e o calor e o odor e o sangue com que me cercas
e esse gesto de segurares de teres
a infância sempre
ao meio do peito
o dia todo ao meio do rosto
(e te deitas erva)
para me dizer
como me queres
como (me) escolhes
como te colho
e como te não cinjo toda
como te sinto
semente vermelha
semente aberta
como uma fome tão certa
como dentro da madeira
a seiva coisa sublevada
(no poema)
quero-te ainda mais quando tens o fogo
entre duas mãos duas rosas pela cintura
e me cercas assim com
(metáforas)
a tal coisa que fazemos
com o mel e os lábios e o tempo
ao meio do dia
ao meio do peito
com a infância ao meio das mãos
todas as coisas que fazemos com a água
e os membros a pele a boca e o perfume
despidos
pétala a pétala tão nus
como o outono nas florestas
tão nus como um outono sem árvores
as coisas que fazemos com o amor
o fogo a lei o sangue que partilhamos sempre
à refeição
e os olhos
como crianças cegas
(assim tão subjugadas ao
jogo/jugo)
somos barco e lábio
pedra e memória
somos seiva árvore crianças cegas
(somos mãos: coisas de odor e pele)
viajando sobre os mapas
juntos somos sós
como uma paisagem sem lábios
como rios sobre a mesa temos
todas as horas ao centro do sangue
onde me tocas quando dizes que amas
e somos inteiros como frutos como
o pão
sobre a mesa
gosto quando és rosa arranjada
como te espraias pelo meu pensamento
quando me joias o sangue todo
quando eu tento dizer
a infância tão agrária de termos
entre dois braços essa coisa
densa sem memória sem séculos
essa só coisa sem erudição nenhuma
como o fogo tão descalço sobre a pedra nua
como te quero
eu sou apenas o gesto de te beijar os joelhos
e esse sangue ao centro onde seguras
tudo o que te dou
onde seguras esse gesto essa rosa
esse delta que eu quero com toda
a minha areia com toda a minha água com
toda a minha fome
essa pátria tão traída
a areia a água intraduzível
essa de dizer como tu
seguras esse movimento que me faz
esse que eu faço como sou
semente aberta pátria solícita
lugar incrível de te ter pela anca
pela boca de ter pelo que a água escolhe
de saber como eu digo
de te ter pela rosa
pela mão pelo ombro
pelo sangue que me dás quando me dizes
diante da janela
diante da terra sem nome
quando me dizes
e quando eu ouço
esse gesto de semeares infâncias sem idade nenhuma
na minha pele abalada
pelo crescimento das árvores
das palavras
quando eu digo como te toco
onde tu não podes dizer onde tu sentes tudo
o que este lugar sente tudo
o que eu sinto
quando tu fazes com que eu queira
essa rosa que tens entre duas mãos
esse fogo tão raso tão cego
como entre dois lábios eu te quero o tempo todo
apenas por essa coisa tão coisa de querer
essa só coisa que tu tens
(sou tão-só um modo de querer
a amêndoa dos teus olhos)
um amor tão puro como um livro
cortado ao meio

Luis Felício
in “a sombra dos lugares”, 2011

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabéns, então. Continuarei por cá, sempre à espera de um sobressalto, porque também é por esses que vamos...
JdB

sexta-feira, outubro 28, 2011 11:40:00 da manhã  
Blogger R. said...

eu assino por baixo do JdB, Gi.

sexta-feira, outubro 28, 2011 11:41:00 da tarde  

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