25 julho 2011



hoje, sonhei com um homem grandalhão que arrumava desajeitadamente carros, num bairro da cidade. sonhei com um homem que tinha sido pugilista, num país eslavo, há já umas quantas décadas. um homem que desse tempo guarda só o porte, ainda enxuto, apesar de quebrado pela ferrugem do tempo. um homem que era temido e amado, em doses iguais, mas por pessoas diferentes. hoje, sonhei com um homem que usava uma t-shirt negra, que dizia 'par délicatesse j'ai perdu ma vie' - as célebres palavras-epitáfio de rimbaud. hoje, sonhei com um homem que provavelmente não sonhou comigo, mas não faz mal. demorámos a entender que não somos a medida de todas as coisas, apesar de medirmos todas as coisas, com uma escala feita de afectos e de outras coisas mais. ao sonhar com um homem que nem sequer saberia explicar o que dizia a sua t-shirt, pensei, mais uma vez, em como esse grande livro que nunca escrevi está já, afinal, escrito. ou não fosse esta uma personagem ready-made, prontinha a servir, com o importante senão de que existe no nosso mundo. não tem morada, mas tem biografia, um nome, um passado, talvez ainda um futuro. uma t-shirt negra e aqueles olhos tristes que não rimam com as mãos de boxeur.

- mas rimam contigo.. - rematou o espelho.