08 maio 2011


dez anos dez a escrever canções amarrotadas a que ninguém ligava nenhuma. uma década uma a cantar em bares subterrâneos, nos circuitos que, se novaiorquinos, dir-se-iam off-off-off-off-off-broadway, nos antípodas, portanto, do mainstream e dessa coisa a que chamam sucesso. uma vida a afinar o dente, as mãos, a lírica.. e nada acontece. depois, depois cansas-te e mudas de vida e de continente. tens um desgosto daqueles que fazem as pessoas mudar de vida e de continente e eis que, de súbito, parte da nação indie está agora a teus pés. sim, tens o som anos oitenta, mas diferente, a teu favor; sim tens as letras esquinadas, falsamente simples, reconhecíveis notas do teu biográfico diário, que facilmente suscitam adesão, por esse fenómeno conhecido que é o da identificação entre público e criação, entre público e criador. chamas-te george lewis, assinas como twin shadow e vais estar, daqui a um par de semanas, algures em portugal. na audiência, teremos os hipsters da noite, a rapaziada que segue a cartilha do santo design, metade da indústria dita criativa, uns quantos decerto ao engano. e mais uma pessoa, talvez duas, talvez uma micro-multidão de gente que, não tendo nada de especial, verá no teu espectáculo mais uma etapa dessa espécie de via sacra que é a nossa vida mais interior. fabuloso disco, senhoras e senhores, o deste rapaz. deixem-no assentar, voltem a ele, uma e outra vez, com uma atitude amorosa. e, talvez, a meio de um dia qualquer, entendam de que falamos, quando falamos de twin shadow; de que fala george lewis, quando nos fala ao ouvido, à pele, ao coração.