24 maio 2011

bem cedo, no meu matinal périplo pelo meu bairro, enquanto pensava em tanta coisa tanta, veio ao meu encontro um dos sem-abrigo que vai prestando pequenos biscates pelas imediações, ajudando no mercado local a descarregar mercadorias, sinalizando complexas manobras de arrumação de viaturas, etc.

tenho, um pouco pela cidade, uma rede informal de conhecimentos deste género, entre os desvalidos da vida. neste caso, costumo dar a este homem metade do meu pequeno-almoço - hábito que mantenho, há anos, com quem calha, digamos assim. ao fazê-lo, uma vez mais, deu-me um abraço e disse-me:

- amanhã, vou-me embora. vou ser internado, ali no júlio de matos. desintoxicação alcóolica. não, não regresso, sigo para outra comunidade, a ver se deixo também os cigarros. faço-o pelos meus filhos e netos (nunca pensei que fosse já avô, devo dizer-vos). muito obrigado.

quando notei as lágrimas à beira dos seus olhos, endireitei-me e dei-lhe os parabéns pela coragem. e agradeci o seu obrigado. uma forma, creio, de me defender a mim próprio (como diz a canção ou o poema ou lá o que é: 'eu que me comovo por tudo e por nada' tenho que iniciar manobras de diversão de mim próprio, sob pena de andar sempre de gatas.).

esta é só mais uma história da cidade que calhou ser esta. mas diz-nos muita coisa. diz-nos, por exemplo, que, mesmo esperando que tal nunca venha a acontecer, se um dia existir uma espécie de revolução, adivinhem de que lado me vão encontrar. isso mesmo, desse lado.