16 novembro 2010

(às vezes, o paraíso)

um céu e nada mais - que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
e o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais - que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. um céu e nada mais.

..

se eu cantasse o amor sem resultado ou causa,
seria mais sensata: chegava-me uma lua de papel,
um par de braços lisos, conformados

se eu cantasse o amor sem causa ou resultado,
tinha muito mais paz: fingida em luas-cheias,
seria mais sensata e decerto poeta bem melhor

assim o que me resta é lua cheia a trans-
bordar de tridimensional. a paz a falhar toda
e eu resolvida em causa a insistir papel. e amor.


ana luísa amaral