21 outubro 2010


ela disse: sou uma cidade esquecida.
ele disse: sou um rio.

ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.

ela disse: não sou exactamente uma cidade.
uma cidade é diferente de uma cidade
esquecida.

ele disse: sou um rio exacto.

agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: um pouco de ar entre nós.

ela disse: escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
ele disse: eu corro.

de telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas mãos libertas.
ela temeu o adeus, disse: sou uma cidade esquecida.
ele riu.

filipa leal
in "A Cidade Líquida e Outras Texturas", Deriva Editores