23 agosto 2010

entre 1981 e 1987, eric rohmer assinou mais um dos seus sofisticados painéis, no caso uma série de 6 filmes, sob o título-mote de 'comédias e provérbios'. 6 tratados sobre a natureza humana (as emoções, digamos assim), nesse fino (des)equilíbrio entre o plano das ideias e o plano das acções, entre o que se diz e o que se faz. as personagens dos filmes de eric rohmer têm uma imensa capacidade de articular princípios, construindo edifícios aparentemente robustos, mas que não têm real correspondência no mundo (relacional) real. ou que, quando têm, parecem conduzir essas mesmas personagens a um estado de suspensão. como se o arcaboiço intelectual, quando aplicado às emoções, conduzisse, regra geral, a uma desoladora vitória de pirro; como se, sob a capa de um frenesim verbal e até quotidiano, apenas encontrássemos um jogo inconsequente. em regra, nunca se chega a lado algum nestes filmes, mas o prazer que se retira do seu visionamento é sublime - a sofisticação e a elegância são sempre adquiridas; a reflexão íntima, a posteriori, igualmente garantida. ontem, de tarde, com um copo de gin tónico ao lado, vi três filmes seguidos, por ordem cronológica de produção: "a mulher do aviador", "o bom casamento""paulina na praia". no primeiro filme, todos falam imenso e todos acabam exactamente no mesmo sítio, perdendo todas as oportunidades (menos o aviador, essa não-personagem que, afinal, é o único que parece ser capaz de, de facto, tomar uma decisão e seguir viagem..); no segundo, vemos como todos estamos sujeitos a construir castelos de areia - com a nuance de que quanto mais inteligentes e auto-confiantes, maior a desilusão potencial..; no terceiro, todos pregam imenso a virtude das escolhas certas teóricas e todos se enganam nas escolhas reais (todos não! a adolescente pauline é a única que mantém a tramontana e que é consequente - e é a que fala menos, curiosamente..).
cinema deste já não se faz. tal como aquela frança, de inícios de oitenta, plena de renaults quatro L, também já não existe. ou melhor: existem - um e outra invisíveis, bem dentro de nós.