24 maio 2010


o comboio

digamos no final deste sábado que
a novidade foi nada se ter passado,
que tudo cada vez se volve mais eterno,
profundamente chato e sem contornos,
e que não é possível um pássaro de fogo
entrar-me no escritório, vulgo biblioteca.
sei tão bem as cidades por onde caminhei
que bocejo somente em pensar ir
até ao aeroporto. todas essas cidades
se resumem à estrada que vai por aqui
não me interessa aonde.
mesmo a rapariga que achei bela,
a semana passada desfeou-se
e as árvores, porque é outono,
perderam todo o brilho que tiveram,
e nada disto é digno de citar-se.
portanto regressemos ao princípio.
nada sucede, e o meu coração lança
a crédito outro dia que jamais
poderei reaver. e quantos dias
assim hão-de somar-se em anos idos?
oxalá não me ponha a fazer contas
a esse tempo que vou perdendo
nem escute o comboio em que, miúdo,
pensei fugir de casa para sempre.

nuno dempster