tenho um homem dentro de mim fora do sítio, dizia o vasco gato, nesse livrinho terrível que é omertá (o pacto de silêncio da mafia siciliana).
acordar às 8.30 já dentro de uma reunião. misturar os planos corporativos, multinacionais, os scorecards, os progress reports com statements pessoais, levando a interlocutora, ao fim de breves segundos, a dizer: 'arrisco, joão, que precisa urgentemente de arejar.' e seguir, manhã dentro, para uma conversa levemente surreal, impressionista, com um travo existencial temperado com metafísica. carreira, vida pessoal, grandes decisões. um possível emprego a 40 quilómetros de são paulo, no brasil, gerindo 4000 pessoas. ouvir: 'você era rapaz para isso'. e sabermos, dentro de nós, que não, não somos rapaz para isso.
ter uma reunião com um director de um banco e uma gestora assistente do mesmo. demorar 60 minutos numa negociação árdua, interpretando o nosso lado mais hard, personificando a força que às vezes quase, quase temos dentro de nós.. para, numa curva súbita, enveredar por uma longa e minuciosa exposição sobre 'o nosso contexto'. e como o banco, um banco, pode ajudar nessa transição. e avançar, por ali fora, num relato pungente, terrívelmente eficaz, deixando os interlocutores de lágrima ao canto do olho (ela) e em silêncio, quase estupefacto (ele). atirar, a fechar, que esta poderia ter sido uma performance. e, antes de admitir que não, escutar, em uníssono, do outro lado: 'não se preocupe, sabemos que não foi'. fim de reunião. ao início, meio gingão, havia dito: 'estão a gravar esta conversa? podem fazê-lo com intuitos pedagógicos'. mal eles sabiam que falava a sério.
'já ofereceste alguma coisa a ti próprio, pelo teu aniversário?', perguntava a amiga, do outro lado da linha, a uma distância suficientemente segura de mim próprio. a segunda pessoa, em menos de 24 horas, a fazer-me essa pergunta. e eu responder algo como 'coisas materiais não me dizem nada' (ok, talvez um bom fato me diga alguma coisa..). 'eu não pensava nessas coisas', retorquiu. 'nem eu', respondi-lhe. fica prometido, depois conto-te. vou-me dar uma prenda. uma prenda que quero agora, aqui e agora, porque sim (essa tal razão que tantos dissabores, delírios, frémitos, espantos me causou na vida que levo). e assim foi, exposição e intensidade. um grão de loucura, guerra aos medos e ao sentido, por um momento lutar contra a biografia, e os fantasmas, e os medos, e o socialmente correcto protocolo humano e enfim começar a viver um bocadinho mais. menos complexadamente. menos perfeitamente. menos para a bancada e mais para mim próprio.
e a conversa improvável, talvez ridícula, talvez embaraçosa, talvez apenas humana - melhor: furiosamente imperfeita e dilacerantemente humana - que se seguiu. sobre esta, palavra de escuteiro que nunca fui, nem uma palavra escrita. mas lá que ficou qualquer coisa escrita cá dentro, lá isso ficou.
a arte da intensidade. e este aroma a fim de festa. e uma janela enorme rasgando-se à minha frente e dizendo: 'não tenhas medo, joão'.
há dias assim. e há rapazes-já-pouco-rapazes assim, à procura do joão-sem-medo que será, talvez, a derradeira porta rumo à alegria.
acordar às 8.30 já dentro de uma reunião. misturar os planos corporativos, multinacionais, os scorecards, os progress reports com statements pessoais, levando a interlocutora, ao fim de breves segundos, a dizer: 'arrisco, joão, que precisa urgentemente de arejar.' e seguir, manhã dentro, para uma conversa levemente surreal, impressionista, com um travo existencial temperado com metafísica. carreira, vida pessoal, grandes decisões. um possível emprego a 40 quilómetros de são paulo, no brasil, gerindo 4000 pessoas. ouvir: 'você era rapaz para isso'. e sabermos, dentro de nós, que não, não somos rapaz para isso.
ter uma reunião com um director de um banco e uma gestora assistente do mesmo. demorar 60 minutos numa negociação árdua, interpretando o nosso lado mais hard, personificando a força que às vezes quase, quase temos dentro de nós.. para, numa curva súbita, enveredar por uma longa e minuciosa exposição sobre 'o nosso contexto'. e como o banco, um banco, pode ajudar nessa transição. e avançar, por ali fora, num relato pungente, terrívelmente eficaz, deixando os interlocutores de lágrima ao canto do olho (ela) e em silêncio, quase estupefacto (ele). atirar, a fechar, que esta poderia ter sido uma performance. e, antes de admitir que não, escutar, em uníssono, do outro lado: 'não se preocupe, sabemos que não foi'. fim de reunião. ao início, meio gingão, havia dito: 'estão a gravar esta conversa? podem fazê-lo com intuitos pedagógicos'. mal eles sabiam que falava a sério.
'já ofereceste alguma coisa a ti próprio, pelo teu aniversário?', perguntava a amiga, do outro lado da linha, a uma distância suficientemente segura de mim próprio. a segunda pessoa, em menos de 24 horas, a fazer-me essa pergunta. e eu responder algo como 'coisas materiais não me dizem nada' (ok, talvez um bom fato me diga alguma coisa..). 'eu não pensava nessas coisas', retorquiu. 'nem eu', respondi-lhe. fica prometido, depois conto-te. vou-me dar uma prenda. uma prenda que quero agora, aqui e agora, porque sim (essa tal razão que tantos dissabores, delírios, frémitos, espantos me causou na vida que levo). e assim foi, exposição e intensidade. um grão de loucura, guerra aos medos e ao sentido, por um momento lutar contra a biografia, e os fantasmas, e os medos, e o socialmente correcto protocolo humano e enfim começar a viver um bocadinho mais. menos complexadamente. menos perfeitamente. menos para a bancada e mais para mim próprio.
e a conversa improvável, talvez ridícula, talvez embaraçosa, talvez apenas humana - melhor: furiosamente imperfeita e dilacerantemente humana - que se seguiu. sobre esta, palavra de escuteiro que nunca fui, nem uma palavra escrita. mas lá que ficou qualquer coisa escrita cá dentro, lá isso ficou.
a arte da intensidade. e este aroma a fim de festa. e uma janela enorme rasgando-se à minha frente e dizendo: 'não tenhas medo, joão'.
há dias assim. e há rapazes-já-pouco-rapazes assim, à procura do joão-sem-medo que será, talvez, a derradeira porta rumo à alegria.
3 Comments:
Coincidências engraçadas.
Ainda agora estou a ouvir o Perfect Day, música que muito prezo, pertencente a uma colectânea que muito prezo, 35 years, 35 winter songs, talvez conheças.
Gostei muito deste texto, e nem sequer consigo explicar porquê. Talvez por te mostrares assim desta forma, carne e osso.
Muitos parabéns atrasados, meu amigo Gi. Um enorme abraço.
Muito obrigado, Nuno.
Sim, talvez conheça essas 35 canções ;-).
'Carne e osso'.. Sabes, hoje foi um dia esplêndido - cheio de dores e de luz nos olhos. Um dia vivo deve ser assim ou parecido.
Obrigado, um abraço grato para ti.
Flores,
gi.
Gostei do texto. Talvez o perceba entrelinhas, se nessas entrelinhas existem realidades que me foram próximas - ainda que noutro plano hierárquico.
"Não tenham medo", é uma frase que tem uma divulgação universal desde que a Bíblia o é também.
Há coisas de que me arrependo na vida. Uma delas é de, no final de 2006, com a vida parcialmente esfrangalhada, não ter assumido o grito como lema.
Lembre-se do verso que nos acompanhou numa troca pontiaguda de palavras: buscar a terra é ter falahdo o céu.
Um abraço e parabéns por este (e outros) escrito.
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