lisboa, sociedade de geografia, 19h00 do dia 31 de março de 2009. está prestes a começar a sessão de lançamento do livro 'marcello caetano - o homem que perdeu a fé', uma edição da esfera dos livros e da autoria da minha querida prima manuela goucha soares.
dentro de momentos, a sala, apinhada de gente ilustre do jornalismo, de algumas letras, de muitíssima gente amiga e de muitas pessoas, como eu, da família da autora, vai assistir a uma demonstração de virtuosismo retórico, por parte do senhor ministro da defesa, professor nuno severiano teixeira, fazendo elogio da autora e da obra agora apresentada.
é bom rever a família, nestes momentos, por contraponto a outros momentos bem mais tristes em que nos reunimos, como todas as famílias. e é bom rever todas estas caras com que me fui cruzando, ao longo dos anos, em aniversários, jantares, encontros, em casa da minha prima, do seu irmão e meu primo, dos seus pais e meus primos-tios. pessoas que piscam o olho, dizem estridentes 'olá, estás bom?', todas aquelas coisas que as pessoas, nestas circunstâncias felizes, dizem e nas quais nós quase acreditamos..
mas, perguntam vós e perguntam bem, qual o ponto deste 'post'? eu que raramente enveredo por este género de diário factual ou memorialístico dos meus dias, o que é que vos quero dizer?
o rapazola civil que sou eu, esteve lá, claro está, em-modo-social-ligado. mas o gi, que também sou eu, também se viu igualmente por lá. e, por entre mil detalhes que ainda fazem o seu caminho interior, um houve que me chamou mesmo a atenção.
na plateia de honra, na lista de agradecimentos, familiares de marcello caetano. penso que alguns filhos, primos, sobrinhos, netos. no rosto das pessoas de mais idade, impecáveis como antigamente se sabia ser impecável, víamos uma natural emoção. uma não escondida alegria. e eu via também, por detrás desses olhos que viram tanto, um mundo que não existe mais. o mundo em que o professor marcello caetano - e eles próprios - viveu, os tempos de ilustre lente na universidade, o tempo em que os destinos desta nossa nação lhe estavam entregues; depois, os tempos de mudança de regime, aquele dia 25 de abril, no largo do carmo, o exílio no brasil, onde alguns deles, hoje aqui presentes, terão estado, acompanhando esses dias menos felizes.
é isto uma exaltação ideológica de alguma coisa? não, meus amigos, nada mais distante disso. apenas uma verificação de humanidade, de que ela está em todo o lado. e de que eu continuo a sentir uma empatia imediata com todos aqueles que viveram no topo da árvore e que, como as estações trazem a queda de frutos e folhas, acompanharam esse existencial bailado descendente do professor marcello caetano, do seu mundo irrecuperável, de todo um sistema de valores em que acreditavam. a ideologia, em muitos aspectos nos antípodas do que defendo, não tem lugar aqui. mas a humanidade tem lugar em toda a parte. like it or not.
um outro aspecto que me tocou: a referência pelo insigne apresentador da obra a essa ambivalência que a obra agora publicada reforça: ao ser líder de um país e, ao mesmo tempo, um homem de família, da universidade, com amigos e relações sociais amplas, o professor marcello caetano foi 'obrigado' a experimentar a necessidade de extirpar a emoção, de certa forma condição do seu papel enquanto dirigente do regime, em estreita conjugação com a experiência pessoal do sofrimento (logo, de cariz emocional), inerente ao homem, ao marido, ao amigo. disto, percebo eu bem, amigos. e não vou explicar porquê, peço desculpa..
em suma: aprende-se em todo o lado, o tempo todo, com toda a gente.
e, uma vez mais, um abraço apertado à autora da obra, cujos quase 3 anos de preparação do livro, em circunstâncias pessoais bem difíceis, acompanhei, mesmo que à distância. bem o merece.
2 Comments:
Parabéns pelo texto, bastante diferente do que nos é habitual ler aqui. Gosto da expressão que refere qualquer coisa como a humanidade está em todo o lado. Ás vezes é dificil encontrar-se, mas, quando isso acontece em sítios / pessoas improvavéis, há uma satisfação interior, naquela certeza de que nada está perdido ainda.
Era o tempo, também, em que se desejava adeus, até ao meu regresso.
olá.
obrigado pelas gentis palavras. parece-me ler aí, algures entre as entrelinhas e as palavras subliminares, um desafio implícito: escrever mais assim ('bastante diferente do que nos é habitual ler aqui'). mas, se calhar, estou enganado!
quanto, ao resto, meu caro, não posso estar mais de acordo com as suas palavras.
e 'nada está perdido ainda' rima bem com um dos meus lemas: (ainda) 'está tudo por inventar'..
a linguagem tem sempre a marca do (seu) tempo. nesse campo, da linguagem, eu anacrónico me confesso: era todo um outro encanto. mas, amigo, não esqueça: um olho no retrovisor e outro já no futuro.
adeus e até já, mais prosaicamente.
gi.
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