02 abril 2009




em 1988, peter greenway, em plena fase de apogeu criativo - que quanto a exuberância sempre foi constante -, legou-nos o filme 'drowning by numbers' - traduzido, para o circuito de exibição nacional, como 'maridos à água'.

1. filme excessivo e barroco; filme esplendoroso, herdeiro do crossover artístico mais clássico e de certa maneira a rondar os territórios da videoarte moderna, de cariz mais classizante; filme semiótico e críptico. a começar pelo nome, esse devaneio semântico que só pode ser a expressão 'drowning by numbers'.

gosto especialmente do título português. mais do que ilustração literalista do arremedo de enredo (como sempre, nada plano, mas não no sentido moderno da narrativa pulverizada, do culto da elipse, etc. - antes da relação fundadora entre verdade e verosimilhança do que estamos a ver), é um título sociologicamente seminal. afinal, que outra coisa poderia ser, às portas da última década do século passado, senão a anunciada derrota de uma certa masculidade dominante - para mais, importante detalhe, no seio da família tradicional. podia ser 'homens à água', mas não, 'maridos à água' ficou.

2. este é um texto sobre nada. demonstração diletante, mas também pedagógica, de que estamos no apogeu do vazio, como bem diria um dos filósofos da modernidade. afinal, quase que vos enganei.. e de uma tradução perdida nas suas próprias entre-telas pareceu quase, quase sair uma tese.

é assim. cuidado, amigas e amigos. nem sempre, nestes reinos dos blogues, quem escreve bem faz dessa actividade algo de verdadeiro. não no sentido da epistemologia do conhecimento e da verdade, mas sim naquele parâmetro tão simples e tão interpelante que é o discernir os trigos metafóricos dos joios figurativos. pirotecnia de blog, há muita. hiperbolização do estilo e lôas ao mesmo, quem pode atirar a primeira pedra? mas, como dizia o mestre morrissey, desses sim excelsos, the smiths:

'cause the music they constantly play
says nothing to me about my life.

é substituir 'música' por 'outras músicas'..

3. a banda sonora é excepcional. o mal-amado michael nyman atinge, neste trabalho, um nível superlativo. a partir de mozart, decomposto e recomposto (não sei dizer melhor, lamento), cria um conjunto de painéis musicais inebriantes, feéricos, harmónicamente belíssimos. afinal, nisto como noutras coisas (e lembro-me da arte culinária), a qualidade dos ingredientes base e a mão do artista/cozinheiro serão sempre os factores verdadeiramente alquímicos.

4. e, pronto, com amizade nos despedimos, por ora. até amanhã, se calhar em caminho.