são os linces os tigres
são as feras
indo beber à tua mão
são os gatos selvagens
rente aos lábios
que me vêm dormir no coração
maria teresa horta
de todas as formulações, a mais angustiante sempre foi para mim a entrada na enciclopédia da vida que diz assim: 'o que podia ter sido'. é um universo tenebroso de caminhos e veredas, de atalhos e ruelas, de cidades cósmicas, de paraísos artificiais, território sem geografia nem tempo definido, um limbo onde, ao mesmo tempo, convivem todos os eus e todos os tus, ambos desgraçadamente de geometria absolutamente variável e decerto acumulável. o que podia ter sido, então? podiam ter sido tantos os caminhos. sair da ponta de sagres e errar os brasis. desviar milimetricamente a rota apontada pelo sextante, confundir as estrelas, seguir os marítimos fogos fátuos e, inexoravelmente, ir dar às índias. nunca se sabe se estamos nos brasis ou se, afinal, aportamos às índias da vida. e tu, quem és tu? neste limbo, és todas as possibilidades passadas, todas as sarças iluminantes, todas as matérias etéreas, todas as rimas finas. és um prodígio de linguagem, como estas coisas que acabei de escrever. elas não existem - que raio quer dizer 'matérias etéreas'? ou 'rimas finas'? mas, ao serem nomeadas, elas existem. da mesma forma, semântica se quisermos, também tu existes. oh, se existes. existes sob vários rostos, esfíngicos ou pedestres. és esguia e esquiva. és clássica e imponente. és todas as possibilidades que foram. e todas as que podiam ser. e todas ao mesmo tempo, num golpe de magia fenomenal. e intraduzível pela linguagem mais objectiva. 'o que podia ter sido' és tu. e tu. e tu. e tu. e todas as ramificações de todas as ramificações de todas as ramificações. podia ter sido assim e depois desta maneira; ou ao contrário. e multiplicam-se os cenários, retrospectivos, prospectivos, especulativos. 'o que podia ter sido' é uma árvore que parte para a frente e para trás, uma árvore em que se confundem profundíssimas raízes e inalcançáveis derivações de ramos. uma improbabilidade visual, uma negação da ciência da representabilidade. pura matemática cósmica, teoria das cordas, o big bang, semiótica. um mundo virtual repleto de rostos e de gestos e de intenções. é tudo o que poderia ter sido, é tudo o que poderia ainda ser, é tudo o que poderá vir a ser, em todas as conjugações possíveis, numa complexidade impossível de processar pelo mais humano dos supercomputadores ou de intuir pelo mais preciso e potente dos corações humanos (ou das mentes humanas). é do reino do que 'podia ter sido' que eu sou zelador involuntário. estão sempre a chegar: novos sorrisos, novos rostos, novos corpos, novas almas, novas vidas. um míriade crespuscular de possibilidades infinitas e não vividas.
sentado, cansado, à entrada destes domínios, eu vos saúdo: bem-vindas sejais, vós que com matéria mil vezes abstracta tão concretamente me atormentais.
são as feras
indo beber à tua mão
são os gatos selvagens
rente aos lábios
que me vêm dormir no coração
maria teresa horta
de todas as formulações, a mais angustiante sempre foi para mim a entrada na enciclopédia da vida que diz assim: 'o que podia ter sido'. é um universo tenebroso de caminhos e veredas, de atalhos e ruelas, de cidades cósmicas, de paraísos artificiais, território sem geografia nem tempo definido, um limbo onde, ao mesmo tempo, convivem todos os eus e todos os tus, ambos desgraçadamente de geometria absolutamente variável e decerto acumulável. o que podia ter sido, então? podiam ter sido tantos os caminhos. sair da ponta de sagres e errar os brasis. desviar milimetricamente a rota apontada pelo sextante, confundir as estrelas, seguir os marítimos fogos fátuos e, inexoravelmente, ir dar às índias. nunca se sabe se estamos nos brasis ou se, afinal, aportamos às índias da vida. e tu, quem és tu? neste limbo, és todas as possibilidades passadas, todas as sarças iluminantes, todas as matérias etéreas, todas as rimas finas. és um prodígio de linguagem, como estas coisas que acabei de escrever. elas não existem - que raio quer dizer 'matérias etéreas'? ou 'rimas finas'? mas, ao serem nomeadas, elas existem. da mesma forma, semântica se quisermos, também tu existes. oh, se existes. existes sob vários rostos, esfíngicos ou pedestres. és esguia e esquiva. és clássica e imponente. és todas as possibilidades que foram. e todas as que podiam ser. e todas ao mesmo tempo, num golpe de magia fenomenal. e intraduzível pela linguagem mais objectiva. 'o que podia ter sido' és tu. e tu. e tu. e tu. e todas as ramificações de todas as ramificações de todas as ramificações. podia ter sido assim e depois desta maneira; ou ao contrário. e multiplicam-se os cenários, retrospectivos, prospectivos, especulativos. 'o que podia ter sido' é uma árvore que parte para a frente e para trás, uma árvore em que se confundem profundíssimas raízes e inalcançáveis derivações de ramos. uma improbabilidade visual, uma negação da ciência da representabilidade. pura matemática cósmica, teoria das cordas, o big bang, semiótica. um mundo virtual repleto de rostos e de gestos e de intenções. é tudo o que poderia ter sido, é tudo o que poderia ainda ser, é tudo o que poderá vir a ser, em todas as conjugações possíveis, numa complexidade impossível de processar pelo mais humano dos supercomputadores ou de intuir pelo mais preciso e potente dos corações humanos (ou das mentes humanas). é do reino do que 'podia ter sido' que eu sou zelador involuntário. estão sempre a chegar: novos sorrisos, novos rostos, novos corpos, novas almas, novas vidas. um míriade crespuscular de possibilidades infinitas e não vividas.
sentado, cansado, à entrada destes domínios, eu vos saúdo: bem-vindas sejais, vós que com matéria mil vezes abstracta tão concretamente me atormentais.
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