27 janeiro 2009

a arte de ocupar as horas mortas is a very fine art, ladies and gentlemen.

a internet é hoje um imenso buraco negro, em permanente mutação: ora friamente transbordante, ora escaldantemente vazio. os adjectivos estão ao contrário? sim, senhor, é bom de ver. isto dos barómetros interiores é toda uma ciência.

gurus.net.tv? balanced scorecard immersion? ranking dos business thinkers? change management? global risk assessment? importam-se de repetir? tudo isto me interessa, por razões profissionais. e tudo isto, simultaneamente, me estafa, me entedia, me aborrece.

o que eu quero é ver fotogramas de antonioni. o que eu quero é ver excertos dos mestres japoneses, entrar dentro daquele tempo, perceber como era viver antes da velocidade e da globalização e do politicamente correcto e de todas as barbaridades conceptuais que disfarçam todo o mal-estar existencial.

hoje, para variar, não me apetece poesia. aborrece-me a inacção, a contemplação, a suspensão no tempo e no espaço - tudo aquilo que normalmente me deslumbra, nessa nobre arte de dizer as coisas que calamos.

hoje, para variar, não quero modernidade. internets e banda larga, twitters e soundbits, tubos electrónicos e videoclips, rádio on demand e vjs, parafernálias electrónicas e mecanismos de precisão.

hoje, para variar, não me apetece sair. sempre os mesmo rituais, sempre as mesmas caras, sempre as mesmas máscaras. dizem eles e digo eu, que isto de falar dos outros e de nos eximirmos à nossa própria responsabilidade é coisa que seria simpática, mas que não rima com a nossa sombra. e, temo bem, nós somos o que os contornos da nossa rabiscada sombra deixam que nós sejamos. programação genética? pegada cultural? substracto adquirido? que enfado, senhores, que enfado..

hoje apetece-me coisas simples. apetece-me voltar ao tempo das certezas. dos futuros abstractos, mas mesmo abstractos. das músicas por descobrir. das cores por inventar. dos mecanismos inteiramente por revelar. abrir a janela e lembrar os contos com moral não ambígua. os caminhos humildes trilhados com passo seguro nas florestas míticas dos nossos sonhos. escrever sem adjectivos, praticar uma arte qualquer, mas uma coisa justa, enxuta, sem gangas a tiracolo.

apetece-me condensar os contos russos, a sabedoria oriental, a cerimónia do chá, o elogio da sombra, os princípios zen, a arquitectura less is more, o design minimalista (mas a sério, não aquele que finge - less is yet less, so many times), apetece-me um abraço sem freios, palavras sem compromissos, dias plácidos. apetece-me a simplicidade, abdicar do complexo, do inteligente, do bravo-brilhante-que-cabeça-mestre-da-análise-multivariada.

por isso, mergulho nos clássicos japoneses, nas quartas e quintas vagas chinesas, garimpeiro à procura de pepitas, respigador das coisas anacrónicas, prescrutador minucioso do que um dia foi.

eu sei, eu sei. uma missão para uma vida. uma missão para nada. uma missão que pode muito bem ser confundida com uma espécie de demissão. oh, cínicos do regime, tomai em vossas mãos as chaves do reino. não as quero para nada, atentai.

dizia esse jazzman, escritor meio maldito, bon vivant (como todos os seres inteligentes que do frenesim fazem bálsamo contra as trevas próprias da lucidez) - boris vian -: 'não quero saber da felicidade da humanidade, mas da felicidade de cada homem'.

eu, que não sou ninguém, suspeito bem que a única felicidade está na simplicidade mais despojada. eu só suspeito, notem bem. quando tudo grita o seu contrário, eu grito ao contrário. quando tudo grita, eu calo. quanto tudo impôe, eu aceito. quando tudo esmaga as flores, eu cultivo o açúcar - temo bem que vamos precisar dele, mais à frente.

eu falo de metáforas. eu falo de metonímias. eu falo de sinédoques. eu falo do todo pela parte, da parte pelo todo, de comparações sem termo comparativo, de subtilezas várias.

no meio das palavras fundentes, o nosso dever: falar. não é, senhor mário?

é sim, senhor joão.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Diria que paradoxalmente,o dever é agir.

Bjs
HL

quarta-feira, janeiro 28, 2009 6:15:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Falar é agir.
O resto seguirá o calendário da evolução. Ou da revolução.

(gostei de te ver por aqui..)

Bjs,

gi.

quarta-feira, janeiro 28, 2009 7:45:00 da tarde  
Anonymous João said...

Holla, soy João y hablo de Brasil :)

Entrei no seu blog para dar um Ctrl+C na imagem de Oscar Wilde que preciso para meu livro e acabei lendo seu belo texto (este que estou comentando).

Á princípio, eu o li porque terminava com "Sim, João" e isso foi a "catch phrase" para mim. Porém concordo com muitas das colocações que você fez e precisei comentar para parabenizá-lo.

Uma dúvida: qual sua formação? Estudou design?

Atenciosamente, João.
jgui2801@yahoo.com.br

PS: Meu aniversário é 28 de Janeiro também...

quarta-feira, junho 17, 2009 1:34:00 da tarde  

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