ela disse-lhe, de um golpe:
- espanta-me, arrasa-me, inunda-me, incendeia-me.
ele retorquiu que misturar assim os elementos era um atentado às leis da mãe natureza - água e fogo equivalem-se e anulam-se. além do mais, nunca estudara o modo imperativo dos verbos e as coisas da língua não eram com ele.
ela encolheu os ombros, como doutras vezes, com outros rapazes. habitavam países nos antípodas, nada a fazer.
depois, sem perceber bem porquê, deixou de pensar. olhou-o pelo canto do olho e sentiu que há coisas que não se explicam. ela sabia que ele, embora não sendo especialmente dotado nas coisas da academia, espantava-a, arrasava-a, inundava-a, incendiava-a, quando menos ela esperava e de maneiras que ela nunca esperaria.
a sua mente sofisticadamente treinada dizia-lhe agora que é possível tirar um rapaz da sua circunstância, mas nunca fazer dele desaparecer a circunstância de ser rapaz, porque isso é nele, em qualquer rapaz, já essência.
perdida nos seus devaneios, entre o olimpo mental e o sabor a sal que a terra tem, arrebanhou, num gesto largo e decidido, o cabelo, simulando uma composição frondosa e renascentista - 'marie antoinette' ainda andava pelo leitor de dvd.
ele enlaçou-a de supresa.
ela simulou susto. mas era espanto. e fogo. e entrega. deixou cair uma pequenina lágrima, que ele não viu. sentiu-se inundada, como se o mar estivesse agora dentro dela. que tolice.
depois, virou-se e abraçou-o, de frente, com firmeza e segurança. instintivamente, levou a mão à mesinha e virou um livro ao contrário, escondendo a capa. afinal, a 'moderna gramática portuguesa' nunca tinha feito por ela mais do que a sua obrigação. já ele, já ele..
cravou-lhe os dentes no pescoço.
e desabou.
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