07 agosto 2008

de onde te vem esse permanente sentimento de perda? - perguntou ela.




tu vais partir amanhã
de manhã e eu vejo-te
partir tão cedo, tão de manhã.
o meu dia de hoje é já
o meu dia de amanhã,

a esperar que regresses
a este vazio, eu num afã
para que regresses ao dia
de ontem, ao dia de amanhã.
decidida preocupação

que só me ocorre assim,
de manhã, numa altura
em que vais partir -
ou estarás de regresso?
o dia de hoje é o dia

de amanhã, pelo menos
contigo, ou pelo menos
quando me lembro da manhã
em que tu fingiste partir
e eu fingi que tu chegavas.



senhor helder moura pereira
excerto de 'enquanto pasta, alegre, o manso gado'
in 'amor carnalis', editora frenesi

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

POEMA

As coisas permanecerão assim para
Sempre. Nada
Se despedaçará. Nenhuma
Árvore. Nenhuma
Folha de erva ficará
Aí. Nenhuma
Coisa excepto
As rochas azuis que ocuparão
O vale onde eu
Durmo.

As coisas permancerão assim para
Sempre.
As coisas não
Se despedaçarão.
Nada se despedaçará. Nada
Escapará e nenhum
Corpo destruirá as ideias e nenhum
Ser será destruído. Nenhuma
Árvore. Nenhuma
Folha de erva estará
Presente para
Testemunhar o
Incidente.

Tudo continuará assim para sempre. Nenhuma
Coisa se transformará nem se moverá.
Comovida.
Tudo para sempre continuará assim.

1929
Paul Bowles, Poemas, Assírio&Alvim (2008)

quinta-feira, agosto 07, 2008 10:30:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ANO A ANO

Ano a ano desfaz-se a vida, os alicerces.

São caves, alpendres,
sucessão de pedras no fim dos dias, arquitectura de
enigmas e a amendoeira.

E tu, quem és?
Uma saudade de baías, embarcações,
enquanto a morte cresce na direcção dos cabelos e da
sua brancura?
Uma estrela de deus, um vulto distante?

Ainda que não tenhas nome deitas-te agora junto ao meu -
escreve-o para sempre no segredo dos lares,
repete-o em surdina, junto ao ouvido doente.

Talvez exista um pátio onde estás, sentado, triste,
como quem espera a noite e os temporais, o frio na
pele e na alma, o sono antigo.

Talvez me sente, talvez te fale, talvez para sempre.

Dar-te-ei um nome?
Morada, destinos, lugares para uma vida?

Eu não sou daqui.

José Agostinho Baptista (1948)
Biografia


:) ela.

quinta-feira, agosto 07, 2008 11:23:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus, em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma beberá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Sião" frenesi, 1987

quinta-feira, agosto 07, 2008 11:33:00 da manhã  

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