10 julho 2008

da fragilidade



fotos: gregory crewdson


antigo trabalhador, particularmente activo na luta sindical, reforma-se antecipadamente ao fim de algumas décadas de trabalho numa fábrica.

recebe uma compensação financeira, por razões que não interessa aprofundar, mas, de certa maneira, uma soma de i) reconhecimento + ii) compensação pelos anos que ainda faltariam até à sua reforma por inteiro + iii) almofada de bem-estar, ao fim de uma vida de trabalho.

a vida desgraçada faz a sua aparição e eis que um filho tresmalhado transforma um homem duro na luta de classes, que sempre manteve viva, numa espécie de farrapo. quem nos faz mais mal? quem nós deixamos entrar e tocar-nos por dentro. como negar esta evidência, para mais quando falamos de um filho?

um homem duro vergado é uma coisa que incomoda ou faz rejubilar, consoante o nosso juízo de valor sobre a tradução prática dessa dureza e o nosso ponto de observação (fora, dentro, acima, abaixo, ao lado, no centro..?).

um homem duro vergado desta maneira.. é apenas, mais uma vez, 'o grande cabaret' a levar ao palco a tragédia humana mais desumana - a que não tem público, a que se envergonha, a que ninguém nota.

enfim, nada de novo no reino da desalegria.

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de repente, convivemos mais de perto com uma pessoa seriamente debilitada na sua condição física.

porque estas coisas acontecem, sem mais, de repente, vemos esta pessoa caída e alguém diz-nos: 'precisamos da sua ajuda aqui'. lá tentamos lembrar o que vamos vendo aqui e ali, de modo a tornar o gesto de erguer alguém do chão - um adulto, ainda para mais do sexo oposto (triste expressão, mas adiante) -, com a maior eficácia possível e com o respeito possível.

de repente, as convenções relacionais deixam de importar tanto. temos que tocar naquele corpo, temos que literalmente ter aquela pessoa nos braços. e temos, num segundo, que integrar algo que seria normal não fosse a nossa, por vezes tão conspícua, cultura ditar uma febre do politicamente correcto que chega a dar náuseas.

a coisa lá se fez, que era o importante. afinal, não era assim tão difícil. e não me remeto à dimensão física.

tanto progresso e continuamos a dar razão ao filósofo político que disse 'só' isto: 'o homem é o lobo do homem'.

'o homem é o seu próprio lobo', digo eu.