ana luísa amaral, senhora muito cá de casa, ganhou mais um prémio ('grande prémio de poesia da associação portuguesa de escritores'), com o seu mais recente livro 'entre dois rios e outras noites'.
a propósito, e porque nunca é demais trazer para junto de nós as coisas de que mais gostamos, aqui fica mais um bocadinho deste mundo, feito - onde é que eu já ouvi isto? - de filigranas subtis.
é uma poesia que mistura a banalidade do quotidiano com uma densidade quase metafísica, que arrisca nomear objectos, signos, palavras como sinais-faróis de uma intensa, diria febril, actividade interior - nessa indefinível fronteira entre o pensar e o sentir, embriagante síntese do que somos.
recuperamos um poeminha antigo. nele ana luísa amaral evidencia aquela capacidade que alguns têm de nos pegar por dentro e de nos projectar, não o poema em nós, mas nós próprios no poema.
COISAS DE LUZ ANTIGAS
aquele namorado que tinha
um nome bom: há quanto tempo foi?
a vida resvalante como gelo
e aquele namorado de nome bom
e férias, ficou perdido em luz,
mais de vinte anos.
deu-me uma vez a mão
um beijo resvalante à hora de deitar
e na pensão. mas tinha um nome bom.
falava de cinema e calçava de azul
e um bigode curtinho,
que escorregou aceso como gelo
no centro da pensão.
rasguei as cartas dele
há quinze anos, em dia de gavetas
e de luz, e nem fotografia me ficou
de desarrumação. mas tinha um nome bom,
falava de cinema e calçava de azul
e resvalou-me quente como gelo
à hora de deitar:
um namorado sem falar
de amor
(que a timidez maior
e o quarto dos meus pais
nessa pensão
no mesmo corredor)
a propósito, e porque nunca é demais trazer para junto de nós as coisas de que mais gostamos, aqui fica mais um bocadinho deste mundo, feito - onde é que eu já ouvi isto? - de filigranas subtis.
é uma poesia que mistura a banalidade do quotidiano com uma densidade quase metafísica, que arrisca nomear objectos, signos, palavras como sinais-faróis de uma intensa, diria febril, actividade interior - nessa indefinível fronteira entre o pensar e o sentir, embriagante síntese do que somos.
recuperamos um poeminha antigo. nele ana luísa amaral evidencia aquela capacidade que alguns têm de nos pegar por dentro e de nos projectar, não o poema em nós, mas nós próprios no poema.
COISAS DE LUZ ANTIGAS
aquele namorado que tinha
um nome bom: há quanto tempo foi?
a vida resvalante como gelo
e aquele namorado de nome bom
e férias, ficou perdido em luz,
mais de vinte anos.
deu-me uma vez a mão
um beijo resvalante à hora de deitar
e na pensão. mas tinha um nome bom.
falava de cinema e calçava de azul
e um bigode curtinho,
que escorregou aceso como gelo
no centro da pensão.
rasguei as cartas dele
há quinze anos, em dia de gavetas
e de luz, e nem fotografia me ficou
de desarrumação. mas tinha um nome bom,
falava de cinema e calçava de azul
e resvalou-me quente como gelo
à hora de deitar:
um namorado sem falar
de amor
(que a timidez maior
e o quarto dos meus pais
nessa pensão
no mesmo corredor)
1 Comments:
Entre as duas paisagens, entre os dois rios mais físicos que tudo, partiram, as gaivotas, eu perdi-me. Sem pertencer jamais a uma paisagem própria. Mas o olhar que fala, fala de um ponto outro.
E sabe perspectivas de tempos
menos planos, tem sempre cores diversas,muitos fios, basta Odisseu para as desconjuntar.
Enviar um comentário
<< Home