02 fevereiro 2008

BECHEROVKA

norueguesa, alta, de um moreno
duvidoso que sorria muito.
pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
e pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar “o que fazia”.

escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha “obra”.

nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.

os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.


manuel de freitas (de novo).