30 janeiro 2008




pedaços de vinil com lama

(..)

o que me comove, passado tanto
tempo, é perceber que fiz a esse disco
o mesmo que faço e volto a fazer
aos corpos que julgo amar:

parti-los muito devagar, para
que doam sempre um pouco mais.



opus 78


(..)

IV. alegretto

não esperes que te ajude o cavaleiro
andante ou — menos ainda — a música.

cresceste demasiado, o teu corpo
não cabe no teu corpo e o amor

(ah, o amor) ajuda mas não salva.

— vem comigo partir estes pinhões,
sob o esboroado cor-de-rosa das paredes.
os cavalos, acredita, não te farão mal.

depois das laranjeiras havia um tanque,
depois do tanque um jardim. mas
de pouco te serve dizê-lo, agora que tratas

por tu a mais íntima distância do que foste.



manuel de freitas


[passo por ti, de vez em quando. da última vez, de relance, os meus sentidos captaram-te, acompanhado do jorge silva melo - mas seria mesmo ele? - e de outro comparsa de esplanada, discutindo, pareceu-me a mim que passava em passo estugado, editoras, livros, coisas assim. eras aquela pessoa, naquele exacto momento fotográfico: uma pessoa amena numa amena cavaqueira de final de tarde. doutras vezes, encontro-te a almoçar, invariavelmente sózinho (tu; eu também, mas de outra maneira). existem ainda os livros, onde, de forma bissexta - que é para não desabar -, me encontro com os teus escritos. coisas tocadas pela graça dos caídos, pela beleza própria que tem o grão de sujidade. dizem os entendidos que poesia como a tua é ar do tempo, que é quase um mero produto da pós-modernidade desencantada, da falta de spleen adolescente descompensada, ainda mais, por uma angústia urbana, triste, miserabilista. eles dizem essas coisas e eu apetece-me enfiar-lhes um murro no focinho - desculpa eu não costumo escrever assim. são sete da tarde, pela janela do gabinetezinho vejo a noite descendente. penso numa coisa simples: afinal, qual dos manueis serás tu? há ainda o crítico que escreve no semanário do regime, afinal deves ser para aí 5 ou 6, meia-dúzia seguramente.. será que também tu me vês assim? será que os outros me vêem assim, desmultiplicado? será que também eu não sou mais do que pó do tempo, escrevinhando num registo piegas e patético (verista, para dar patine à coisa)? ou será que.. releio as tuas palavras, retiradas desse moderno oráculo que é a internet. não é maravilhoso o presente? esta sensação de velocidade! um léxico novo! as tecnologias que farão enfim cantar os amanhãs! tu sabes do que falo. sabes, manel, apetece-me enfiar-te um murro nas trombas, por espetares o dedo na ferida! por me obrigares a sentir. por afastares da minha mão suplicante os analgésicos de ocasião. isso não te perdôo; nem a ti, nem aos teus companheiros de luta. os poetas, os estetas, essa malta toda. gente triste, gente deprimente. gente como a gente. tudo se perdôa, até o amor despedaçado. tudo. tudo menos essa pôrra do espelho - o espelho não, o espelho não, o espelho não.]