16 novembro 2007





o imenso actor que foi charles laughton passou para trás da câmara uma única vez. o filme que realizou é daqueles que entraram directamente para a categoria de filmes de culto: 'the night of the hunter' / 'a sombra do caçador'.

é um filme imenso, de uma riqueza plástica assombrosa, pintado em tons sinestésicos, dir-se-ia que quase expressionista na forma (as sombras, a fotografia, o preto e branco, aquela espécie de nevoeiro, o carácter nocturno) e impressionista no conteúdo (personagens com psicologia, a coexistência de 'acção-acção' e 'acção enquanto cosa mentale').

para a iconografia da sétima arte, fica essa personagem única: o pastor evangélico (?) representado soberbamente por robert mitchum, que carrega consigo a dualidade fundadora (o bem e o mal) e que a explicita sob a forma de tatuagem entre os dedos das mãos (numa: 'love'; noutra: 'hate') e que, no fundo, por ser uma chave tão óbvia e visível, cria em nós uma espécie de rejeição do que vemos ('ninguém pode ser assim tão óbvio!').

é um filme onírico, com cenas nocturnas (a fuga das crianças, ao longo do rio, durante a noite, onde os fantasmas infantis ganham formas animistas) inultrapassáveis, numa espécie de fantasmagoria de braço dado com o fantástico infantil, pairando sobre tudo um pathos (a morte da inocência).

a sinopse pode ser, em traço largo, descrita assim: num lugarejo junto a um rio, habita a família de um criminoso (viúva, dois filhos ainda crianças) que roubou dinheiro e que o terá escondido. alguém que ouviu essa história (um cúmplice?) aparece e insinua-se, conquistando o afecto da mulher e tentando conquistar as duas crianças (que poderão saber onde o dinheiro foi escondido pelo pai). perante a impossibilidade de perceber onde está o dinheiro e com as crianças cada vez mais próximo de perceber que o agora padrasto esconde qualquer coisa muito grave, este tenta, num segundo momento, eliminá-las. é um jogo de sedução e medo, uma dança sinistra, que joga com o poder da sedução do que é 'aspiracional' (a figura de marido? a figura de pai desejado?) e com o conceito de 'revelação' (nem tudo o que parece é; como lidar com o que sabemos, mas não preferíamos não saber?).

é um filme magnífico, inesquecível, feito de ideias geniais, como por exemplo o facto de a personagem de robert mitchum utilizar um assobio característico como 'cartão de apresentação'. o que nos parece, de início, um simples, curioso (e até agradável) 'device', revela-se, mais tarde, afinal a banda sonora perfeita para o medo.

vejam-no e depois mandem-me um e.mail a contar.

há filmes, como há discos e livros e pessoas, que são cometas rasgando o nosso espaço sideral. 'a sombra do caçador' é um deles..

2 Comments:

Blogger Nuno Guronsan said...

Já o vi... imensas vezes, desde que me lembro que sou gente.

O papel de uma vida em Robert Mitchum. O medo personificado na personagem do pastor que pretende arrebanhar ovelhas que, pensa ele, andam tresmalhadas. O medo nas faces das crianças. O medo que eu senti a primeira vez que vi este filme.

Soberbo e grandioso.
E já agora, mais uma afinidade, meu caro.

Abraço.

sexta-feira, novembro 16, 2007 10:03:00 da tarde  
Blogger lebredoarrozal said...

é um dos filmes que mais quero ver e nunca vi:(

quarta-feira, novembro 21, 2007 2:45:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home