30 novembro 2007

manhã cedo, ao longo da cidade, há um roteiro alternativo. o roteiro dos rostos que esperam. junto às esquinas das ruas, perto de certas paragens de autocarro, colados às ombreiras das portas de alguns prédios, os rostos esperam, arrastando os seus donos.
esperam pela boleia do colega.
esperam pela carrinha da escola.
esperam pelo transporte do empreiteiro, que os conduzirá à obra.
rostos à espera, recolhidos devido ao frio. mãos nos bolsos. o silêncio matinal ensurdecedor.
o estado de espírito de um país pode ser medido a qualquer hora do dia. de manhãzinha, bem cedo, mede-se pelo itinerário dos rostos expectantes.
os rostos que esperam acendem cigarros como nenhuns outros.
os rostos que esperam têm olhos como nenhuns outros.
os rostos que esperam são rostos como nenhuns outros.
na cidade branca, os populares de rosselini (gente simples, sofrida e digna), o povo de loach (gente sem gosto de que se gosta) e a gente de costa (as margens interiores) juntam-se a outra gente (a classe média possível, a pequena burguesia urbana), nesse denominador comum - um rosto que espera é sempre um acto igualitário.
gente à espera de boleia.
gente à espera da centelha.
gente à espera de gente.

e, algures, gente à espera da gente que espera.

(e, algures, gente à espera da gente.)