05 novembro 2007

cabo verde: uma viagem sentimental 1

impossível não recorrer à figura da matrioska russa, para definir a impressão global desta viagem-experiência: a grande áfrica negra » o país cabo verde dentro do continente » a ilha de santiago dentro do país » a cidade da praia dentro da ilha » o hotel trópico dentro da cidade.

a áfrica demencial não existe aqui. não há a áfrica em implosão que nos habituámos a ver nas imagens de televisão e nas sinistras foto-reportagens. não há também a grandeza das savanas, das grandes planícies, com os seus recursos naturais caprichosos, exóticos, únicos. cabo verde é um país inventado - e inventado em larga medida por nós, portugueses -, um país sem grande capacidade de auto-sustentação (sem matérias primas minerais, vegetais ou animais; sem indústria que não ligada ao consumo local ou aos serviços e administração pública) económica, que vive da cooperação externa (incrível o conjunto de obras publicadas patrocinadas e financiadas por países estrangeiros, uma espécie de desfile internacional das longas mãos da diplomacia económica - japão, alemanha, itália, china, etc..) e, nos tempos mais recentes, do filão, ainda algo embrionário, do turismo.

dentro do país-arquipélago que é cabo verde, cada ilha é uma micro-cosmos próprio, que começa na supreendente paleta de tons de pele e de fisionomias. para uns olhos treinados, é fácil reconhecer quem vem de onde e isso sente-se nos mais pequenos detalhes - alguns naturais e humanos, outros contudo no limite de um sistema muito soft de castas. ser de santiago é diferente de ser-se de são vicente - este tipo de afirmações foram uma constante, alimentada tanto por estrangeiros residentes como por locais.

a ilha de santiago, por sua vez, divide-se entre a sua principal metrópole - cidade da praia - e o seu interior. chamamos aqui interior indistintamente ao interior-interior e às pequenas povoações costeiras. existe o traço comum entre estas duas 'interioridades': um modelo económico e social ainda muito rural e com bastantes traços arcaicos e a pobreza visível em todo o lado, a todo o tempo, mas sem manifestações extremas. já a cidade da praia é a ocidentalização possível, o sentido moderno da palavra cidade, mas sem o lado geométrico e organizado das urbes, por exemplo, europeias (sei que é uma grosseira generalização, mas serve os propósitos comparativos). à volta de um pequeno centro histórico - o 'plateau' (e que me pareceu, vejam lá, a figueira da foz! -, cresceu, de forma desordenada, uma cidade organizada por camadas, a partir dessa espécie de centro: a cidade alcatroada dos serviços, algum comércio, hoteis, embaixadas, principais escritórios; uma segunda camada de transição, já zonas residenciais e de modestíssimo comércio; finalmente os bairros semi-degradados aos nossos cânones (mas que são ali standard), com ruas em terra batida, construção caótica e baseada em estruturas em cimento, sempre sem acabamentos e sem qualquer pintura exterior, bairros estes que são a antecâmara das favelas que cercam a cidade, do lado interior (mas, curiosamente, sem constituírem um colete de forças, como noutros sítios).

dentro da cidade da praia, e porque foi este um elemento fundamental da nossa experiência, ergue-se o hotel trópico. este hotel - que merecerá uma comentário mais profundo - é um micro-cosmos social. sendo o lugar por excelência para a realização de reuniões, cerimónias, etc. (com o consequente carácter de quase sede administrativa e os seus desfiles de personalidades), é também 'a segunda casa' da comunidade portuguesa aí radicada. é, pois, sociológicamente um 'estudo de caso': ultrapassando a sua vertente económica, assume-se como um centro de actividade humana com grande riqueza sociológica. mistura de 'montra', local de actividade política, ponto de encontro de uma comunidade estrangeira ou semi-estrangeira, sede conspirativa onde se discutem as pequenas grandezas e polémicas da vida social, local de jogo social ou de acesa e devota observação dos jogos de futebol dos nossos sporting, benfica e porto. voltaremos ao hotel trópico, para falar um bocadinho sobre alguns aspectos que retivémos, incluindo o retrato breve de algumas personagens 'bigger than life mas light' (bem à portuguesa..).

1 Comments:

Blogger Abssinto said...

Interessante. ..Cabo Verde e S.Tomé e Príncipe são os locais que mais gostaria de visitar de Africa. Não sei se é apenas por causa de serem ilhas (penso que não), mas inspiram-me uma doçura, uma tranquilidade...

terça-feira, novembro 06, 2007 4:29:00 da tarde  

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