um dia de verão & uma lágrima
algures numa praia do sul de espanha, os veraneantes de ocasião assistem ao mundo a entrar-lhes vida dentro.
como já vai sendo habitual (já nem ligamos muito, não é?) imigrantes clandestinos irrompem praia adentro, cuspidos pelo mar, numa dança mansa de vida e morte.
desta vez, contudo, não é de noite; nem o sítio inóspito. é uma praia, é dia, está muita gente; afinal, estamos em plena época de férias neste lado do mundo.
enquanto uns gozam o direito a férias (que, relembro, é uma 'conquista' do século XX), aproveitando o sol e a água que se adivinha doce, outros lutam pelo mínimo dos mínimos.
como se, no fundo, no mesmo espaço coexistissem vários tempos: séculos já futuros para alguns; tempo presente para uns tantos; a idade das trevas para demasiados.
o fotógrafo (arturo rodriguez) estava lá. é também por isto que a fotografia é uma arte maior e um instrumento de civilização. como dizia há dias um fotógrafo, uma fotografia que não tenha qualquer consequência (e, acrescento eu, pode ser uma consequência interior - estética ou da ordem do mistério emocional) é uma má fotografia.
não há muito tempo, descobri um escritor, de que um dia destes falarei, que me emocionou de uma maneira quase inarticulável. alguém com uma consciência clarividente e uma ética muito especial, olhando para a nossa responsabilidade enquanto seres humanos de uma forma límpida e verdadeiramente revolucionária. entre muitas coisas que, ao longo da sua vida, nos deixou, disse assim:
pergunta: o que gostava de dizer às gerações vindouras, em nome, de nós todos, habitantes deste espaço neste tempo?
resposta: perdoem-nos.
ficam as imagens de arturo rodriguez.
e os meus votos de que um dia este meu texto deixe de fazer sentido.
5 Comments:
o que a luz da noite nem sempre deixa ver... impressionante.
parei um momento nesta caixa em branco, sem saber realmente o que dizer, porque não consigo acrescentar nada nem às imagens, nem ao texto, nem, sobretudo, à realidade de que ambos falam.
parece que eles não são apenas estrangeiros noutro país (espanha), mas no mundo. é muito triste e doem-me os dedos por estar aqui sentada no escritório, na internet, a poucos minutos de almoçar, com roupa no roupeiro, com água para beber, enquanto eles lutavam para que uma onda não os engolisse de vez.
o que podia cada um de nós fazer para que isto acabasse? pedir perdão não é suficiente.
Este comentário foi removido pelo autor.
Destes contrastes eu não gosto. Infelizmente acontecem. Mesmo aqui ao lado.
as lágrimas já não são só de água e cloreto de sódio, como dizia o Gedeão. há muito que são também de sangue...
por mim, perdi a esperança na espécie humana.
e todo o perdão já é tardio...
triste, demasiado triste.
beijos
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