17 agosto 2007

our turn (but is there a way out?)



A NOSSA VEZ

é o frio que nos tolhe ao domingo
no inverno, quando mais rareia
a esperança. são certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar

e entram clandestinas no poema.
são os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. é a espera

e a demora. são as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. é a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer

a nossa vez.



THIS WAY OUT

mas há uma saída? imagina
na insónia as florestas que crescem
a essas horas noutras regiões, os comboios
que as atravessam para alcançar um destino
no futuro dos outros.

há uma saída? imagina
a noite cheia de cidades violentas,
o retumbar das máquinas nos subterrâneos
e a chuva a cair no plástico negro
dos morangais, todo o sofrimento
e incerteza do mundo.

e de manhã, repara, está bonito
o tempo. os amigos acordam no quarto ao lado,
descem à cozinha para fazer o café.

mas há uma saída?



rui pires cabral, in 'longe da aldeia'