02 julho 2007

sim, recordo-me

recordo-me
de estar sentado ao teu colo, enquanto simulavas um cavalo a passo, depois a trote, depois a galope
de te saber feliz, rodeado pelos teus 7 meninos e meninas
de dizeres adeus à porta do nosso portão
de criares brinquedos para mim
do teu enciclopédico saber sobre tudo, das artes manuais à composição de uma orquestra, da química aos procedimentos administrativos
da tua memória viva de um mundo que foi o século xx em oliveira de frades
da tua paciência infinita
da tua preocupação de pai para com o meu pai, ainda pouco antes apenas teu filho
dos livros que me compravas, religiosamente, todos os fins-de-semana
das lágrimas que chorei no dia da minha licenciatura, por não te ver ao meu lado
da tua mão na minha, enquanto caminhávamos na gafanha da vagueira e tu me contavas aquelas histórias sobre tudo (tu sabias de tudo, de uma forma que nunca mais encontrei em ninguém)
do orgulho de ir às comemorações da província e saber-te fundador da banda filarmónica, dos bombeiros voluntários, etc.
de seres um cidadão exemplar
de escreveres cartas a todas as 'autoridades', sempre que havia assuntos que o mereciam
de sofreres com o grupo desportivo oliveirense como nunca te vi sofrer com o nosso sporting (até o médico te proibir de ires ao futebol)
dos piqueniques e dos passeios, dos magustos, de coisas de que tanto gostavas
de grande parte da vida teres sido fumador e apreciador de um copito, até a saúde e a força de vontade (pela ordem inversa) te terem alterado comportamentos
daquele verão de 1989, em que o mundo rebentou
dos iogurtes caseiros, com essências aromatizantes que me pareciam coisa de alquimista, com que me recebias e às minhas manas
das minhas infantis promessas de não comer pastilhas elásticas (que tu dizias faziam mal) e gelados, em troca de Deus te fazer vencer a luta contra aquela maldita doença, espécie de oração desesperada
de te ter dedicado mil livros que nunca escrevi, sempre sempre aparecendo na minha cabeça as palavras mágicas a ti dedicadas
da tua descrição do tempo em que, com um projeccionista teu conhecido, organizavam sessões de cinema ao ar livre, a rua que vai das traseiras da igreja antiga para a casa que foi dos teus pais servindo de plateia, as cadeiras pedidas emprestadas na escola de música que era ali ao lado, creio

sim, lembro-me. sim, recordo-me. sim, recordo-te. sim, recordo-nos.
chamas-te álvaro henriques de oliveira e silva.
no sábado, 30 de junho de 2007, terias feito 100 anos.
que digo..
no sábado, 30 de junho de 2007, fizeste 100 anos.

obrigado, avô.

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

e é por tudo isso, que és uma pessoa muito especial!

segunda-feira, julho 02, 2007 11:49:00 da manhã  
Blogger Abssinto said...

O teu avô era um figurão, um bon-vivant, um folgazão, um homem bom. E não podia ter tido melhor recordação do que esta, nos 100 anos que passam!

abraço

segunda-feira, julho 02, 2007 2:39:00 da tarde  
Blogger mar said...

Gi.

Tocaste-me no coração sem explicação possível.
estranha e bonita coincidência

(eu também recordo. hoje.)

segunda-feira, julho 02, 2007 3:34:00 da tarde  
Blogger gi said...

difícil de comentar as v/ generosas palavras.

1. ..a teus olhos, a teus olhos, senhor ou senhora anónimo(a) - apenas e só isso..). :-).
2. ..um homem bom, isso mesmo. tão simples e tão complexo. tão raro. um abraço.
3. ..tocar no coração é um dom raro e precioso. espero ter estado à altura. fico, de certa forma, feliz pela 'estranha e bonita coincidência'. há coisas assim, em que a explicação é o menos importante.

flores para todos, e muito obrigado.
gi.

segunda-feira, julho 02, 2007 6:40:00 da tarde  
Blogger mar said...

gi.

(...)

plus-two-for-joy!

http://artic-bar.blogspot.com/2007/02/blog-post.html

http://artic-bar.blogspot.com/2005/11/sobre-as-canes-que-fazem-o-corao-bater.html


e uma flor de volta para ti.

http://ia301121.us.archive.org/0/items/electrelane2004-09-21/electrelane2004-09-21t06_64kb.mp3

segunda-feira, julho 02, 2007 6:59:00 da tarde  
Blogger gi said...

pack up;
i’m straight;
enough;
oh say, say, say;you'll
oh say, say, say;you'll
oh say, say, say;you'll
oh say, say, say;you'll
oh say, say, say you'll

wait, they don’t love you like I love you;
wait, they don’t love you like I love you;
ma-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-aps;
wait! they don’t love you like I love you.

(electrolane: just discovered those girls in guitars - they are also on fire and i like girls on fire).

a flor chegou viçosa :-).
(surpreendes-me).
obrigado, pois e portanto.

gi.

segunda-feira, julho 02, 2007 7:16:00 da tarde  
Blogger Mateso said...

Avô... pai de pai. Mais que figura de memória,Álvaro Henriques, foi o avô de meninos, o exemplo de homem, a pessoa que se ama inexplicavelmente através de percursos de vida... pela simples razão, que posuía na pele e na alma, o amor e a partilha.
Gostei muito, mesmo.
Bj.

terça-feira, julho 03, 2007 1:26:00 da manhã  
Blogger gi said...

abraço-vos.
gi.

terça-feira, julho 03, 2007 10:09:00 da manhã  
Blogger R. said...

(...)

bj

terça-feira, julho 03, 2007 11:38:00 da manhã  
Blogger un dress said...

:)

quarta-feira, julho 04, 2007 9:33:00 da tarde  
Blogger gi said...

ana rita,
un dress,

daqui até aí, a minha gratidão.
(e coisas à solta dentro de mim).
obrigado.

gi.

quinta-feira, julho 05, 2007 11:54:00 da manhã  

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