27 junho 2007

sentir

decanto as sílabas
das palavras
indizíveis

secretos discursos
das pirâmides

sagrado tempo
do silêncio

=

retenho do bosque
a memória dos pássaros
dos cheiros
flores em alvoroço
nas manhãs curtidas
pela chuva

dilata-se-me o corpo
nascido da terra
num frémito estranho

com o barro dos abrigos
construo
novas florestas
caminhos antigos

=

não contava todos os dias
o número de vimes entrelaçados
da esteira onde dormia

bastava-lhe reparar nos vincos
enrolados no corpo
e saber da noite

e assim
em cada cruzamento
mergulhava
ao longo da sua sombra

sabia de todas as teias
urdidas a partir da insónia
confuso labirinto
onde a memória
concebia o erro inconsciente
da verdade

=

cobre-me este volume
feito de palha e luar

não tem bermas
só há meio
caminho para lá chegar

o resto do trilho feito
na encosta da montanha

é todo trato da esperança
do rio alcançar o mar

=

tenho resmas de
papel em branco
como memórias

fragmentos
estórias

conceitos
abstractos

ausência
de marés

jangada
flutuando

no mar alagado
de sargaço

=

ser razão
entre quatro
desejos

nem deus
nem o diabo
como o sexo
dos anjos

ter a distência
nos olhos
e as mãos
no horizonte

=

no mistério
das madrugadas
esperei séculos
neste punhado de terra

lavei os olhos no mar
fonte de luz

=

o patamar da saudade
tem cinco pisos contados
em cada andar um sentido
em cada degrau o amor

pelo corrimão de ferro
húmida balaustrada
desliza o resto do corpo
solto da mão
preso a nada.



alberto estima de oliveira
in 'estrutura'
edição do autor