poetas cá de casa: rui pires cabral
'e entender / de súbito que tudo é por acaso'
fotografias
nesta vida – é um facto – estamos sempre
a desaprender coisas novas. o mundo
vai guardando a luz nas suas bainhas negras
e temos a melindrosa companhia dos fantasmas
que nos procuraram: eles governam rudemente
os nossos pequenos reinos e há um ceptro novo
para cada coroação. de repente, com a volta
das estações, damos por nós muito mais velhos
nas fotografias. as razões que nos assistiam
empalidecem em paisagens cruelmente coagidas
pela luz. fomos expulsos dos grandes palácios
da alegria? onde estão os mapas que nos guiavam
lá dentro, exactos como o instinto? não sabemos
responder: o caminho turva-se: são as incertezas
da maturidade. as palavras não nos iluminam
e o amor está condenado aos defeitos naturais
do coração, que ainda assim há-de voltar a arder
sem defesa nem socorro uma vez mais.
abril
eu disse: quem pôs aqui este rio?
alguém tinha desenhado na paisagem
um cenário para a nossa história.
manchas inteiras de urze, papoilas,
giestas. até se disse em terena
que abril não vinha assim tão verde
há muito tempo. sim, tinha chovido muito
nesse ano, mas nada esteve por acaso,
nem o céu de manhã cedo nos castelos
com a erva a crescer dentro e fora das muralhas,
nem sequer a nossa primeira noite, aquela
em que esperaram por mim noutro lugar.
sózinho, sem outra defesa que não fosse
a minha própria solidão, eu estive onde tu
me pudesses encontrar. e depois subimos juntos
a rua molhada. e já chovia por abril sem o sabermos.
escuro
pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no verão.
obra publicada:
'geografia das estações' (1994)
'pensão bellinzona & outros poemas'
'a super-realidade'
'música antológica & onze cidades'
'praças e quintais'
'longe da aldeia'
'capitais da solidão' (2006)
fotografias
nesta vida – é um facto – estamos sempre
a desaprender coisas novas. o mundo
vai guardando a luz nas suas bainhas negras
e temos a melindrosa companhia dos fantasmas
que nos procuraram: eles governam rudemente
os nossos pequenos reinos e há um ceptro novo
para cada coroação. de repente, com a volta
das estações, damos por nós muito mais velhos
nas fotografias. as razões que nos assistiam
empalidecem em paisagens cruelmente coagidas
pela luz. fomos expulsos dos grandes palácios
da alegria? onde estão os mapas que nos guiavam
lá dentro, exactos como o instinto? não sabemos
responder: o caminho turva-se: são as incertezas
da maturidade. as palavras não nos iluminam
e o amor está condenado aos defeitos naturais
do coração, que ainda assim há-de voltar a arder
sem defesa nem socorro uma vez mais.
abril
eu disse: quem pôs aqui este rio?
alguém tinha desenhado na paisagem
um cenário para a nossa história.
manchas inteiras de urze, papoilas,
giestas. até se disse em terena
que abril não vinha assim tão verde
há muito tempo. sim, tinha chovido muito
nesse ano, mas nada esteve por acaso,
nem o céu de manhã cedo nos castelos
com a erva a crescer dentro e fora das muralhas,
nem sequer a nossa primeira noite, aquela
em que esperaram por mim noutro lugar.
sózinho, sem outra defesa que não fosse
a minha própria solidão, eu estive onde tu
me pudesses encontrar. e depois subimos juntos
a rua molhada. e já chovia por abril sem o sabermos.
escuro
pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no verão.
obra publicada:
'geografia das estações' (1994)
'pensão bellinzona & outros poemas'
'a super-realidade'
'música antológica & onze cidades'
'praças e quintais'
'longe da aldeia'
'capitais da solidão' (2006)
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