28 novembro 2006

1 mês e 45 posts depois..

fez no sábado, dia 25, um mês que iniciei a minha actividade pro-bloguista (pro de 'profissional', no sentido de interesse continuado e obedecendo a um certo canône - e não necessariamente de 'a favor de').

o debate sobre os blogs está na ordem do dia, existindo já algumas primeiras peças de reflexão sobre o tema, debates (!) sobre a deontologia e a ética dos blogues, etc. o douto dr. pacheco pereira já se debruçou sobre o assunto nas suas colunas de jornal, isto para não falar dos próprios bloguistas de linhagem mais intelectual, que não raras vezes entram numa espécie de discurso sobre o próprio discurso. um pouco como este vosso amigo, neste preciso e exacto momento.

gosto particularmente de dois eixos da discussão, a saber: i) o blog como substituto da vida vivida (se dermos de barato que ela equivale a uma espécie de realidade); ii) a (não-) cultura democrática, bem visível na falta de um código de conduta universal e ancorado em valores directamente associados aos conceitos de república e de democracia (na sua acepção moderna e ocidental).

que vos posso dizer, da minha experiência pessoal:

* que o blog é uma extensão do que somos, mas raramente uma identidade forjada na sua essência. um blog pode ampliar a intensidade dos nossos traços de personalidade, ou revelá-los (nos casos de sujeitos menos expansivos na sua normal interacção diária), mas não é susceptível de construir uma persona alternativa. conheço poucos bloguistas, mas conheço mais do que um - em todos, ao ler os seus posts, encontro uma linha (directa ou ziguezagueante, mas sempre numa certa direcção, mais atalho menos desvio) de continuidade;

* uma leitura comum dos blogs radica (e aqui chegados há que fazer um pouco de arquelogia dos media) no perigo da substituição da interacção social clássica (face a face) por formas de comunicação dinâmica que são intermediadas por meios tecnológicos que promovem a descontinuidade (espacial, temporal, de linguagem) entre sujeitos; quer-me parecer que esta linha de argumentação é compreensível, sendo legítima herdeira das discussões em torno do impacto sociológico (e psicológico) da internet, do mail, dos chat rooms, etc. no meu caso pessoal, a tentação não é bem a de usar um blog como 'substituto da realidade' - é muito mais a tentação de olhar excessivamente para o espelho, de uma forma em que o espelho nos devolve os abismos da nossa alma, com uma nitidez que obriga a olhar, olhar, olhar. se assim é, não podemos ignorar que 'o que vemos de nós' não é 'anulável em nós'. por outras palavras, a geração bloguista pode ter, em tese, um sentido de auto-consciência muito mais apurado do que, digamos, há 10 ou 20 anos (ceteris paribus, tudo o resto constante). ora a auto-consciência interpela ou ensimesma: obriga-nos a agir ou a reagir pela inacção (ensimesmamento - fechar-me em mim). acho, pessoalmente, que este é um efeito ainda não suficientemente debatido, mas que, numa lógica mais psicologista, fará o seu caminho a médio-prazo;

* o tema (mais visível para quem tem contacto regular com blogs e com a actividade de posting) da existência ou não de cultura democrática na blogosfera é o outro grande eixo de debate. aqui imperam três escolas de pensamento: os bloggers ferozmente personalistas (que acham que o seu blog é um irredutível domínio privado, podendo geri-lo a seu bel-prazer, incluindo censura activa de posts colocados, respostas em jeito de 'sai do meu quintal, antes que'); os bloggers que aceitam que a sua caixa de correio pública (exceptuando-se junk e.mail, por exemplo) deve transmitir fielmente aquilo que foi escrito por terceiros e como foi escrito, não actuando portanto como publishers/editors dos posts; e aqueles que nem sabem do que estamos a falar ;-).
[comentário lateral: esta terceira tipologia existe sempre, qualquer que seja o debate - temo que, se votasse, ganhava todas as eleições.];

* talvez haja uma correlação entre o tipo de abordagem aos blogs (porque escrevo, o que escrevo) e a forma de gerir o interface entre espaço privado e espaço público (como escrevo, que linguagem uso, como interajo, como uso o poder coercivo que me foi institucionalmente atribuído); se a anterior correlação está por provar, sendo mera intuição, já me parece que um bloguista, no fundo do fundo, age e interage (selecciona, escreve, responde, edita, silencia, etc.) de forma consequente com aquilo que é como indivíduo. o anonimato funciona como desinibidor, catalizador, factor de exponenciação (ao jeito do álcool e de outros 'estimulantes' nocturnos, por exemplo), mas não de definição estruturante do que quer que seja.

depois desta digressão mais ou menos académica, os meus bons amigos (os meus bons leitores) dir-me-ão: 'oh pá, para a próxima mais vale ler directamente o http://abrupto.blogspot.com !'
. entendo o reparo, mas calma que ainda não me fui embora da minha 'torre de controlo'! (lá está, a linguagem a definir o conceito..)

1 mês depois, 45 posts depois, devo dizer-vos que:

a) é bom escrever (sim, é uma forma de auto-ajuda, não há que ter vergonha);
b) é bom partilhar, aqui e ali, 'coisas que valem a pena', citações espectrais ('fractais'), inquietações;
c) um blog pode ser um 'caleidoscópio' de emoções, estados de espírito, usando criativamente pequenos estímulos para criar alguma beleza estética e, com sorte, um bocadinho de rigor ético (em nós e nos outros);
d) como em nossa casa, sabe bem receber os amigos, franquear portas, servir um cafézinho, ficar na conversa com quem nos visita - exercer o supremo magistério da amizade cordial e substantiva;
e) um blog obriga-nos a olhar para dentro de nós. tem riscos, admito (ver as minhas próprias palavras uns parágrafos acima). mas, por vezes, há que correr certos riscos para evitar correr outros (teoria pragmática do mal menor - não gosto, mas tem que ser);
f) um blog vale a pena enquanto valer a pena e enquanto fizer sentido no todo que somos. não por acaso, há blogs que acompanham certas fases da vida dos seus autores. é assim mesmo, não tem que enganar (principalmente, quando falamos de blogs de um só autor e que não são de 'pura divulgação').

termino com 2 perguntas, muito simples:

1. comentários ao que escrevi ?
2. o que gostariam de ver (ou ver mais vezes) nascer neste jardim d'inverno ?

muito obrigado pela v/ atenção.

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

respostas:
1. - no momento, no comentário imediato, está publicado.
No geral, fantástico como sempre, como tu!
Para não me limitar ao vulgar 'sem palavras!', devo acrescentar: ".....!". Tenho dito.

2. -
a) Mais do mesmo, ou seja, de ti!
b) Noutro campo, que a regularidade possa vir a ser prejudicada, ou não... mas isto só correrá desde que se faça jus à expressão 'personal computer'... at home, of course (eheh)
Que o fruto da flor, fruto da semente desabroche em breve!

dad aka kuaker koisa

terça-feira, novembro 28, 2006 7:49:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

1. Tinha referido ... só mesmo uma referência ao douto dr. pacheco pereira me faria entrar...

Afirmarei concerteza que gosto muito deste blog, mas ao mesmo tempo serei um pouco céptica em relação a tudo isto. Contradição ou a 'simpática realidade da vida'?
Não sei, serei provavelmente uma defensora da teoria que 'interacção social clássica' poderá (no limite) desaparecer. Confesso que isso, de alguma forma, me inquieta, ou entristece, quando penso, com humildade, na busca da felicidade profunda pelo ser humano, na relação entre si e os outros.
Ao mesmo tempo, reconheço que, para quem está longe, um blog poderá ser uma ponte. Mas como para mim é importante saber quem está nas 'margens do rio', encontro aqui um outro obstáculo para me tornar adepta da escrita ao 'jeito de post' em alguns blogs.

E depois, voltando ao texto, 'a tentação de olhar excessivamente para o espelho (...)', não nos poderá tornar narcisistas?

Bem ... mas, por a) a f) vale a pena esperarmos pelo 1 ano depois, (365-52*2+45)* post depois ...

* Não aplicável em ano bissexto

2. A flor do 'espiritual', da 'transcendência'.

3. Não voltarei, despeço-me de todos.

terça-feira, novembro 28, 2006 9:50:00 da tarde  
Blogger Nuno Guronsan said...

A posição que aqui deixas "imprimida" acerca deste fenómeno de início de século vai muito ao encontro do que eu também penso. Não sei até que ponto a realidade da pessoa que escreve é esticada ou encolhida, mesmo tendo em conta que não há um relacionamento ao vivo e a cores com as pessoas que nos lêem. Falando por mim, e apesar de haverem muitos escritos tirados directamente do meu quotidiano, há aqueles também que saem do meu imaginário particular, e que como tal são uma enorme misturada de coisas reais com ficção com delírios com mais tudo aquilo que venha à rede. Se isso será ou não interessante para alguém, não o posso responder, quem o quiser que o faça. Quem me conhece pessoalmente e lê aquilo que escreve, afirma que normalmente é a minha "fotografia" que lá está, mesmo nos momentos mais surreais... De qualquer das formas, acho que é uma experiência engraçada e que se insere perfeitamente na lógica da "vida está lá fora". Pois se agora os jardins até dão net à borla ;)

Quanto às flores que aqui nos vai deixando, o seu perfume tem-me trazido aqui com alguma regularidade, pelo que o Inverno se adivinha prometedor. Segue o teu caminho.

Um abraço.

quarta-feira, novembro 29, 2006 10:48:00 da manhã  
Blogger gi said...

obrigados pelos V/ comentários. como se diz num Português mais rústico: 'sois todos mui gentis'.
notas breves:

1. caro dad aka kuaker coisa:
'fantástico' é quando transformamos alguma coisa numa coisa melhor. longe desse 'fantástico', portanto..
quanto ao teu segundo comentário, vou mesmo usar o vulgar 'sem palavras'. e acrescentar a subtileza do teu comentário sobre a 'regularidade'. ;-).

2. cara mcpr:
bem-vinda a este humilde jardim! como vê, não custa nada - bem, não diria antes que não custa muito ;-).
não sei porquê, mas revejo-a nos seus comentários, misturando 'regra e esquadro' com 'sensibilidade humanista'.
gostei muito da noção de 'flor espiritual'- é isso mesmo. e não resisto a dizer 'volte sempre'! (nada de certezas absolutas).

3. caro nuno:
seguirei o meu caminho, o melhor que posso e sei. muito obrigado pelas tuas palavras de estímulo e pelas tuas reflexões em voz alta.
sim, há beleza no inverno - há beleza em todo o lado. e, em jeito de provocação-recebida-e-devolvida, é bem verdade que 'aqui dentro' também é 'lá fora'.

abraço a todos.

quarta-feira, novembro 29, 2006 4:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

lamento que, apesar de não inédito, ter de discordar de ti:

fantástico, sim, quando, alguém, transforma esta imensidão que é o mundo, este infinito que somos nós e que é o 'entre nós', numa coisa melhor.
tu fá-lo!
- aqui! - connosco.
mais, melhor:
tu fá-lo!
- no teu dia-a-dia! - com eles, esses ilustres desconhecidos.
fantástico, sim!
obrigado por existires.
grato pela amizade que tens pelo mundo.
agradecido pela sensibilidade que dedicas ao belo.

bem mais perto desse fantástico do que possas querer admitir, portanto...

dad akamigo

domingo, dezembro 03, 2006 12:23:00 da manhã  
Blogger Sofia Viseu said...

e vários dias depois do teu post...

1. os blogs… uma pequena janela indiscreta para pendurar ao sol, com molas de madeira, as peças do quotidiano que andaram em maior ou menor rebuliço na máquina das ideias. Com essas peças nos vamos vestindo e despindo, escondendo e mostrando…

2. continua a plantar as palavras no jardim virtual.

segunda-feira, dezembro 04, 2006 9:35:00 da manhã  
Blogger gi said...

caro dad akamigo,

agora é que me deixaste sem fala - que é o mesmo que dizer sem palavras. ou pelo menos sem palavras imediatas - que palavras há sempre, aja coragem para as ouvir em nós e ainda mais coragem para as dizer.
um grande abraço, é o que te digo.
:-)

cara amiga cristal,

o tempo é uma convenção humana. decidamos abandonar o tempo, aqui e agora. mas se abandonamos o tempo, também abandonamos o agora. tudo é um infindo contínuo e sob esta perspectiva as tuas palvras chegaram muito a tempo (no tempo certo, que é sempre o tempo justo).
gosto da tua ideia de plantar palavras (semear flores). e devo dizer-te que tiveste um papel não pequeno na minha decisão de começar um blog. lá está, foi no tempo certo, que é sempre o tempo justo.
;-).

segunda-feira, dezembro 04, 2006 12:00:00 da tarde  
Blogger Sofia Viseu said...

Ainda há poucos dias comentava que " é um círculo que se curva para trás sobre si próprio", nas palavras de Alan Lightman… e que bom saber que dei um pequeno empurrão para este jardim!

segunda-feira, dezembro 04, 2006 2:14:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home