26 outubro 2006

descomplicómetro I

muita gente - e com razão - se queixa dos males da Justiça em Portugal. no campo da economia e das empresas, uma das críticas mais comuns prende-se com o facto de, havendo tantas empresas em situação mais ou menos à margem da lei (obrigações fiscais, segurança social, relações laborais internas, etc.), o porquê de o Estado não agir de forma mais decidida e musculada. é uma boa questão, principalmente quando partimos do princípio de que no Governo e na Administração Pública há (e há!) pessoas de bem, profissionais experientes.

é simples. ou quase simples.

1. grande parte das empresas que têm a sua situação regularizada - grandes empresas nacionais, multi-nacionais, banca e sector financeiro -, têm também mecanismos de optimização fiscal. pagam os impostos devidos, mas pagam estritamente aquilo que são obrigados a pagar, em virtude das obrigações relativas a 'corporate governance' (ex: decorrentes da cotação em bolsa, das auditorias independentes a que estão sujeitas, etc.) e de 'corporate reputation'. no entanto, se assumem, não obstante os mencionados mecanismos de eficiência fiscal, um peso significativo na coluna das receitas, a verdade é que, cada vez mais, optam por medidas de deslocalização (com o encerramento de unidades de produção), redução de efectivos, outsourcing de actividades, etc. todas estas medidas têm em comum a diminuição do número de empregos, o que, conduz a uma curva de redução das receitas fiscais obtidas por via da tributação do rendimento dos trabalhadorees e de redução simultânea dos fundos afectos à segurança social (em termos de massa total).

2. temos assim que o número muito significativo de pequenas e médias empresas são, de facto, um pilar fundamental em termos de emprego efectivo (e da consequente contribuição para os fundos da segurança social e para a colecta fiscal). resulta daqui que, mesmo com a censurável praxis de certas empresas que contornam as suas obrigações fiscais e/ou em sede de Segurança Social, estas não deixam de contribuir - pela via do número de empregos / indivíduos empregados e respectivos rendimentos (logo impostos) e taxas sociais (logo receitas) - para a manutenção do sistema global financeiro subjacente ao nosso 'modelo social', bem como para a moderação dos níveis de desemprego (cujo potencial de agitação social e erosão política são, como é sabido, consideráveis). estima-se que existam 1,5 milhões de postos de trabalho em Portugal abrangidos por esta realidade. dá que pensar, não é verdade ?

3. como 1+1=2, significa isto que é irrealista pensar que o Governo (qualquer Governo) não quer ou não sabe ou não é capaz. saber, sabe. querer, até pode querer. mas não pode. forçar, pela força, uma penalizaçao rigorosa e maciça das empresas que vivem numa espécie de limbo de cidadania, conduziria a uma vitória quixotesca - afirmação de valores correctos, mas sem sustentabilidade económico-social.

4. resta desistir, com esta partida que a matemática, a economia e a demografia (que tudo piora) nos pregaram ? não! há muito espaço para promover a integraçao das empresas / organisações / indivíduos que vivem nas margens. um doseamento sábio, inteligente e instrumental de penalização/censura com incentivos positivos é, pois, o caminho. conduzir, integrar, incluir na economia mainstream todos aqueles que estão, aqui e agora, no limbo. e formar, formar, formar as novas gerações de empregadores e empregados, no intuito de diminuir a renovação da (ainda) enorme massa dos que não cumprem ou cumprem pouco ou cumprem tarde. este é o desafio.

afinal, é fácil.

porque é que não nos explicam estas coisas, alguém sabe responder ?